Autor : Paulo Dilkin.
Sumário
RESUMO.
Micotoxinas
são metabólitos secundários produzidos por diversos fungos filamentosos ubiquitariamente na natureza encontrados nos
substratos alimentares que compõe a dieta dos suínos. As principais micotoxinas e órgãos alvo na espécie suína são: aflatoxinas no fígado; zearalenona
no sistema reprodutor; ocratoxina A nos rins; fumonisinas no pulmão; e tricotecenos
no trato digestivo. O aparecimento de sinais de intoxicação está
intimamente relacionado à dose e tempo de consumo de cada toxina.
Aproximadamente 90% das intoxicações são crônicas e não apresentam sinais
clínicos
específicos,
podendo ser facilmente confundidos com desnutrição, deficiência de manejo ou
outras doenças crônicas que implicam na diminuição da produtividade dos
animais. Poucas vezes as micotoxicoses se
manifestam como doença aguda, culminando com a morte dos animais. Métodos terapêuticos
apresentam baixa eficiência no sentido de diminuir o impacto das
intoxicações. Medidas preventivas, amplamente empregadas, apresentam boa
eficácia e custo benefício extremamente favorável.
PALAVRAS-CHAVE:
Micotoxinas, suínos, micotoxicose
suína, sanidade suína.
Micotoxinas são substâncias tóxicas
resultantes do metabolismo secundário de diversas cepas de fungos
filamentosos. São compostos orgânicos de baixo peso molecular e não
possuem imunogenicidade. Em climas tropicais
e subtropicais, como o nosso, o desenvolvimento fúngico
é favorecido por fatores como excelentes condições de umidade e
temperatura. Os fungos crescem e se proliferam bem em cereais,
principalmente, no amendoim, milho, trigo, cevada, sorgo e arroz,
onde geralmente encontram um substrato altamente nutritivo para o seu
desenvolvimento. O crescimento fúngico e
produção de micotoxinas em cereais podem ocorrer
nas diversas fases do desenvolvimento, maturação, colheita,
transporte, processamento ou armazenamento dos grãos. Por isso, a
redução da umidade dos cereais através da secagem é de fundamental
importância para reduzir os níveis de contaminação. Mais de
quatrocentas micotoxinas, conhecidas na
atualidade, são produzidas por aproximadamente uma centena de fungos.
As principais micotoxinas podem ser divididas em três
grupos: as aflatoxinas, produzidas por fungos do
gênero Aspergillus como A. flavus
e A. parasiticus; as ocratoxinas,
produzidas pelo Aspergillus ochraceus
e diversas espécies do gênero Penicillium; e as fusariotoxinas, que possuem como principais
representantes os tricotecenos, zearalenona e as fumonisinas,
produzidas por diversas espécies do gênero Fusarium
(PINTO & VAAMONDE, 1996).
Quando as micotoxinas
são ingeridas, os diversos efeitos se devem às suas diferentes estruturas
químicas, influenciados pelo fato de serem ingeridas por
diferentes organismos animais superiores e também pela diversidade de
espécies, raça, sexo, idade, fatores ambientais, manejo, condições
nutricionais e outras substâncias químicas. A micotoxicose
implica em enormes prejuízos de ordem econômica, sanitária
e comercial, principalmente, pelas suas propriedades anabolizantes,
estrogênicas, carcinogênicas, mutagênicas e teratogênicas (HAYES &
CAMPBELL, 1986). Porém, o maior problema das micotoxicoses
é atribuído aos prejuízos relacionados aos diversos órgãos e sistemas dos
animais, implicando na diminuição do seu desempenho produtivo. As manifestações agudas
ocorrem quando os indivíduos consomem doses moderadas a
altas de micotoxinas. Podem
aparecer sinais clínicos, sintomas e um quadro patológico específico,
dependendo da micotoxina ingerida,
da susceptibilidade da espécie, das condições individuais do
organismo e interação ou não com outros fatores.
As lesões são dependentes de cada
micotoxina, porém as mais encontradas dizem
respeito a hepatites, hemorragias, nefrites, necrose das mucosas
digestivas e morte. A micotoxicose crônica é a
mais freqüente, e ocorre quando existe um consumo de doses
moderadas a baixas. Nestes casos, os animais apresentam um quadro
caracterizado pela redução da eficiência reprodutiva, diminuição da
conversão alimentar, taxa de crescimento e ganho de peso. Este quadro somente
é detectado com cuidados especiais ou através de um programa de análise de
micotoxinas presentes na alimentação. Os sinais
clínicos ainda podem ser confundidos com deficiências de manejo, com
outras doenças, inclusive as decorrentes desta micotoxicose
ou com deficiências nutricionais. Existem poucas estatísticas precisas com
relação a incidência de micotoxicoses,
porém há uma consciência geral que o perigo oculto (intoxicações crônicas)
é responsável pela maior parcela de perdas que se tem nos meios
criatórios (OMS, 1983).
As aflatoxinas
B1, B2, G1 e G2, presentes em aproximadamente 38% das rações suinícolas, são responsáveis pela micotoxicose
suína, do ponto de vista clínico e econômico, de maior
importância, representando uma condição extremamente grave para a
saúde animal. Porcas que ingerem aflatoxina B1
poderão eliminar aflatoxina M1 pelo leite,
intoxicando os lactentes. A contaminação média em cereais é de 18 μg/kg, podendo ser encontradas amostras de milho
com até 17 mg/kg,
valor correspondendo a 850 vezes o limite permitido pela legislação
para esta micotoxina, em produtos agrícolas. A
LD50 das aflatoxinas para suínos é muito baixa
(0,6 mg/kg), sendo
considerada limite máximo de segurança de 50 μg/kg
de alimento (MALLMANN et al., 1994).
As aflatoxinas
atuam principalmente no fígado onde são biotransformadas.
A aflatoxina B1 pode ser transformada em aflatoxicol que é um reservatório metabólico desta
toxina. Por sua vez, a epoxidação da aflatoxina transforma-a em um radical de alta covalência o que determina sua ligação com
ácidos nucléicos. Isto explica a possibilidade de serem produzidas
alterações genéticas, dando a esta micotoxina
características carcinogênicas. Por sua vez, a hidratação da aflatoxinas no fígado, produz a aflatoxina
B2-Alfa, que interfere diretamente na síntese de proteínas, levando a
quadros de imunossupressão, interferência na coagulação sangüínea e às
demais conseqüências das alterações provocadas por estas falhas no
metabolismo (PIER et al.,
1980). Os sinais clínicos da aflatoxicose aguda
poderão iniciar 6 horas após a ingestão, traduzindo-se por severa
depressão, inapetência, presença de sangue nas fezes, tremores musculares,
incoordenação motora com hipertermia
(até 41o C), podendo a morte ocorrer nas 12-24 horas seguintes. Nas
intoxicações subagudas, os sinais clínicos são de evolução
mais lenta, observando-se cerdas eriçadas, hiporexia, letargia
e depressão. Paralelamente, os animais podem apresentar aspecto ictérico,
encontram-se desidratados e emaciados, com áreas de
coloração vermelho púrpura na pele, além de perda progressiva de
peso. A intoxicação crônica manifesta-se com a diminuição no ganho de peso
e conversão alimentar, inapetência, má aparência geral e, por vezes,
diarréias.
Com a progressão para os estágios
finais, ocorrem freqüentemente sinais de ataxia,
icterícia e, às vezes, convulsões (COOK & ALSTINE, 1989). Quando
a toxina é ingerida em níveis mais elevados, o fígado apresenta
degeneração gordurosa, necrose lobular com incremento de células basofílicas na periferia do lóbulo, proliferação dos
ductos biliares e cirrose. A icterícia da carcaça, associada ao
fígado edemaciado e amarelado são indicativos muito fortes de
intoxicação. A vesícula biliar pode estar edemaciada e o fígado friável e hiperêmico, principalmente nos casos de intoxicação
aguda. Também ocorre uma diminuição do tempo de coagulação sangüínea,
podendo observar-se coleções líquidas sanguinolentas nas cavidades bem
como em mucosas e hemorragias em massas musculares (MALLAMNN et al., 1994).
A zearalenona
(ZEA) ocorre em praticamente todos os cereais, especialmente em culturas
de inverno, contaminadas por fungos do gênero Fusarium.
A contaminação natural ocorre em cevada, milho, sorgo, aveia e rações
produzidas com base nestes produtos. Avaliações da contaminação por ZEA
apontaram positividade próxima de 5%. A concentração média de ZEA
encontrada foi de 18 μg/kg e o nível
máximo detectado foi de 9,7 mg/kg.
A ação desta toxina se dá pelo estímulo aos receptores
estrogênicos citoplasmáticos, incrementando a síntese protéica
no aparelho reprodutor. Conseqüentemente, a secreção das células
endometriais, síntese das proteínas uterinas e o peso do trato reprodutivo
são aumentados. Estas alterações podem levar à pseudogestação
pela manutenção de corpo lúteo, levando a quadros caracterizados por vulvovaginite, leitões fracos e natimortos e, muitas
vezes, a um quadro de splayleg.
Também pode observar-se uma
marcada redução nas taxas de concepção, acompanhadas de repetição
de cio. A intoxicação mimetiza o estro e os leitões recémnascidos poderão
apresentar os sinais clínicos, caracterizados como vulvovaginite
infantil (EDWARDS et
al., 1987a). Em machos jovens a toxina causa feminização, incluindo
edema de prepúcio, atrofia testicular e aumento da glândula mamária, porém
estas alterações, aparentemente, não levam a efeitos sobre
a capacidade reprodutiva, quando adulto. Em cachaços, a redução da
libido, bem como, uma discreta redução sobre a qualidade espermática pode
ser observada. (EDWARDS et
al., 1987b). As ocratoxinas (OTA), são
produzidas por fungos gênero Penicillium e Aspergillus apresentado um desenvolvimento otimizado
em temperaturas entre 5 e 24º C. A incidência da OTA é baixa no
hemisfério sul, inferior a 5%, ficando praticamente restrito
ao hemisfério norte com índices de contaminação 10 vezes superiores.
A alteração da filtração glomerular e prejuízos na função dos túbulos
contornados proximais são os principais prejuízos da intoxicação por
OTA, levando a perda da capacidade de concentração urinária. A ocratoxicose em suínos traduz-se por uma intoxicação
que cursa com diminuição do ganho de peso, sinais clínicos caracterizados
por polidipsia e poliúria, além de lesões
renais. Doses de 200 μg/kg de OTA na ração
foram suficientes para que os animais apresentassem nefropatias,
levando a reflexos negativos sobre a conversão alimentar e o ganho de
peso. A mortalidade pode chegar a 90% nos lotes afetados (KROGH et al., 1979).
Fumonisinas
pertencem a um grande grupo de micotoxinas
produzidas por fungos do gênero Fusarium,
contaminantes naturais de cereais, principalmente, o milho e subprodutos.
A ocorrência de fumonisina B1 em alimentos
produzidos no Brasil já foi descrita por diversos pesquisadores
(RODRIGUEZAMAYA, 2000), chegando a uma positividade próxima de 90%
com níveis de até 300 mg/kg
de alimento. A fumonisina B1 é o metabólito mais
abundante deste grupo de micotoxinas,
representando cerca de 70% nos alimentos naturalmente contaminados.
As fumonisinas B2 e B3 ocorrem em menores
concentrações (SHEPHARD et
al., 1996). Os suínos apresentam alta sensibilidade as fumonisinas, suportando apenas concentrações
inferiores a 10 mg/kg de alimento. Tal
constatação tem sido observada em diversos surtos naturais e
experimentais (HASCHEK et
al., 1992). Nos suínos, os principais órgãos alvo são o pulmão, fígado e
coração, sendo que a síndrome específica nessa espécie é o
Edema Pulmonar Suíno, geralmente com hidrotórax
(OSWEILER et al., 1992;
SMITH et al., 2000). Tal alteração é
decorrente da ingestão de altas doses da micotoxina
por curtos períodos. Os maiores prejuízos são decorrentes da ingestão
de doses baixas da toxina, que induzem lesões hepáticas e lesões
hiperplásicas na mucosa esofágica em suínos desmamados (CASTEEL et al., 1993).
Nestes casos pode-se observar
principalmente a diminuição do ganho de peso dos suínos. Os tricotecenos (TCT) formam um grupo químico de
metabólitos fúngicos, com a mesma estrutura
básica, produzidos principalmente por fungos do gênero Fusarium como F. graminearum e F.
tricinctum. Mais que uma centena de TCT são conhecidos. De acordo com a estrutura molecular são
divididos em dois grandes grupos: os de cadeia simples e os macrocíclicos. Apenas algumas apresentam importância
econômica no Brasil, sendo deoxinivalenol (vomitoxina ou DON) e a toxina T-2 os principais
representantes. A ocorrência de TCT é significativa em culturas de
inverno, como trigo, cevada, aveia, arroz e centeio, cultivadas em baixas
temperaturas, variando entre 6 e 24° C. As concentrações de DON
freqüentemente limitam-se entre
Poderá haver a presença
concomitante de outros TCT e outras toxinas de Fusarium
no mesmo lote de cereais (OMS, 1983). Suínos e outros monogástricos
apresentam a maior sensibilidade aos TCT, seguidos pelas aves. O NIV
e DON induzem recusa de alimentos e perda de peso, apresentam
toxicidades similares e um nível combinado menor que 0,4 mg/kg é descrito como
aceitável (para suínos, os quais são relativamente
susceptíveis), enquanto mais de 2,0 mg/kg é
sempre inaceitável. Os TCT atuam inibindo a enzima peptil transferase, desta forma diminuindo a síntese
protéica o que afeta principalmente células em divisão ativa, como as
do trato gastrointestinal, pele e células linfóides, eritróides
e órgãos vitais. Os tricotecenos são
imunossupressores e também são associados a hemorragias, sendo que o tempo
da protrombina é aumentado significativamente,
porém o fator primário da hemorragia é pela diminuição do fator VII da
coagulação sangüínea.
As intoxicações por TCT acarretam
recusa de alimentos, vômito, redução na conversão alimentar
e diarréia. A síndrome sanguinolenta, produzida pela toxina T2, se
caracteriza pela ocorrência de dermatites, abortamentos, distúrbios
nervosos, hemorragias gástricas e viscerais. Todos os TCT podem ser
agudamente letais. Porém os maiores problemas tendem a ser as toxicoses subagudas chegando a cronicidade, as
quais levam a efeitos inespecíficos associados ao mau desempenho. Lesões
macroscópicas após a necropsia nem sempre são evidentes, embora que
um aumento do volume do fígado, hemorragia em linfonodos
e erosões no estômago e intestinos possam ser observados
(UENO, 1983).
O diagnóstico presuntivo de micotoxicose baseia -se na
observação dos sinais clínicos dos animais intoxicados e através da
análise de dados ambientais referentes a colheita e armazenamento dos
cereais utilizados na alimentação dos suínos. Normalmente, a história
de introdução de uma partida nova de alimento, às vezes com características
macroscópicas alteradas, está associada ao quadro de
intoxicação. Porém, o diagnóstico definitivo é realizado através da
analise da presença da micotoxina no
alimento dos animais intoxicados. As técnicas mais utilizadas são
análises por kits de ELISA, Cromatografia em Camada Delgada (TLC) e
Cromatografia Líquida de Alta Eficiência (HPLC) (DILKIN et al., 2001). Tratamento da micotoxicose apresenta um dos maiores desafios na
clínica veterinária. A retirada do alimento contaminado é a primeira
medida a ser adotada. Tratamento de suporte parece melhorar um
pouco o prognóstico. A adição de maiores níveis de aminoácidos
sulfurada nos alimentos é adotada por clínicos, porém a eficácia carece de
maiores estudos científicos. Medidas profiláticas consistem em adotar
técnicas de cultivo e manejo que inviabilizam o crescimento fúngico, como colheita dos cereais imediatamente após
a maturação fisiológica, deixando os cereais menos expostos as intempéries, secagem e estoque em armazéns adequados
para cada tipo de cereal ou subproduto. O monitoramento dos cereais
e subprodutos através de técnicas de amostragem adequadas e análises micotoxicológicas antes de utilizá-los também é boa prática, principalmente, quando estes foram
expostos a condições ecológicas favoráveis ao desenvolvimento de fungos. O
uso de ácido orgânico pode auxiliar numa conservação do
alimento quando em situações de risco. A utilização de adsorventes
naturais ou modificados pela adição de compostos enzimáticos ou biológicos
nos alimentos merece maior aprofundamento científico, mas
em situações de campo, alguns têm apresentado resultados promissores
(OMS, 1983).