Informativo Técnico N º  206

Alimentação de recém-natos: suplementação energética

Publicado: 27/09/2010

Autor : Prof. Dr. José Sidney Flemming (Professor, Universidade Federal do Paraná - UFPR)

 A mortalidade já após o nascimento representa um dos maiores problemas na produção de leitões e por extensão na suinocultura industrial. Ela é variável e representa perdas de 1 a 2 leitões  por leitegada. Um percentual elevado de óbitos ocorre antes da desmama por insuficiência de fornecimento de energia, pois a reserva energética é representada pelo glicogênio muscular e hepático mais a gordura corporal, a qual em geral é pequena (English, et al 1995; Schneider, 2002). Segundo Cutler et al., (1992) as perdas representadas pela mortalidade neonatal oscilam entre 11,5 a e 25% e ocorrem entre o parto e o desmame. Entretanto, vários autores consideram aceitáveis índices de perdas de leitões próximos de 5%, não devendo ultrapassar 10% (Driesen et al, 1996; Dial et al., 1992; Muirhead e Alexander, 1997). Estes mesmos autores referem que a taxa de mortalidade em leitões de até 1 kg é maior, e que,  a redução do desvio padrão do peso das leitegadas com manejo adequado, produz leitões maiores  com diminuição na taxa de mortalidade. VanDer Lende et al., (2001) citam que as reservas de energia de leitões normais ao nascer são muito baixas em leitões de peso inferior a 1 Kg.

Composição do leite de porca:

Imagem 01

Leitões normais nascem com 1,6% de gordura corporal e o aumento do peso ao nascer é seguido de aumento na gordura de reserva. O acréscimo da gordura corporal diminui a queda de temperatura dos leitões logo após o parto. Assim, existe uma tendência a busca por maior porcentagem de gordura corporal em recém natos, o que irá proporcionar melhor isolamento corporal contra os desafios ambientais. O uso de dietas líquidas, bem como  estratégias de alimentação com dietas complexas  pré-iniciais e enriquecidas com leite e gorduras, tem dado bons resultados  afetando positivamente o crescimento de leitões pequenos durante ou após a desmama, principalmente quando os animais são de tamanho e ou peso  baixo.  Pesquisas de Cera et al. (1988) demonstram que o aumento no peso dos leitões pode ser obtido pelo aumento do aporte energético, com sensíveis melhoras  no desempenho dos leitões no pós-desmame. Contudo, a utilização de fontes de lipídeos de origens diversas e sem critérios, como gorduras complexas com perfil de ácidos graxos desconhecidos, redundam em baixa digestibilidade, presença de radicais livres e oxidação dos ácidos graxos insaturados, levando a resultados pouco significativos, e sem melhorias nas taxas de deposição de gordura corporal na fase do pós-desmame.  

Um fator limitante ao uso dos óleos vegetais (soja , milho)  na dieta de leitões é a presença de ácidos graxos de cadeia longa que  devem ser transportados em meio aquoso no intestino, o qual não favorece a sua dissolução e transporte. Assim, a emulsificação das gorduras é fundamental para permitir a ação de lipases e a formação de micelas com os ácidos graxos. Esta ação é facilitada pela bile e agentes tensoativos naturais, compostas de moléculas grandes, ligeiramente solúveis na água e que tem a  capacidade de alterar as propriedades superficiais e interfaciais das gorduras. Estes agentes tensoativos são chamados de surfactantes e estão naturalmente presentes nos sucos digestivos. São representados pelo grupo dos Lisofosfolipídios tais como a Fosfatidilcolina e a Lisofosfatidilcolina que são formadas pela ação de enzimas específicas no lúmen. A Fosfatidilcolina  secretada na bile é de fundamental importância para a emulsificação das gorduras e formação de micelas no processo de absorção (Silva ,2009).  A Lisofosfatidilcolina pode ser produzida industrialmente a partir da Lecitina de soja e a sua adição a suplementos energéticos tem demonstrado  efeitos positivos como componente fundamental da digestão, apresenta benefícios no desempenho técnico e econômico das dietas,  permitindo a formulação de dietas de menor densidade nutricional, mais econômicas, sem perda de desempenho.

Trevizan & Kessler, (2009) publicaram um estudo onde referem os efeitos da  utilização do diacilglicerol ou DAG,  um lipídio com ação semelhante a dos ácidos graxos de cadeia média. Este lipídio  é um componente natural encontrado em gorduras vegetais e está diluído entre os triglicerídeos. São descritas na literatura três formas de DAG ( 1,2 DAG, 2,3 DAG e o 1,3 DAG). Das três a formas existentes a 1,3DAG é a que tem sido mais pesquisada (Rudkowska et al. 2005). Segundo Matsuo & Tokimitsu, (2001) os triglicerídeos da dieta após sofrerem a digestão no intestino podem produzir 1,2 DAG e 2,3 DAG, como produtos intermediários da ação da lipase pancreática sobre os triglicerídeos. Os diacilgliceróis (DAG) podem ser facilmente absorvidos, pois as gorduras são absovidas somente na forma de mono acilgliceróis, diacilglicerois e ácidos graxos livres. O DAG caracteriza-se por possuir sabor, aparência e composição de ácidos graxos semelhantes entre os óleos de colza, soja, e girassol podendo ser incluídos facilmente em dietas (Takase et al., 2005). Pesquisadores referem que o 1,2 e o 1,3 DAG não atuam da mesma forma, e como ocorre com ácidos graxos de cadeia média o 1,3 DAG apresentaria menor afinidade por enzimas relacionas à re-esterificação para a síntese de quilomicrons (Yasunaga et al., 2004).Assim, quando o 1,3 DAG é incluído na dieta, ocorre a formação do 1-monoacilglicerol e ácido graxo livre, que tendem a ser oxidados prontamente ou então conduzidos diretamente ao fígado pelo sistema porta hepático sofrendo uma  β-oxidadação. Este aumento na oxidação de lipídeos parece promover aumento na oferta e utilização de energia pelo animal. (Morita & Soni, 2009).

Desta forma, o uso de gorduras como fonte energética de recém-natos é bastante discutido, contudo, pesquisas com a adição de gordura de coco, óleo de palma, óleo de milho e outros, tem demonstrado resultados positivos nas fases pré-iniciais. Das fontes lipídicas, a gordura de coco tem demonstrado melhores resultados no ganho de peso, e conversão alimentar, aumentando o consumo de ração quando utilizados (Jin et al 1988; Cera et al 1989a, Mahan, 1991). 

A resposta superior da gordura de coco é atribuída a sua composição rica em ácidos graxos de menor comprimento de cadeia, com melhor taxa de absorção tendo como principal  vantagem a sua condução via corrente sanguínea. Fato que o difere dos ácidos graxos de outros lipídeos vegetais e ou animais, os quais são mais rapidamente absorvidos via sistema linfático. Este aspecto é referido por Dove (1993), ao constatar que a adição de ácidos graxos de cadeia média oriundos do coco, aumentava o ganho de peso nas duas primeiras semanas pós-desmame. Pesquisas demonstram como desejável a suplementação com triglicerídeos de cadeia média imediatamente após o parto, porque estes são rapidamente digeridos e utilizados como energia pelos leitões. A suplementação via oral de óleo de coco nas primeiras 12 horas, possibilita condições de sobrevivência com um razoável aporte energético. O bom desempenho obtido pelo uso do óleo coco pode ser atribuído a sua composição rica em ácido láurico (50 %) que é um acido graxo de 12 C rapidamente digerível e absorvível (Chiang et al, 1990).Champe & Harvey (1999) citam que a alta concentração em ácido láurico comparativamente a outros tipos de gorduras, é encontrada em concentrações razoáveis no leite da porca, fortalecendo assim o sistema imunológico (Isaacs,1994). Estudos efetuados mostram que o ácido láurico forma a monolaurina que tem a propriedade de estimular a atividade do sistema imunológico via ativação e liberação da interleucina 2, com aumento da produção de linfócitos pela medula óssea.  A  monolaurina tem ação anti-inflamatória  através da  inibição da síntese local de prostaglandinas (PGE2) e da interleucina 6, que são substâncias pró-inflamatórias presentes em quadros de reações auto-imunes (Isaacs 1994; Fife, 2003).

Desta forma,  a realização de novas pesquisas e estudos se fazem necessárias considerando-se que:

  • a) Deve-se avaliar as reais possibilidade do uso de aditivos em suplementos energéticos ricos em lipídios;
  • b) Procurar melhor a definição ou redefinição da utilização de diferentes tipos de lipídios e de ácidos graxos;
  • c) Avaliar a associação de suplementos energéticos ricos em gorduras com derivados lácteos e outros nutrientes;
  • d) Redefinir melhor o período de suplementação (em dias) principalmente para leitões com pesos inferior a 1 kg;
  • e) Praticar a formulação dos produtos complementares a dieta liquida rica em energia nesta fase critica, procurando-se redução de custos e maior viabilidade na produção de leitões.

 

Revisão da Literatura

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