Autor : Roberto Maurício Carvalho Guedes
(O trabalho foi originalmente publicado
por Acta Scientiae Veterinariae. 36(Supl 1):
s77-s80, 2008)
INTRODUÇÃO
A enteropatia proliferativa, ou ileíte, causada pela bactéria intracelular obrigatória, Lawsonia intracellularis, tem distribuição
mundial, mas a importância dada a esta enfermidade varia em diferentes países,
devido a uma série de peculiaridades. Desta forma, gostaria de iniciar este
manuscrito convidando os leitores a conhecer um pouco da realidade da enteropatia proliferativa em outros países, para que
possamos fazer uma correlação com a situação atual da enfermidade em nosso
meio.
AMÉRICA DO NORTE.
Muito provavelmente, os Estados Unidos da América seja o país onde a enteropatia proliferativa é melhor
compreendida e estudada. Isto se justifica por vários fatores. Dentre eles,
cita-se a estrutura diagnóstica instalada no país que conta com laboratórios
estaduais de referência, muito freqüentemente associados a instituições de
ensino superior como o Veterinary Diagnostic
Laboratory de Iowa State University, o da University of Minnesota e o de South Dakota State University. Nestes laboratórios de diagnóstico, os casos
clínicos e patológicos recebidos são trabalhados em todas suas possibilidades
etiológicas. Ou seja, amostras de intestinos de cevados de recria, enviadas por
veteriná- rio, são
analisadas para a presença de todos os agentes que poderiam estar envolvidos,
através de histopatologia, imunoistoquímica
(em casos onde esta é indicada), bacteriologia de aeróbios e anaeróbios e
técnicas moleculares, como a de PCR. Todos estes exames são compilados pelo
patologista que recebeu o caso e um relatório final é elaborado. Outro ponto,
relacionado com extensão e educação continuada, são os levantamentos de banco
de dados da freqüência de enfermidades diagnosticadas que são freqüentemente
publicados em eventos regionais ou nacionais, como a Al Leman
Conference e o Encontro Anual da American
Association of Swine Veterinarians (AASV),
respectivamente. Desta forma, os veterinários tomam conhecimento da freqüência
das principais enfermidades presentes em sua região. Além disto, avaliações soroepidemiológicas são conduzidas periodicamente para
várias enfermidades pelo USDA (NAHMS – National
Animal Health Monitoring
System), bem como estudos encomendados por empresas farmacêuticas para
enfermidades específicas. Finalmente, as técnicas diagnósticas para a enteropatia proliferativa são amplamente disponíveis, como
por exemplo, o teste sorológico de imunoperoxidase em
monocamadas de células, que é o padrão ouro entre os testes sorológicos para
esta enfermidade. Este teste é realizado na rotina do Veterinary
Diagnostic Laboratory da University of Minnesota, e recebe
amostras de todo os Estados Unidos e Canadá.
Com base em todas as informações acima listadas, sabe-se que nos Estados
Unidos, a enteropatia proliferativa é a doença
entérica mais freqüentemente diagnosticada em leitões no período de recria e
terminação [4]. Estudo soroepidemiológico recente
demonstrou soropositividade para L. intracellularis em mais de 94% dos rebanhos testados [1].
Dentre as formas clínicas que mais são relatadas, citam-se a forma crônica e subclínica, sendo os casos de surtos da forma aguda, cada
vez mais raros. Neste último caso, a utilização da vacina viva modificada tem
tido grande impacto, principalmente pelo fato de estarem sendo utilizadas em
animais a serem vendidos como reprodutores(as) de reposição. Os casos crônicos
e subclínicos são relatados mais freqüentemente na
recria e a utilização de pulsos ou choque com antimicrobianos eficazes é
conduta rotineira. Um programa terapêutico muito freqüentemente utilizado,
principalmente nos casos de surto agudo da forma hemorrágica, é a utilização de
medica- ção injetável em animais doentes, seguida por
medicação na água nos primeiros quatro a cinco dias seguintes ao diagnóstico do
problema. Esta conduta propicia grande dinamismo e rapidez no controle do
problema. De uma maneira geral, a medicação na água deveria ser mais utilizada
no Brasil, não somente para enteropatia
proliferativa, mas para todas as enfermidades relevantes.
No Canadá a apresentação da doença não é diferente dos Estados Unidos,
valendo a pena salientar a conduta executada pela Geneticpork
com relação a vacinação de suas fêmeas de reposição.
Da mesma maneira, as formas clínicas mais freqüentes são as crônicas e subclínicas e os programas de controle adotam
freqüentemente a associação de vacinação e utilização de pulsos medicamentosos
na recria e terminação. A semelhança dos Estados Unidos, também existe um
programa nacional de avaliação soroepidemiológica. No
Canadá, o teste sorológico utilizado é o Ileitest,
realizado pelo laboratório do Dr. Marcelo Gottschalk,
na University of Montreal.
No México, o cenário já é distinto dos dois anteriormente comentados, e se
assemelha às dificuldades e limitações que encontramos no Brasil com relação ao
diagnóstico da enteropatia proliferativa. São três as
principais áreas produtoras de suínos no México. Ao norte na região de Sonora,
na Península de Yucatan e na porção central, na
província de Jalisco, onde se localiza a cidade de
Guadalajara. Enquanto que na região central existem ainda problemas
remanescentes com Doença de Aujeszky, Peste Suína
Clássica, nas regiões de Sonora e Yucatan as granjas
gozam de boa condição sanitária, exportando carne suína ao Japão. De uma
maneira geral, os problemas sanitários no México são grandes, principalmente
pelo fato de serem positivos para PRRS, terem
problemas sérios com PCV2, Salmonella Choleraesuis e ainda com a doença do olho azul. Outro
limitante é a capacidade diagnóstica no país e, conseqüentemente, a dificuldade
de estudos completos com relação a etiologia das
doenças. Neste sentido, se assemelha muito a realidade brasileira. De qualquer
forma, dentre os problemas entéricos na recria e terminação, a enteropatia proliferativa é a enfermidade mais
freqüentemente relatada, sendo tanto a forma aguda (hemorrágica) quanto as formas crônica e subclínica
diagnosticadas com freqüência. A utilização da vacina viva modificada é pouco
freqüente.
EUROPA.
Poderíamos citar quatro ou cinco diferentes cenários da enteropatia
proliferativa na Europa. Comecemos pela Dinamarca. A cinética da infecção por
L. intracellularis modificou-se totalmente após o
banimento dos promotores de crescimento naquele país. O problema que
anteriormente era semelhante ao observado em países das Américas, que se
concentra principalmente na recria e terminação, após o banimento, passou a ser
observado com grande intensidade na fase de creche. Até mesmo os casos da forma
aguda da enfermidade que eram relatados em animais próximo da idade de abate,
deixaram de existir, e começou a predominar a forma crônica grave da
enfermidade, na fase de creche. Estudo de prevalência de rebanhos afetados,
baseado em PCR para L. intracellularis em amostras de
fezes, demonstrou positividade em 93% dos rebanhos [7]. Foram
testadas uma série de possíveis substitutos para os agentes antimicrobianos
para o controle da infecção por L. intracellularis,
como acidificantes, enzimas, prebióticos, probióticos, simbiontes e neutracêuticos.
Entretanto, em nenhum dos casos foram observados resultados nem próximos aos
obtidos com o uso de promotores de crescimento. Desta forma, o problema de
diarréia pela forma crônica de enteropatia proliferatia permanece, mas vem sendo contornado pela
utilização de medicação estratégica nas fases em que, historicamente, a enteropatia proliferativa vem sendo observada. Na verdade,
não deixa de ser um programa preventivo, utilizando pulsos de medicação, muito
freqüentemente na água, por um período de
O diagnóstico de enfermidades é feito em toda sua plenitude, principalmente
pelo Danish Institute of Agriculture and Animal Diseases,
Na Espanha e Alemanha, as propriedades variam muito em tamanho e fluxo de
produção, o que propicia uma apresentação clínica variada da enfermidade, desde
problemas subclínicos a casos de forma aguda. Estudos
soroepidemiológicos demonstraram positividade maior
que 90% dentre as granjas estudadas, em ambos países.
O teste sorológico antigamente utilizado era o Ileitest,
que vem sendo substituído pelo teste de Elisa de competição, desenvolvido na
Alemanha, e que lentamente vem sendo difundido para outros países. Apesar de
ser um teste disponível comercialmente, este tem custo elevado. O controle da enteropatia proliferativa nestes países vem sendo feito com
a associação de choques de medicamentos
e vacinação.
Na Suíça, que possui rebanhos pequenos de criação familiar, com média de
Em países do leste europeu como República Tcheca, Hungria, Polônia e
Romênia, onde a produção de suínos vem crescendo
rapidamente, principalmente com investimentos externos, a confusão entre casos
de disenteria suína e a forma aguda de enteropatia
proliferativa é bastante freqüente. Existe uma grande limitação de laboratórios
diagnósticos e, os que estão presentes não oferecem condições amplas de
diagnóstico de agentes a serem considerados no diferencial.
BRASIL.
A enteropatia proliferativa no Brasil se assemelha
a maioria dos países de expressiva produção suinícola.
Os poucos estudos soroepidemiológicos publicados,
basicamente em anais de eventos, caracteriza os rebanhos brasileiros com mais
de 94% de positividade. Ainda sofremos bastante com a baixa disponibilidade de
testes sorológicos, no passado representado pelo Ileitest
e atualmente pelo ELISA de competição desenvolvido na Alemanha. Em ambos os
casos, o teste foi e tem sido disponibilizado por programas subsidiados por
empresas farmacêuticas ou de produtos biológicos. Assim sendo, com a exceção
dos Estados Unidos, o restante dos países sofre grande limitação para
utilização de medicação estratégica ou vacinação em idades mais adequadas,
devido a não disponibilidade destes testes e, conseqüentemente, impossibilidade
de realizar perfis sorológicos dos rebanhos.
Com a diversidade de sistemas de produção presentes no Brasil, as
apresentações clínicas da enfermidade são as mais variadas possíveis, variando
desde quadros subclínicos, com pouco impacto no
desempenho, até surtos agudos e fortes da forma hemorrágica em animais próximo
a idade de abate ou em animais de reposição. Estes surtos da
forma hemorrágica têm se tornado cada vez mais esporádicos, muito possivelmente
pela grande divulgação dada a respeito da necessidade de utilização de janelas
sem medicação de pelo menos três semanas entre os choque ou pulsos de medicação
em níveis terapêuticos, focado problemas entéricos ou a combinação de problemas
entéricos e respiratórios. A justificativa desta janela sem medicação,
ou com níveis de promotor de crescimento de algumas drogas, é permitir o
contato dos animais em crescimento com a L. intracellularis,
e conseqüentemente, o desenvolvimento de resposta imune protetora. A escolha do
momento de utilização destes pulsos de medicação é muito variável e depende da
cinética de infecção em cada rebanho, que por sua vez é dependente do tipo de
manejo, instalações, fluxo de animais, entre outros fatores. Neste sentido, o
perfil sorológico do rebanho é extremamente útil, mas como dito anteriormente,
de disponibilidade limitada. Em alguns casos, onde a diversidade de fontes de
leitões presentes nos terminadores em sistemas de
integração, mesmo utilizando soroperfis, torna-se
bastante difícil extrapolar os resultados obtidos em um ou mais sistemas, para
o restante das unidades.
Vale a pena salientar a grande variedade de drogas
eficazes contra a L. intracellularis presentes no
mercado, algumas com dupla aptidão e ação eficiente também contra problemas
respiratórios. Desta forma, a escolha de antimicrobianos para uso preventivo,
mas em doses terapêuticas, deve ser baseada em
eficácia comprovada do produto, no preço, presença de doenças respiratórias
intercorrentes e tempo de retirada das drogas. Revisão de literatura publicada
recentemente trata sobre esta diversidade de moléculas já estudadas para o
controle da enteropatia proliferativa [3].
O uso da vacina viva modificada no Brasil vem apresentando uma lenta mais
progressiva utilização. E se enganam aqueles que pensavam que a vacina seria usada
somente em animais de reposição em rebanhos multiplicadores, devido o maior
valor agregado. O maior crescimento no uso deste produto biológico tem sido
observado em animais de crescimento, em combinação com o uso de agentes
antimicrobianos. Uma grande limitação do uso mais amplo desta vacina tem sido o
intenso uso de medicação na ração, principalmente no período de creche.
Lembrando que o uso da vacina exige retirada de qualquer tipo
de medicação por pelo menos uma semana, por se tratar de uma vacina com
bactérias apatogênicas vivas, e conseqüentemente,
susceptíveis à ação antimicrobiana dos antibióticos. Uma alternativa que vem
sendo utilizada é a vacinação individual de leitões na maternidade, quando
estes animais não estão recebendo nenhum tipo de medicação. Resultados parciais
deste procedimento a campo têm-se mostrado promissores.
Depois de toda esta discussão e comparação com o quadro de enteropatia proliferativa em diferentes países, voltamos a pergunta original sobre a freqüência e importância da enteropatia proliferativa dentre os problemas entéricos que
afetam animais de crescimento e terminação. Em realidade, existe um único
trabalho brasileiro, publicado pelo grupo da USP [2], sobre a prevalência de
diferentes enteropatógenos causadores de diarréia em
leitões de recria e terminação. Neste estudo foi utilizada a técnica de PCR em
amostras de fezes de 541 suínos diarréicos e foi demonstrada presença de L. intracellularis em 13 % dos casos, seguidos por Salmonella em 4.8 %, B. hyodysenteriae
em 1,4 % e B. pilosicoli com 1 %. Trabalho semelhante
está sendo desenvolvido por nosso grupo no Estado de Minas Gerais. Dessa forma,
podemos afirmar que também no Brasil, a L. intracellularis
é o agente mais freqüente responsável por diarréia em animais na fase
crescimento. De qualquer forma, mais estudos são necessá-
rios para reconhecer, de forma dinâmica, a real importância e impacto destes
agentes nos rebanhos nacionais.
CONCLUSÕES.
Pode-se notar que as infecções por L. intracellularis
são os principais problemas causadores de diarréia em animais de crescimento e
terminação, não só no Brasil, mas em todos os países de produção suinícola relevante. Particularmente no Brasil, são
necessários esforços conjuntos para o aprofundamento e divulgação de informa- ções relevantes relacionadas à freqüência de detecção de
diferentes agentes infecciosos, em como trabalhos de diagnóstico
mais amplos, na tentativa de se detectar todos os agentes possíveis
causadores de diarréia. Temos de nos conscientizar que apresentamos limitações
claras, sendo imperativos trabalhos e estudos direcionados a um melhor
reconhecimento dos problemas mais freqüentes.