Autor : Geraldo Camilo Alberton
1; Marcos Antônio Zanella Mores 2.
INTRODUÇÃO
As pneumonias estão entre os principais problemas
sanitários da suinocultura tecnificada,
causando baixos índices zootécnicos, gastos com medicamentos e condenações
de carcaças. No abatedouro, aproximadamente, 50% dos animais apresentam
algum tipo de lesão pulmonar, sendo que estas lesões respondem por 50%
de todas as condenações de carcaças.
Os Médicos Veterinários que atuam como
sanitaristas de suínos, cada vez mais utilizam os dados de abatedouro para
monitorar os problemas respiratórios dos sistemas de produção de suínos. Para
tanto, realizam monitorias sanitárias no abate e acompanham os dados de
condenação registrados pelos Serviços de Inspeção dos abatedouros. Estas
ações têm sido muito importantes para a compreensão do impacto das lesões
respiratórias na suinocultura, bem como para a elaboração de medidas
sanitárias para o controle das mesmas.
Entretanto, sempre que são empregadas monitorias
sanitárias, muitos dados são gerados e, nem sempre os mesmos são
devidamente analisados e compreendidos. No caso das lesões pulmonares, verifica-se
este problema, ou seja, os sanitaristas dispõem de gráficos de condenação
e índices de lesão de pneumonia no abate. Contudo, a forma como estes
dados são gerados não tem permitido um aproveitamento total destas ações.
Adicionalmente, as lesões pulmonares são muito dinâmicas, ou seja,
progridem e regridem ao longo do período de crescimento e engorda, de modo
que a lesão pulmonar observada ao abate não reflete com clareza a importância
que aquela pneumonia teve na vida do animal, podendo gerar interpretações
equivocadas sobre a doença. Deste modo, pode- e subestimar ou superestimar
a eficiência de um programa sanitário a partir destes dados mal
interpretados. O objetivo desta revisão é fazer uma discussão sobre cada
tipo de lesão que acomete os suínos no abate, procurando correlacionar
estas lesões com o tipo de bactéria envolvida, via de transmissão e correlação
com impacto econômico e em saúde pública.
I - TIPOS DE LESÕES PNEUMÔNICAS
A principal etapa do diagnóstico diferencial das
lesões pulmonares consiste em classificar as lesões quanto à distribuição
das mesmas nos lobos, pois os agentes tendem a reproduzir o mesmo padrão de
distribuição das lesões. As lesões pulmonares devem ser classificadas em: cranioventral: quando localizadas nos lobos
apicais, cardíacos, intermédio e porção anterior dos diafragmáticos; dorsocaudal: localizadas nas regiões dorsocaudais
dos lobos diafragmáticos; e disseminada: lesões distribuídas por todos os
lobos pulmonares. Os pulmões também devem ser classificados quanto à
presença ou ausência de lesões de hepatização pulmonar
com localização cranioventral, com características de
pneumonia enzoótica (PE), as quais
normalmente não causam desvio das carcaças da linha de inspeção.
1 - Lesões
de pneumonia enzoótica
A PE produz lesões na região cranioventral
do pulmão, localizadas, principalmente, nas extremidades dos lobos
apicais, cardíacos, intermediários e região anteroventral
dos diafragmáticos. Estas lesões possuem consistência de músculo, são bem
delimitadas do tecido normal, possuem coloração púrpura à cinza e, em relação
às áreas de pulmão normal, são levemente deprimidas. Geralmente, os linfonodos apresentam-se bastante reativos. Embora as
lesões de PE não provoquem o desvio de carcaça e tampouco a condenação das
mesmas, 67% dos pulmões que apresentam lesões que geraram desvio de
carcaça apresentam também lesões de hepatização cranioventrais sugestivas de PE, confirmando que a PE abre
portas para outras bactérias [9]. As lesões de PE estão também associadas
com as pleurites no abate, sendo que os suínos que desenvolvem a doença mais
precocemente possuem maior chance de apresentarem pleurites por ocasião do
abate [1].
No Brasil e em outros países, a análise
qualitativa e quantitativa das lesões pulmonares é muito
praticada, principalmente daquelas relacionadas com a PE. Estes dados são
analisados por programas de computador que calculam a área de pulmão
afetada, a prevalência de leitões com lesões de PE e a estimativa de perda no
ganho de peso diário (GPD) e de aumento na conversão alimentar (CA). Estes
dados também são utilizados para avaliar programas vacinais ou
medicamentosos para a PE.
Muitas pesquisas foram realizadas com a
finalidade de comprovar a eficiência destas monitorias de abate para
avaliar o impacto da PE nos animais [1,10,12] sendo
que todas elas demonstram, claramente, que as lesões causadas pelo Mycoplasma hyopneumoniae são regressíveis e muito dinâmicas ao longo do crescimento do
animal, de modo que a lesão de abate reflete apenas o ocorrido nas últimas
semanas de vida. Comparando-se a curva de soroconversão
para a PE com o escore de lesões para PE no abate, verifica-se que os animais que soroconvertem precocemente
para PE, apresentam menor escore de lesão do que aqueles que soroconvertem tardiamente ou não soroconvertem.
Observa-se também, que os animais que soroconvertem
precocemente são mais acometidos por pleurite, o que pode ser explicado
por uma maior severidade da PE em animais mais jovens, permitindo as
infecções secundárias [1]. Da mesma forma, em estudo realizado
comparando-se as lesões de abate com radiografias da cavidade torácica
realizadas durante o período de recria e engorda, demonstrou-se que os suínos
que apresentam PE precocemente possuem menores escores de lesão ao abate
[12]. As monitorias clínicas de índice de tosse também demonstram baixa
correlação entre tosse e escore de lesão no abate. Nesse
sentido, em um estudo compararam-se as contagens de tosse com o peso e o
escore de pneumonia enzoótica no abate, os
autores verificaram menores escores de lesões nos animais que começaram a
tossir precocemente, enquanto que os animais afetados mais próximo da
idade de abate tiveram maiores escores de lesão [10].
Os resultados dos trabalhos acima relatados não
devem ser usados para desestimular as monitorias e lesões de PE, afinal,
estas monitorias são extremamente importantes para conhecer a dinâmica da
doença no rebanho. Entretanto, sempre que for realizada uma análise
quantitativa (escores de lesão), esta deve ser analisada com cautela,
evitando assim, interpretações equivocadas.
2 - Lesões que geram condenação de
carcaça
As lesões pulmonares que geram desvio e
condenação de carcaças são, ao contrário daquelas da PE, pouco exploradas
pelos sanitaristas. Isso se deve ao fato de que os pulmões são removidos da
linha de abate para o Departamento de Inspeção Final (DIF), local de
acesso restrito e com muita movimentação de carcaças e suas respectivas
vísceras, o que dificulta o acesso e a permanência dos sanitaristas nesta área
do frigorífico. Deste modo, perde-se a oportunidade de se avaliar
detalhadamente estas lesões, com vistas à definição do provável agente
causal, restando apenas a análise dos dados de destino
das carcaças, dado este, muito utilizado pelos sanitaristas no acompanhamento
de doenças respiratórias dos rebanhos.
A avaliação destes tipos de lesões deve ser
realizada por pessoa bem treinada. Não existem lesões patognomônicas
para nenhuma doença e, os mesmos patógenos podem
produzir lesões diferentes de acordo com a patogenicidade
da amostra, via de infecção e grau de evolução do quadro no momento do
abate. A seguir, apresentamos os principais agentes causadores de lesões
pulmonares no abate e o tipo de lesões que eles provocam, de acordo com
pesquisa, recentemente, realizada no Sul do Brasil
[9]. Na Tabela 1 apresenta-se a distribuição de cada tipo de lesões no
parênquima pulmonar e, na Tabela 2, os agentes mais comumente isolados
para cada tipo de lesão [9].
2.1 - Pasteurella multocida "D"
As lesões de P. multocida
tipo D caracterizaram-se, principalmente, por grandes nódulos de tecido
necrótico purulento, normalmente de coloração amarelo creme, envoltos por
uma cápsula fibrosa espessa, com ou sem envolvimento de pleura. Estas
lesões localizaram-se, na maioria das vezes, na região dorsocaudal
do pulmão. Entre as amostras positivas para P. multocida,
o sorogrupo capsular "D" tem sido a mais prevalente em lesões
pulmonares no abate [9]. No estudo de MORÉS [9], de 150 pulmões com lesão,
a P. multocida foi isolada em 77 amostras,
sendo 41 (53,2%) do sorogrupo "D" e as demais do sorogrupo
"A". Embora a literatura relate que o sorogrupo capsular
"A" seja encontrado sempre em mais de 90% das amostras de P. multocida isoladas de lesões pulmonares em suínos [3,6,12], estudos recentes relatam o crescente envolvimento
de amostras do grupo "D" em pneumonias [7].
2.2 - Pasteurella
multocida "A"
As lesões de P. multocida
tipo A caracterizam-se, principalmente, por nódulos de hepatização
do parênquima pulmonar, com ou sem necrose, com exsudação mucopurulenta nos brônquios e bronquíolos e deposição de
fibrina sobre a pleura visceral, localizadas nos lobos cardíacos e
diafragmáticos. Este agente também provoca pleurite fibrinosa,
sem alterações no parênquima pulmonar.
2.3 - Actinobacillus
pleuropneumoniae
As lesões mais características provocadas por
este agente estão localizadas na região dorsocaudal
do parênquima pulmonar, constituídas por nódulos de tecido necrótico ou
purulento, muitas vezes com presença de cápsula fibrosa, circundados por
área de hemorragia e edema interlobular intenso. O
tecido necrótico apresenta coloração amarelada
característica. Geralmente, observa-se também, o comprometimento da pleura, a
qual se apresentava espessada por tecido fibroso e, muitas vezes, com
aderências à parede costal. Depois da P. multocida, o
A. pleuropneumoniae é o agente mais isolado de lesões
pulmonares no abate [9].
2.4 - Bactérias gram-positivas
Arcanobacterium pyogenes, Streptococcus sp. e
outras bactérias do grupo corineformes provocam
pequenos abscessos disseminados por todos os lobos do parênquima pulmonar,
estando, normalmente, associados com caudofagia
ou outras portas de entrada [9].
A avaliação dos linfonodos
que drenam os pulmões, que são os linfonodos mediastínicos e traqueobronquiais,
não é de grande utilidade para correlacionar lesões sépticas de lesões
assépticas, nem mesmo para a diferenciação dos agentes envolvidos nas
alterações pulmonares. Estes linfonodos apresentam-se
mais reativos nos casos de lesões de PE e menos reativos nas lesões
provocadas pelo A. pleuropneumoniae [9].
II - LESÕES PULMONARES X CONDENAÇÃO DE
CARCAÇAS
São poucos os trabalhos encontrados na literatura
relacionados, especificamente, às características das lesões respiratórias
responsáveis por condenações de carcaças de suínos, bem como dos critérios
adotados nos diferentes países para a classificação e destino de carcaças
com lesões. Assim como no Brasil, nos outros países as lesões pulmonares
são relatadas como a principal causa de desvio e condenação de carcaças [5,8,13]. A realização de comparações entre o tipo de
lesões pulmonares observadas e o destino das carcaças fica
extremamente difícil, pois não existem padrões internacionais de
julgamento e relato das lesões. Adicionalmente, por questões comerciais
nem todas as empresas divulgam seus dados, mesmo para seus próprios clientes
[13].
Na rotina das inspeções nos frigoríficos
brasileiros, observa-se grande variação no julgamento e destino das
carcaças com diferentes lesões pulmonares pelos diferentes inspetores. Os
destinos das carcaças apreendidas por pneumonia têm sido, em média nos
últimos anos, 70,6% para produto cozido, 28% para produção de banha e 1,4%
para subprodutos. As carcaças destinadas aos processos de cozimento, produção
de banha e subprodutos tem uma desvalorização para a indústria de 12%, 85%
e 92%, respectivamente [SIF nº1, dados não publicados].
De acordo com a regulamentação da União Européia,
lesões pulmonares de broncopneumonia aguda e aquelas relacionadas com piemia devem resultar em rejeição das carcaças para consumo
[8]. No Brasil, a legislação vigente é o regulamento da Inspeção
Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal. Nesta
regulamentação encontram-se as instruções básicas para a classificação e
destino das carcaças. O artigo 174 (carnes responsáveis por toxinfecções) determina que todas as carcaças de animais
doentes, incluindo infecções agudas dos pulmões e pleura, devem ser
condenadas [4]. O artigo 157 (abscessos e lesões supuradas) estabelece os
seguintes critérios:
1. Quando a lesão é extensa, múltipla ou
disseminada, de modo a atingir grande parte da carcaça, esta deve
ser condenada;
2. Carcaças ou partes de carcaças que se
contaminarem acidentalmente com pus serão também condenadas;
3. Abscessos ou lesões supuradas localizadas
podem ser removidos, condenando-se apenas os órgãos e partes atingidas;
4. Serão ainda condenadas as carcaças com
alterações gerais (emagrecimento, anemia, icterícia) decorrentes de
processo purulento [4].
Analisando-se os dados científicos [9] e,
considerando o previsto no RIISPOA, verifica-se que a grande maioria das
carcaças com lesões pulmonares, principalmente aquelas associadas com A. pleuropneumoniae e P. multocida,
normalmente localizadas e crônicas, classificadas como nódulos purulentos e
nódulos necróticos, podem ser liberadas para consumo, sem risco para os
consumidores. Estas lesões são bem delimitadas e conseqüentes de infecções
aerógenas. Outros fatores importantes é que estes
agentes não têm sido citados como importantes patógenos
em humanos, estão restritos à lesão pulmonar e, o animal não estava doente por
ocasião do abate. Se analisarmos pela regulamentação da União Européia,
estas carcaças, também, poderiam ser liberadas, pois as condenações estão
previstas para os casos de lesões pulmonares de broncopneumonia aguda e aquelas
relacionadas com piemia [8].
Por outro lado, as lesões com
características de disseminação via hematógena,
como os múltiplos abscessos espalhados pelo parênquima pulmonar,
apresentam risco considerável para a saúde pública, pois os agentes são
mais patogênicos para o homem e não estão restritos ao trato respiratório.
Estas lesões, geralmente, estão associadas ao canibalismo [6,9,14].
CONCLUSÕES