Autor : Robson Carlos Antunes e Maurício Borge.*
A carne suína é a mais consumida no mundo
na atualidade. No Brasil ainda persiste o mito de que a mesma é rica em
colesterol e transmite doenças parasitárias ao homem. Em criações modernas de
suinocultura os animais são confinados sobre pisos de cimento, o que
praticamente impede que os mesmos ingiram ovos de Taenia
solium (solitária), e portanto este problema está
resolvido. Para que a carne suína tenha uma melhor aceitação pelos brasileiros,
deve-se então quebrar a imagem "negativa" que relaciona a mesma a uma
carne "gorda".
Pesquisas recentes conduzidas pelo Instituto de Tecnologia de Alimentos - ITAL,
em Campinas, mostram que a carne suína possui níveis de colesterol semelhantes
à carne bovina e à de ave. Mas por outro lado, o consumidor impressiona-se ao
examinar uma carcaça suína, com a espessura de tecido adiposo subcutâneo
(toucinho). Portanto, o grande desafio da suinocultura atual é reduzir a
espessura de toucinho e aumentar o rendimento de carne nas carcaças. Para isso,
pode-se contar com as melhorias de manejos nutricionais e de ambiência, com a
genética clássica e, mais recentemente, também com a genética molecular, que
pode detectar diretamente os genes responsáveis pela deposição de gordura e de
músculo, aplicando-se técnicas e conhecimentos de biotecnologia.
O gene da "carne magra"
Existem algumas raças de suínos que apresentam carcaças extremamente magras,
com a espessura de toucinho na altura da última costela de apenas
Estudos de genética clássica, conduzidos com progênies oriundas do cruzamento
entre raças musculosas, mostram que a característica de musculosidade está
ligada à susceptibilidade do suíno a apresentar rigidez muscular quando
submetido ao anestésico inalatório halotano. Baseado nesta evidência, os geneticistas
desenvolveram um teste, com o anestésico halotano,
que permite a separação dos animais em susceptíveis ou não, em relação à
anestesia por este gás, o que levou os pesquisadores a batizarem este gene de
gene HAL, que se convencionou chamar, neste artigo, de o gene da "carne
magra". Mas esta característica herdável é do
tipo autossômica recessiva, o que é um grande inconveniente, pois não permite
detectar os animais heterozigotos, aqueles que não reagem ao teste, forçando os
geneticistas a testarem os filhos dos animais não-reagentes, para conhecer o
verdadeiro genótipo dos pais, em um cruzamento com um animal sabidamente
recessivo, gastando tempo, atrasando a seleção e o melhoramento genético.
As características indesejáveis
Os diversos trabalhos desenvolvidos nos últimos anos mostram que o gene da
"carne magra", quando em homozigose
recessiva, também está ligado à predisposição dos animais a apresentarem um
problema de qualidade de carne denominado P.S.E. (pale-soft and exudative),
principalmente quando os mesmos são submetidos a manejos inadequados de
transporte e pré-abate, afetando a cor, a textura e a capacidade de retenção de
água desta carne, causando sérios prejuízos à indústria de embutidos. Além
deste inconveniente, o gene da "carne magra" também está
correlacionado negativamente com a performance reprodutiva das fêmeas suínas.
Qual estratégia os suinocultores devem adotar, então, com relação a esse
gene?
Partindo do princípio de que as carcaças de suínos no Brasil ainda não
alcançaram, em média, um bom rendimento de "carne magra", quando
comparado a outros países de suinoculturas fortes, como por exemplo a Dinamarca
e EUA, a melhor estratégia para a suinocultura brasileira com relação a este
gene é a manutenção do mesmo nas raças onde sua freqüência é bastante alta,
utilizando essas raças como "raças-pai", buscando implementar um
incremento na taxa de crescimento e ganho de peso em carne magra e ao mesmo
tempo eliminar completamente o gene das "raças-mãe", beneficiando-se
da complementariedade entre essas raças e explorando
os híbridos provenientes do cruzamento entre elas.
Aplicação da biotecnologia
Aqui entra a biotecnologia, ajudando a detectar os animais adequados a
permanecerem nos plantéis. No início desta década, pesquisadores da
Universidade de Toronto, no Canadá, clonaram, mapearam e seqüenciaram um gene
que codifica uma proteína fazendo parte do canal de cálcio que controla a homostasia desse mineral no músculo dos suínos.
Este gene possui uma mutação que leva à produção de uma proteína alterada,
permitindo uma maior passagem de cálcio através do canal, o que provoca, na
carne, os inconvenientes citados no tópico anterior e parece ser o mesmo gene
HAL (gene da "carne magra").
Mas o importante é que, com o gene seqüenciado e com a determinação e
localização da mutação, pôde-se desenvolver uma técnica que permite a perfeita genotipagem dos animais. Para ser realizada, os animais têm
o sangue coletado (figura 2) e enviado a um laboratório de genética molecular,
onde procede-se à extração do DNA.
O DNA é amplificado na região da mutação, em milhões de cópias, através de uma
técnica denominada Reação em Cadeia de Polimerase, em
um aparelho simples e automatizado denominado termocilador.
A região amplificada é então cortada com uma enzima de restrição adequada, que
são as "ferramentas" da biologia molecular usadas para cortar o DNA
na região mutada. Após o corte, o mesmo é separado
por eletroforese em um gel de agarose. O padrão de
bandeamento do DNA no gel (figura 3) permite a perfeita genotipagem,
contornando-se a limitação do teste do halotano,
detectando tanto os animais homozigotos quanto os heterozigotos.
Em um recente trabalho conduzido na Universidade Federal de Uberlândia, suínos
híbridos foram genotipados por essa técnica e tiveram
suas carcaças completamente dissecadas em pele, osso, gordura e carne.
Este trabalho mostrou que os suínos heterozigotos, para o gene da "carne
magra", são superiores aos homozigotos normais, quanto à composição da carcaça,
produzindo carcaças com maior deposição de músculos e menor deposição de
gordura. Este trabalho também mostrou que a expressão do gene da "carne
magra" é diferente ao longo da carcaça, sendo maior no pernil e paleta,
seguidos das partes posterior e anterior do costado, e menor na barriga, e
finalmente produziram em média 1,5% a mais de carne do que os animais normais,
mostrando vantagens do ponto de vista econômico.
Suinocultores e consumidores beneficiam-se da biotecnologia
A utilização desta técnica para detectar os animais aptos a produzirem mais
carne, e portanto mais lucrativos e que produzam menos P.S.E.,
é um bom exemplo do quanto a biotecnologia revolucionará o mundo no próximo
século, influenciando o nosso modo de agir, pensar, comprar, trabalhar e
alimentar-se, proporcionando uma evolução assustadora, onde todos os
seguimentos da sociedade lucrarão.