Autor : Nelson Morés; Luíz Carlos Bordin; Gabriela Ibañez.
Introdução
Existem dois padrões distintos de apresentação clínica da síndrome da
necrose de orelha. Uma é a forma mais branda, porém mais frequente,
em que as lesões iniciam com exsuda- ção e dermatite superficial com localização na ponta da orelha ou no
bordo ventral, causando pouco desconforto e sem manifestação sistêmica no
animal. A outra forma é mais severa, ocorre esporadicamente, envolvendo boa
parte da extremidade da orelha (Figura 1), causando cianose, exsuda- ção, ulceração e necrose irregular, em resposta a um
processo inflamatório agudo, geralmente,
sistêmico.
Figura 1 – Infecção bacteriana sistêmica com cianose e
inicio de necrose de extremidades das orelhas
Apesar da síndrome não ser um fator responsável pelo aumento da mortalidade
do rebanho, a alta frequência da síndrome pode gerar
prejuízos econômicos aos proprietários, provocados pela queda do desempenho.
Manifestação clínica
Clinicamente, o processo inicia-se com edema, hiperemia,
eritema, cianose intensa com limites pouco nítidos, entre o tecido normal e a
parte alterada (Figuras 2 e 3). Posteriormente, segue-se necrose da região afetada
e na fase final da evolução do quadro clínico,
a porção necrosada cai e a orelha perde sua forma característica (Figuras 4 e
5). Em algumas ocasiões ocorre de forma concomitante com necrose caudal (Figura
6).
O problema ocorre, predominantemente, em animais jovens, com maior frequência em leitões de creche e início de crescimento.
Neste caso, as lesões localizam-se na ponta e ao redor da borda do pavilhão
auricular e podem ser unilaterais ou bilaterais.
A necrose da orelha ocorre em qualquer sistema de produção. Na baia em que
se manifesta, atinge entre 15% a 90% dos leitões, independentemente do sexo e
da estação climática. Está claro que a superlotação das baias no período de
creche está intimamente relacionada com maior frequência
devido ao aumento das lesões causadas por arranhões e mordidas na mistura dos
lotes.
Causas associadas à necrose de orelha
Para a manifestação aguda da necrose de orelha, o fator principal envolvido
é o estresse e/ou a imunossupressão. As causas específicas
ainda não são bem esclarecidas, pois a síndrome não tem sido reproduzida
experimentalmente. Entretanto, relatos de observações a campo e estudos
epidemiológicos apontam várias causas associadas a essa síndrome.
Figura 2 – Lesão inicial com exsudação e formação de crosta
na extremidade da orelha
1. Epidermite exsudativa: A necrose primariamente pode ser
devido a uma deficiência na irrigação sanguínea
da orelha por alteração vasomotora. Embora a patogenia da doen-
ça ainda não esteja clara, especula-se que o
canibalismo possa ser uma das principais causas, associado ou não ao
desenvolvimento de um processo bacteriano por Staphylococcus
hyicus ou Streptococcus ß-hemolítico. Porém, para o desenvolvimento destas
bactérias, é necessária haver uma solução de continuidade na pele, como lesões
por mordedura, pois se sabe que essas bactérias são comensais na flora epitelial dos suínos, mas não são capazes de
penetrar no tecido sadio.
2. Circovirose:
A necrose auricular pode também ser decorrente da circovirose
suína, e nesses casos, as lesões são resultados de uma vasculite
generalizada causada por uma reação de hipersensibilidade imunomediada.
As lesões geralmente são bilaterais e avermelhadas, começam na extremidade da
orelha e estendemse ventralmente.
Nesse caso, concomitante à lesão auricular, ocorrem sinais clínicos e lesões
sistêmicas de circovirose em vários leitões do lote e
o diagnóstico pode ser confirmado por exames
laboratoriais.
3. Intoxicação por ergot: Outra
possível causa de necrose de orelha pode ser devido a ingestão de grãos
contaminados com fungo Claviceps purpúrea, os quais
produzem uma toxina denominada ergot. Esse fungo é
parasita de grãos, principalmente o centeio, aveia e trigo. Quando ingerido,
produz uma toxina alcalóide que causa gangrena e problemas reprodutivos,
especialmente hipogalaxia/agalaxia
e leitegadas pequenas. Os sinais clínicos surgem após dias à semanas do consumo
da ração contaminada. A melhora da gangrena tende ocorrer após 2 semanas da
substituição do alimento contaminado. Nesse caso a gangrena que ocorre nas
extremidades é do tipo seca e não exsudativa, e
deve-se à combinação de uma vasoconstrição e danos
endoteliais. Os principais sintomas sistêmicos incluem: depressão, diminuição
no consumo de ração, pulso acelerado, laminite e, em
alguns casos, sendo estes os mais severos, é visível a necrose de orelha e
cauda e queda das unhas. Estes sinais tendem a ser mais exacerbados no período
de inverno. O tratamento é de suporte, com limpeza local e uso de antibiótico
pra controlar infecções secundárias.
4. Eperitrozoonose:
É possível ainda verificar a ocorrência de
necrose da orelha a partir de infecções por Mycoplasma
suis, causador da eperitrozoonose. Uma vez presente
no plasma sanguíneo, o organismo desenvolve anticorpos que podem provocar microaglutinações, principalmente nas extremidades das
orelhas, com consequentes distúrbios circulatórios,
manifestados por cianose, exsudação e necrose. Os suínos afetados apresentam
também manifestações sistêmicas como anemia, icterícia e febre, mais comumente
observados em leitões de cinco a seis dias de idade ou na fase de desmame. 5.
Doenças sistêmicas: Existem outras doenças sistêmicas como a salmonelose e a erisipela que, quando ocorre septicemia, em
casos raros e em reações tardias, um dos sinais clí- nicos pode ser a cianose, exsudação e necrose das
extremidades das orelha.
Figura 3 – Lote em final de
creche com surto de necrose de orelha
Figura 4 – Fase avançada da necrose bilateral das orelhas
no inicio de crescimento
Na prática um surto de necrose de extremidades de orelhas pode estar
relacionado a mais de uma das causas acima relacionadas. Observase
que o problema ocorre com maior frequência quando, num
mesmo lote, há problemas de palatabilidade de ra- ção, fatores de risco
relacionados ao conforto (superlotação, desconforto térmico, higiene ruim)
brigas acentuadas devido à misturas de leitões e concomitante infecção por
agente(s) acima relacionados.
Diagnóstico
O diagnóstico da síndrome é clínico. Já o diagnóstico etiológico é mais
difícil e depende de apoio laboratorial, porém muitas vezes não se consegue
chegar a uma conclusão final da etiologia
envolvida em determinada granjas. Primeiramente devese
analisar a presença de outros sinais clínicos concomitantes à necrose de
orelha, que seja indicativo da presen- ça de doença de cunho infeccioso ou não. Quando a suspeita
for da participação de doenças infecciosas, exames de laboratório
(histopatológico e bacteriológico) direcionados para a(s) suspeita(s) auxiliarão
na definição do diagnóstico final.
Histopatologicamente, no iní- cio da lesão não se observa nenhum agente, mas
quando a lesão torna-se exsudativa, é possível a identificação de S. hyicus,
tanto em lesões recentes quanto em antigas. Já o S. ß-hemolítico
só é visível nas lesões ulcerativas. A proliferação de S. hyicus
no local do trauma e a liberação de toxinas epidermolíticas
permitem a prolifera- ção de S. ß-hemolítico,
que não é bem adaptado para sobreviver em tecidos normais. Uma hipótese a
considerar é que o padrão clínico desta doença depende do tipo e da patogenicidade dos organismos para invadir o tecido lesado.
O problema é saber se esses agentes foram os que ocasionaram as lesões
primárias ou estão aí apenas como agentes secundários.
Quando a suspeita recai sobre a circovirose suína,
o diagnóstico envolve a ocorrência de sinais clínicos, de lesões macro e
microscópicas e a demonstração do agente nos tecidos lesados.
Se a suspeita for a participação do Mycoplasma
suis (Eperythrozoon suis) a confirmação
pode ser feita por exame de esfregaços de sangue corados por técnicas
especiais, porém é importante que o sangue seja colhido da orelha de leitões
que apresentam febre (acima de
É importante também, verifi- car minuciosamente se a ração fornecida está suficientemente balanceada para suprir as exigências
nutricionais dos animais e, principalmente, excluir a existência de fungos, ou
toxinas de Claviceps purpúrea. Recomenda-se que sejam
realizados testes específi- cos
para a detecção desses fungos e suas toxinas na ração
Controle
Tanto na recuperação do animal, quanto para o controle de novos surtos, o
ponto limitante é a retirada de fatores estressantes e o fornecimento de ração
palatável para os suínos. Devem-se evitar a superlotação e a formação de lotes
muito grandes. Na formação dos lotes/baias, tanto na creche quanto no
crescimento, quando for necessário misturar leitegadas, limitar ao mínimo
possível, para diminuir a ocorrência de brigas entre os leitões. Quando houver
necessidade de junção de mais de uma leitegada/ baia, alojá-los por tamanho,
para evitar que animais maiores iniciem brigas com os menores, por disputa de
território.
Figura 5 – Perda da ponta da orelha devido à necrose – fase
de cura.
Figura 6 – Lote com necrose caudal e auricular de creche
Embora, às vezes, os antimicrobianos não exerçam efeito direto sobre algumas
causas da necrose da orelha (canibalismo auricular, intoxicação por ergot...), quando o problema atinge vários suínos num mesmo
lote, sempre é recomendável o uso oral de um antibiótico de largo espectro,
durante
Ademais, é importante manter comedores e bebedouros suficientes
para o número de animais da baia, para que eles não sejam impelidos a competir
pela nutrição.
Considerações finais
A síndrome da necrose de orelha é uma patologia que pode acometer animais de
todos os rebanhos, independendo do sistema de produção adotado. Não há dúvida
que fatores estressantes, como a superlotação das baias e disputas entre os
animais, aumentem as brigas e, consequentemente,
provoquem lesões auriculares iniciais. Essa situação, na presença concomitante
de determinados agentes infecciosos podem desencadear o surgimento de quadros
clínicos de necrose auricular, principalmente em animais de creche e início de
crescimento.
O diagnóstico específico da causa que está
desencadeando a ocorrência de necrose auricular em um lote de suínos lote,
geralmente é difícil. Então, se deve agir prioritariamente na eliminação dos
fatores de risco, proporcionando conforto e bem estar aos animais e fornecer
alimento com formulação adequada e de alta palatabilidade.