Informativo Técnico Nº. 118

Interpretação de lesões no abate como ferramenta de diagnóstico das doenças respiratórias dos suínos

Autor : Geraldo Camilo Alberton 1; Marcos Antônio Zanella Mores 2.

INTRODUÇÃO

As pneumonias estão entre os principais problemas sanitários da suinocultura tecnificada, causando baixos índices zootécnicos, gastos com medicamentos e condenações de carcaças. No abatedouro, aproximadamente, 50% dos animais apresentam algum tipo de lesão pulmonar, sendo que estas lesões respondem por 50% de todas as condenações de carcaças.

Os Médicos Veterinários que atuam como sanitaristas de suínos, cada vez mais utilizam os dados de abatedouro para monitorar os problemas respiratórios dos sistemas de produção de suínos. Para tanto, realizam monitorias sanitárias no abate e acompanham os dados de condenação registrados pelos Serviços de Inspeção dos abatedouros. Estas ações têm sido muito importantes para a compreensão do impacto das lesões respiratórias na suinocultura, bem como para a elaboração de medidas sanitárias para o controle das mesmas. 

Entretanto, sempre que são empregadas monitorias sanitárias, muitos dados são gerados e, nem sempre os mesmos são devidamente analisados e compreendidos. No caso das lesões pulmonares, verifica-se este problema, ou seja, os sanitaristas dispõem de gráficos de condenação e índices de lesão de pneumonia no abate. Contudo, a forma como estes dados são gerados não tem permitido um aproveitamento total destas ações. Adicionalmente, as lesões pulmonares são muito dinâmicas, ou seja, progridem e regridem ao longo do período de crescimento e engorda, de modo que a lesão pulmonar observada ao abate não reflete com clareza a importância que aquela pneumonia teve na vida do animal, podendo gerar interpretações equivocadas sobre a doença. Deste modo, pode- e subestimar ou superestimar a eficiência de um programa sanitário a partir destes dados mal interpretados. O objetivo desta revisão é fazer uma discussão sobre cada tipo de lesão que acomete os suínos no abate, procurando correlacionar estas lesões com o tipo de bactéria envolvida, via de transmissão e correlação com impacto econômico e em saúde pública. 

I - TIPOS DE LESÕES PNEUMÔNICAS EM SUÍNOS AO ABATE

A principal etapa do diagnóstico diferencial das lesões pulmonares consiste em classificar as lesões quanto à distribuição das mesmas nos lobos, pois os agentes tendem a reproduzir o mesmo padrão de distribuição das lesões. As lesões pulmonares devem ser classificadas em: cranioventral: quando localizadas nos lobos apicais, cardíacos, intermédio e porção anterior dos diafragmáticos; dorsocaudal: localizadas nas regiões dorsocaudais dos lobos diafragmáticos; e disseminada: lesões distribuídas por todos os lobos pulmonares. Os pulmões também devem ser classificados quanto à presença ou ausência de lesões de hepatização pulmonar com localização cranioventral, com características de pneumonia enzoótica (PE), as quais normalmente não causam desvio das carcaças da linha de inspeção. 

1 - Lesões de pneumonia enzoótica

A PE produz lesões na região cranioventral do pulmão, localizadas, principalmente, nas extremidades dos lobos apicais, cardíacos, intermediários e região anteroventral dos diafragmáticos. Estas lesões possuem consistência de músculo, são bem delimitadas do tecido normal, possuem coloração púrpura à cinza e, em relação às áreas de pulmão normal, são levemente deprimidas. Geralmente, os linfonodos apresentam-se bastante reativos. Embora as lesões de PE não provoquem o desvio de carcaça e tampouco a condenação das mesmas, 67% dos pulmões que apresentam lesões que geraram desvio de carcaça apresentam também lesões de hepatização cranioventrais sugestivas de PE, confirmando que a PE abre portas para outras bactérias [9]. As lesões de PE estão também associadas com as pleurites no abate, sendo que os suínos que desenvolvem a doença mais precocemente possuem maior chance de apresentarem pleurites por ocasião do abate [1].

No Brasil e em outros países, a análise qualitativa e quantitativa das lesões pulmonares é muito praticada, principalmente daquelas relacionadas com a PE. Estes dados são analisados por programas de computador que calculam a área de pulmão afetada, a prevalência de leitões com lesões de PE e a estimativa de perda no ganho de peso diário (GPD) e de aumento na conversão alimentar (CA). Estes dados também são utilizados para avaliar programas vacinais ou medicamentosos para a PE.

Muitas pesquisas foram realizadas com a finalidade de comprovar a eficiência destas monitorias de abate para avaliar o impacto da PE nos animais [1,10,12] sendo que todas elas demonstram, claramente, que as lesões causadas pelo Mycoplasma hyopneumoniae são regressíveis e muito dinâmicas ao longo do crescimento do animal, de modo que a lesão de abate reflete apenas o ocorrido nas últimas semanas de vida. Comparando-se a curva de soroconversão para a PE com o escore de lesões para PE no abate, verifica-se que os animais que soroconvertem precocemente para PE, apresentam menor escore de lesão do que aqueles que soroconvertem tardiamente ou não soroconvertem. Observa-se também, que os animais que soroconvertem precocemente são mais acometidos por pleurite, o que pode ser explicado por uma maior severidade da PE em animais mais jovens, permitindo as infecções secundárias [1]. Da mesma forma, em estudo realizado comparando-se as lesões de abate com radiografias da cavidade torácica realizadas durante o período de recria e engorda, demonstrou-se que os suínos que apresentam PE precocemente possuem menores escores de lesão ao abate [12]. As monitorias clínicas de índice de tosse também demonstram baixa correlação entre tosse e escore de lesão no abate. Nesse sentido, em um estudo compararam-se as contagens de tosse com o peso e o escore de pneumonia enzoótica no abate, os autores verificaram menores escores de lesões nos animais que começaram a tossir precocemente, enquanto que os animais afetados mais próximo da idade de abate tiveram maiores escores de lesão [10].

Os resultados dos trabalhos acima relatados não devem ser usados para desestimular as monitorias e lesões de PE, afinal, estas monitorias são extremamente importantes para conhecer a dinâmica da doença no rebanho. Entretanto, sempre que for realizada uma análise quantitativa (escores de lesão), esta deve ser analisada com cautela, evitando assim, interpretações equivocadas.

2 - Lesões que geram condenação de carcaça

As lesões pulmonares que geram desvio e condenação de carcaças são, ao contrário daquelas da PE, pouco exploradas pelos sanitaristas. Isso se deve ao fato de que os pulmões são removidos da linha de abate para o Departamento de Inspeção Final (DIF), local de acesso restrito e com muita movimentação de carcaças e suas respectivas vísceras, o que dificulta o acesso e a permanência dos sanitaristas nesta área do frigorífico. Deste modo, perde-se a oportunidade de se avaliar detalhadamente estas lesões, com vistas à definição do provável agente causal, restando apenas a análise dos dados de destino das carcaças, dado este, muito utilizado pelos sanitaristas no acompanhamento de doenças respiratórias dos rebanhos.

A avaliação destes tipos de lesões deve ser realizada por pessoa bem treinada. Não existem lesões patognomônicas para nenhuma doença e, os mesmos patógenos podem produzir lesões diferentes de acordo com a patogenicidade da amostra, via de infecção e grau de evolução do quadro no momento do abate. A seguir, apresentamos os principais agentes causadores de lesões pulmonares no abate e o tipo de lesões que eles provocam, de acordo com pesquisa, recentemente, realizada no Sul do Brasil [9]. Na Tabela 1 apresenta-se a distribuição de cada tipo de lesões no parênquima pulmonar e, na Tabela 2, os agentes mais comumente isolados para cada tipo de lesão [9].

Tabela


  2.1 - Pasteurella multocida "D"

As lesões de P. multocida tipo D caracterizaram-se, principalmente, por grandes nódulos de tecido necrótico purulento, normalmente de coloração amarelo creme, envoltos por uma cápsula fibrosa espessa, com ou sem envolvimento de pleura. Estas lesões localizaram-se, na maioria das vezes, na região dorsocaudal do pulmão. Entre as amostras positivas para P. multocida, o sorogrupo capsular "D" tem sido a mais prevalente em lesões pulmonares no abate [9]. No estudo de MORÉS [9], de 150 pulmões com lesão, a P. multocida foi isolada em 77 amostras, sendo 41 (53,2%) do sorogrupo "D" e as demais do sorogrupo "A". Embora a literatura relate que o sorogrupo capsular "A" seja encontrado sempre em mais de 90% das amostras de P. multocida isoladas de lesões pulmonares em suínos [3,6,12], estudos recentes relatam o crescente envolvimento de amostras do grupo "D" em pneumonias [7].

2.2 - Pasteurella multocida "A"

As lesões de P. multocida tipo A caracterizam-se, principalmente, por nódulos de hepatização do parênquima pulmonar, com ou sem necrose, com exsudação mucopurulenta nos brônquios e bronquíolos e deposição de fibrina sobre a pleura visceral, localizadas nos lobos cardíacos e diafragmáticos. Este agente também provoca pleurite fibrinosa, sem alterações no parênquima pulmonar. 

2.3 - Actinobacillus pleuropneumoniae

As lesões mais características provocadas por este agente estão localizadas na região dorsocaudal do parênquima pulmonar, constituídas por nódulos de tecido necrótico ou purulento, muitas vezes com presença de cápsula fibrosa, circundados por área de hemorragia e edema interlobular intenso. O tecido necrótico apresenta coloração amarelada característica. Geralmente, observa-se também, o comprometimento da pleura, a qual se apresentava espessada por tecido fibroso e, muitas vezes, com aderências à parede costal. Depois da P. multocida, o A. pleuropneumoniae é o agente mais isolado de lesões pulmonares no abate [9].

2.4 - Bactérias gram-positivas

Arcanobacterium pyogenes, Streptococcus sp. e outras bactérias do grupo corineformes provocam pequenos abscessos disseminados por todos os lobos do parênquima pulmonar, estando, normalmente, associados com caudofagia ou outras portas de entrada [9].

A avaliação dos linfonodos que drenam os pulmões, que são os linfonodos mediastínicostraqueobronquiais, não é de grande utilidade para correlacionar lesões sépticas de lesões assépticas, nem mesmo para a diferenciação dos agentes envolvidos nas alterações pulmonares. Estes linfonodos apresentam-se mais reativos nos casos de lesões de PE e menos reativos nas lesões provocadas pelo A. pleuropneumoniae [9]. 

II - LESÕES PULMONARES X CONDENAÇÃO DE CARCAÇAS

São poucos os trabalhos encontrados na literatura relacionados, especificamente, às características das lesões respiratórias responsáveis por condenações de carcaças de suínos, bem como dos critérios adotados nos diferentes países para a classificação e destino de carcaças com lesões. Assim como no Brasil, nos outros países as lesões pulmonares são relatadas como a principal causa de desvio e condenação de carcaças [5,8,13]. A realização de comparações entre o tipo de lesões pulmonares observadas e o destino das carcaças fica extremamente difícil, pois não existem padrões internacionais de julgamento e relato das lesões. Adicionalmente, por questões comerciais nem todas as empresas divulgam seus dados, mesmo para seus próprios clientes [13].

Na rotina das inspeções nos frigoríficos brasileiros, observa-se grande variação no julgamento e destino das carcaças com diferentes lesões pulmonares pelos diferentes inspetores. Os destinos das carcaças apreendidas por pneumonia têm sido, em média nos últimos anos, 70,6% para produto cozido, 28% para produção de banha e 1,4% para subprodutos. As carcaças destinadas aos processos de cozimento, produção de banha e subprodutos tem uma desvalorização para a indústria de 12%, 85% e 92%, respectivamente [SIF nº1, dados não publicados].

De acordo com a regulamentação da União Européia, lesões pulmonares de broncopneumonia aguda e aquelas relacionadas com piemia devem resultar em rejeição das carcaças para consumo [8]. No Brasil, a legislação vigente é o regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal. Nesta regulamentação encontram-se as instruções básicas para a classificação e destino das carcaças. O artigo 174 (carnes responsáveis por toxinfecções) determina que todas as carcaças de animais doentes, incluindo infecções agudas dos pulmões e pleura, devem ser condenadas [4]. O artigo 157 (abscessos e lesões supuradas) estabelece os seguintes critérios:

1. Quando a lesão é extensa, múltipla ou disseminada, de modo a atingir grande parte da carcaça, esta deve ser condenada;

2. Carcaças ou partes de carcaças que se contaminarem acidentalmente com pus serão também condenadas;

3. Abscessos ou lesões supuradas localizadas podem ser removidos, condenando-se apenas os órgãos e partes atingidas;

4. Serão ainda condenadas as carcaças com alterações gerais (emagrecimento, anemia, icterícia) decorrentes de processo purulento [4].

Analisando-se os dados científicos [9] e, considerando o previsto no RIISPOA, verifica-se que a grande maioria das carcaças com lesões pulmonares, principalmente aquelas associadas com A. pleuropneumoniae e P. multocida, normalmente localizadas e crônicas, classificadas como nódulos purulentos e nódulos necróticos, podem ser liberadas para consumo, sem risco para os consumidores. Estas lesões são bem delimitadas e conseqüentes de infecções aerógenas. Outros fatores importantes é que estes agentes não têm sido citados como importantes patógenos em humanos, estão restritos à lesão pulmonar e, o animal não estava doente por ocasião do abate. Se analisarmos pela regulamentação da União Européia, estas carcaças, também, poderiam ser liberadas, pois as condenações estão previstas para os casos de lesões pulmonares de broncopneumonia aguda e aquelas relacionadas com piemia [8].

Por outro lado, as lesões com características de disseminação via hematógena, como os múltiplos abscessos espalhados pelo parênquima pulmonar, apresentam risco considerável para a saúde pública, pois os agentes são mais patogênicos para o homem e não estão restritos ao trato respiratório. Estas lesões, geralmente, estão associadas ao canibalismo [6,9,14].

CONCLUSÕES

 


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