Informativo Técnico Nº. 171

Fatores que influenciam o peso do leitão ao nascimento

Autor : Andrea Panzardi, Brenda Maria Ferreira Passos Prado Marques, Giseli Heim, Fernando Pandolfo Bortolozzo; Ivo Wentz.

INTRODUÇÃO.

O peso do leitão ao nascimento (PN) é considerado um dos principais fatores diretamente relacionados à sua sobrevivência [67], bem como com seu peso ao desmame e desempenho posterior, até o momento do abate.

Apesar do grande progresso genético e no manejo ao longo dos anos, a mortalidade pré-desmame de leitões ainda representa um grande entrave econômico na suinocultura moderna [45]. Isto se torna uma realidade quando deparamos com taxas de mortalidade pré-desmame que permanecem relativamente constantes desde meados das décadas de 50 [39], 60 [16], 90 [43] e até hoje em dia [67], girando em torno de 25%, 15%, 20%, 16%, respectivamente, na grande maioria dos plantéis.

Atualmente, as linhagens de fêmeas suínas destinadas à reprodução vêm sendo melhoradas geneticamente, no intuito de tornarem-se hiperprolíficas. Além disso, mudanças inerentes ao manejo possibilitaram o aumento do número de leitões desmamados/fêmea/ano, passando de uma média de 21 a 23 leitões [55] para um patamar em torno de 25 a 28 leitões [65], entretanto, algumas genéticas já atingiram um total de 30 leitões desmamados/ fêmea/ano [4]. Este aumento possibilitou uma melhor produtividade e, consequentemente, maior ganho econômico, uma vez que o valor de cada leitão nascido gira em torno de R$ 30,00 [43]. Como consequência, houve o surgimento de problemas relacionados com o PN e leitegadas desuniformes, contribuindo com uma maior variabilidade de peso entre os leitões. Outro fator importante e intrínseco a este, está relacionado à viabilidade e vitalidade de leitões menos favorecidos, em virtude de seu baixo PN e possível exposição a eventos estressantes durante o parto [17].

Em virtude dos programas de melhoramento genético das empresas serem, primeiramente, focados em características produtivas e reprodutivas, como tamanho da leitegada e ganho de peso diário (GPD) [49], características como capacidade uterina, eficiência placentária e nutrição acabam não sendo focadas na mesma proporção, porém, são de extrema importância para uma perfeita harmonia do processo do desenvolvimento embrionário e fetal como um todo, levando a um bom peso do leitão ao nascer.

 

IMPORTÂNCIA DO PESO AO NASCER NA SOBREVIVÊNCIA NENONATAL E DESENVOLVIMENTO ATÉ O ABATE

Com os recentes avanços genéticos, hoje é possível atingir um patamar de GPD de leitões em torno de 0,7 kg do desmame ao abate. Dentro das fases de desenvolvimento, o período do nascimento até 30 kg representa a fase na qual o potencial genético máximo do animal ainda não foi alcançado. Neste contexto, um maior desenvolvimento obtido neste período, é em grande parte responsável pelo retorno econômico e pelo sucesso da atividade [20].

Um menor PN predispõe a uma menor chance de sobrevivência [67,82], sendo este efeito verificado em leitões com média de PN inferior a 1,0 kg [67]. Além disso, leitões com baixo PN possuem menores níveis de reservas energéticas corporais, maior sensibilidade ao frio, demoram mais tempo para atingir o complexo mamário e mamar efetivamente, além de terem menor habilidade em escolher os melhores tetos [37,43]. Todos esses fatores em conjunto levam a uma menor ingestão de colostro e leite, menor aquisição de imunidade passiva, gerando um quadro de subnutrição, o que resulta em maior mortalidade pós-natal e comprometimento do desenvolvimento [44,67]. Neste aspecto, fêmeas Meishan aparecem como uma exceção, pois apresentam uma menor taxa de mortalidade de sua progênie, apesar de apresentarem leitões com média de PN inferior aos de fêmeas de outras genéticas (Ex.: 1,32 ± 0,05 vs 1,51 ± 0,04 vs 1,54 ± 0,08, Meishan vs Large White vs Duroc, respectivamente) [11]. Esta melhor viabilidade pode ser devido a uma maior maturidade ao nascimento e, também, possivelmente, uma melhor habilidade no momento do parto, com maior capacidade em expulsar os leitões [37].

Outro fator interessante a ser destacado e associado ao baixo PN é a perda de peso nas primeiras 24 horas de vida, a qual também pode contribuir com a taxa de mortalidade durante o período neonatal [6] (Tabela 1).

Tabela 1. Indicadores de sobrevivência pós-natal (médias e erros padrão) comparando leitões sobreviventes (n=113) e os que morreram (n=13) no período neonatal.

Fig 01

Além disso, a capacidade termorregulatória dos leitões possui grande impacto em sua viabilidade, sendo este parâmetro fisiológico diretamente relacionado ao PN. Leitões mais leves possuem maior superfície corporal em relação ao seu peso, sendo, portanto, mais propensos a um quadro de hipotermia [38]. Panzardi et al. [61] demonstraram que o PN (<1,275kg), a temperatura corporal às 24h pós-nascimento (<38ºC) e a ordem de nascimento (>9) são os melhores indicadores da taxa de sobrevivência durante a primeira semana pós-natal.

Segundo Rehfeldt & Kuhn [71], leitões com baixo, médio e elevado PN apresentaram respectivamente 582, 619, e 641 g de GPD. Este menor GPD em leitões mais leves ao nascimento resulta em um menor peso ao desmame. Isto também foi confirmado por Mahan et al. [51], pois, ao acompanharem leitões desde nascimento até o período de abate, verificaram que aqueles com baixo peso ao desmame (5,5 vs 7,5kg) levaram em média 8 dias a mais para atingir o peso de abate quando comparados a leitões mais pesados (164,8 vs 156,7dias) (P<0,05). Além disso, leitões com baixo PN apresentam um pior rendimento de carcaça, percentual de carne e área muscular de lombo e maior percentual de gordura interna, em relação aos de elevado PN (P=0,01) [71].

1 Peso ao nascer vs maturidade anatomofisiológica

O grau de atraso no desenvolvimento e maturação fetal é um importante fator predisponente para o aumento da mortalidade pré-desmame. Este atraso envolve características como eficiência placentária, maturação funcional dos órgãos vitais e disponibilidade de reservas energéticas [45,72]. Ao comparar leitegadas com mesmo PN, foi observado que aquelas com maior chance de sobrevivência apresentaram peso do fígado, glândulas adrenais, intestino delgado, e estômago (7,1%, 21,7%, 5,4%, e 4,3%, respectivamente) superior às com menor chance, diferindo, apenas, o baço, que apresentou peso 6,1% inferior [45].

O cortisol, por sua vez, estimula e regula a maturação e o desenvolvimento de vários órgãos importantes na sobrevivência após o nascimento [46], além de estimular a deposição de glicogênio muscular e hepático [69] e maturação dos pulmões, trato gastrointestinal e tireóide [46,73]. Assim, as concentrações médias de cortisol são maiores em leitões que apresentam uma maior taxa de sobrevivência [45].

A reserva total de glicogênio corporal em leitões recém-nascidos gira em torno de 30 a 38 g/kg de peso corpóreo [64], a qual se encontra presente no fígado, músculo esquelético e tecido adiposo. Esta reserva cai bruscamente algumas horas após o nascimento, sendo mais acentuada no fígado (70% no primeiro dia de vida). A musculatura esquelética se torna então a principal fonte de energia em longo prazo para a manutenção da homeotermia [38,64]. Leenhouwers et al. [45] verificaram que a concentração de glicogênio hepático e muscular foi, respectivamente, maior (8,1% e 6,2%), em leitões com alta taxa de sobrevivência, sugerindo que estes leitões apresentam uma maior capacidade de manter a glicemia e homeotermia.

 

FATORES QUE INFLUENCIAM O PESO DO LEITÃO AO NASCER

1 Fatores genéticos

1.1 Hiperprolificidade

Em virtude do intenso processo de melhoramento genético, houve um aumento de produção de uma média de 10,9 leitões nascidos totais na década de 90, para 13,7 em 2006 [76]. Entretanto, com a seleção de fêmeas voltadas para a produção de maior quantidade de leitões por leitegada, houve, consequentemente, a ocorrência da diminuição do PN e um aumento na variação do peso destes [18,56,67,87], como comentado anteriormente. Isto ocorre, pois há uma diminuição do espaço uterino para todos os fetos que se encontram em desenvolvimento. Este evento por sua vez, é determinado ao redor do 15º ao 16º dia de gestação, momento em que há um aumento da associação entre microvilosidades do endométrio e do concepto, através da interdigitação de ambos [19]. Esta adesão entre concepto e endométrio é fundamental para que seja delimitado o espaço uterino disponível para cada concepto competir pelos nutrientes necessários para sua sobrevivência, e assim permitindo um bom desenvolvimento [31].

Esta diminuição do PN foi comprovada por Quiniou et al. [67], que observaram uma redução da média do PN de 1.590 g para 1.260 g quando o tamanho da leitegada aumentou respectivamente de £ 11 para ³ 16 leitões por leitegada, o que representa em média 35 g a menos por leitão a mais nascido.

Amaral Filha [2] verificou que leitoas inseminadas que tinham um maior GPD (701 a 770 g, e 771 a 870 g), quando comparadas àquelas com baixo GPD (600 a 700 g) apresentaram maior tamanho da leitegada, diminuição do PN e, consequentemente, maior coeficiente de variação do PN dos leitões. Isto pode ser explicado pela maior qualidade dos oócitos, permitindo uma maior sobrevivência embrionária.

Um experimento realizado por Roehe [72] demonstrou que a seleção genética para aumento no PN é recomendada, possibilitando uma melhor viabilidade e crescimento pré e pós-natal [87]. Além disso, fatores genéticos foram relacionados à variação de PN dentro de uma mesma leitegada [17,42,72], sendo que Knol et al. [42] observaram que a influência dos genes maternos é muito maior quando comparado aos genes de seus leitões, sendo a herdabilidade para essa mesma característica de 0,005 para efeitos diretos nos leitões, e 0,20 para efeitos genéticos maternos.

Outro fator importante a ser destacado é que, atualmente, a menor deposição de gordura corporal das fêmeas, resulta em menor reserva de gordura durante a fase de gestação, o que poderá culminar em um maior desgaste destas matrizes durante a lactação. Este estado de catabolismo, consequentemente, poderá afetar seu desempenho reprodutivo subsequente [77], podendo comprometer o bom desenvolvimento fetal em sua próxima gestação [8,66].

1.2 Capacidade uterina e eficiência placentária

De acordo com Père et al. [63] e Van Der Lende & Schoenmaker [81], a capacidade uterina pode afetar o tamanho da leitegada e o PN dos leitões. O PN é altamente dependente da quantidade de nutrientes fornecidos através da placenta, sendo influenciado pelo tamanho (massa, superfície) e fluxo sanguíneo [42], características intimamente relacionadas à eficiência placentária (EP).

A EP, por sua vez, é medida através da divisão do PN do leitão pelo peso de sua placenta [86]. Uma EP elevada permitiria que placentas menores fossem capazes de manter o desenvolvimento fetal adequado, sem afetar sua viabilidade [10,85].

A formação da placenta apresenta um desenvolvimento expressivo do 12º a 30º dia de gestação, sendo que após este período a placenta encontra-se completamente formada [24], entretanto, seu crescimento continua até em torno do 70º dia de gestação. Já as membranas embrionárias crescem rápido dentro de um período que vai do 20º a 60º dia de gestação. Posteriormente, esta taxa de crescimento diminui consideravelmente, sendo que ao 70º dia de gestação a placenta e o embrião encontram-se com pesos semelhantes. Neste momento, a placenta cessa seu crescimento, porém os fetos continuam a se desenvolver até o momento do nascimento [53].

Em virtude dos fetos necessitarem de um determinado espaço para seu desenvolvimento e sobrevivência, o comprimento do útero parece ter um papel importante na definição do tamanho da leitegada [9]. No período final do processo de alongamento dos embriões (ao redor de 16 dias) seu comprimento gira em torno de 1 m, entretanto encontram-se enrolados ocupando um espaço de 10 a 20 cm. O alongamento dos embriões cessa no momento em que a placenta de um dos leitões entra em contato com placentas adjacentes, sendo que depois de sete semanas de gestação os fetos necessitam de mais de 20 cm de espaço para sobreviver [88].

Na medida em que o número de embriões não é um fator limitante, uma placenta pouco eficiente passa a ser a principal responsável pelo aumento da taxa de mortalidade pré-natal [85]. Isto se torna uma característica importante, uma vez que o desempenho pós-natal é determinado, em grande parte, pelo desenvolvimento intrauterino [28].

Um estudo associando a variação do PN de leitões, sua sobrevivência pré-desmame e seu GPD, concluiu que a seleção genética para o aumento do tamanho da leitegada, o qual induzirá diminuição do PN e aumento da variação do peso da leitegada não seria o mais indicado. A capacidade uterina se tornaria um fator limitante, a não ser que algumas medidas fossem tomadas no intuito de melhorar a sobrevivência da progênie de baixo PN [56].

A herdabilidade encontrada para a EP é superior à observada para a capacidade uterina ou nascidos totais [79]. Neste sentido, Vonnahme et al. [83] sugerem que a seleção com base nessas características poderia resultar em uma diminuição de perdas fetais, uma vez que fêmeas selecionadas para uma alta EP tiveram 3,3 leitões/ leitegada a mais que as selecionadas para uma baixa EP (12,8 vs. 9,5 leitões) [84].

Ao avaliarem a EP no intuito de verificar o quão melhor esta característica é em relação ao PN e peso de placenta para predizer o risco de mortalidade pré-desmame, Van Rens et al. [82] observaram que a EP é uma característica complicada de ser avaliada, uma vez que o efeito da EP sobre risco de mortalidade pré-desmame é altamente dependente do PN e peso de placenta, sendo que dessas duas características, o PN é visto como o melhor preditor para o efeito da EP sobre a mortalidade pré-desmame.

A estimativa genética de valores para sobrevivência dos leitões está relacionada positivamente com a EP e inversamente com o peso da placenta [45]. Entretanto, há um fator limitante que é determinado pela capacidade uterina, uma vez que a EP aumenta de acordo com o aumento do PN, porém somente até atingir um peso máximo em torno de 1,6 kg declinando, posteriormente [82].

Além da EP, a densidade e o número total de aréolas foram as características placentárias mais importantes no que diz respeito à sobrevivência pós-natal [6] (Tabela 1).Estas estruturas são os principais sítios de transferência de nutrientes no útero, surgem em torno do 30º dia de gestação e apresentam um tamanho individualmente semelhante a uma glândula uterina numa fase mais precoce da gestação. Em uma fase mais avançada, aumentam em tamanho e número, levando a fusão de algumas, formando, então, aberturas glandulares múltiplas [24]. Aréolas mais densas melhoram o ambiente intrauterino, chances de crescimento, desenvolvimento e sobrevivência dos leitões [6].

1.2.1 Diferenças entre raças

Sabe-se da existência de diferenças inerentes às raças no que diz respeito à prolificidade. A raça Meishan, por exemplo, apresenta menor tamanho de placenta e melhor EP quando comparada a raças européias e americanas [9]. Isto significa que os fetos Meishan, por ocuparem um menor espaço uterino, possibilitam uma maior sobrevivência embrionária [25], consequentemente, produzindo um maior número de leitões e mais homogêneos [85].

A EP é maior na raça Meishan, portanto, mesmo que a placenta não cresça muito no final da gestação, ela apresenta uma proliferação significativa de vasos sangüíneos na membrana corio-alantóide, em contraste com a placenta de fetos Yorkshire [10,25]. Ao analisarem o peso da placenta de leitões Meishan e Yorkshire aos 90 dias de gestação e ao parto, Wilson et al. [85] verificaram que placentas de fetos Meishan apresentaram pesos similares tanto aos 90 dias quanto ao parto, já em contrapartida, placentas de fêmeas Yorkshire, apresentaram um aumento de peso em torno de 70% dos 90 dias de gestação até o parto. Fica evidente, então, que nas fêmeas Meishan o fluxo sanguíneo placentário assume grande importância para que a placenta seja mais eficiente na disponibilização de nutrientes para o feto. A adequada angiogênese da placenta é crítica para o estabelecimento da circulação placentária e manutenção de fluxo sanguíneo uterino e umbilical adequados para o crescimento normal dos fetos. Fatores que influenciam os aspectos de desenvolvimento e função da vascularização da placenta podem ter efeito marcante no crescimento fetal e, portanto, com consequências na sobrevivência e crescimento neonatal.

Ao comparar o desempenho de quatro raças (Large White (LW), Meishan (MS), linha macho Laconie (LA) e F1 Duroc X Large White (DU x LW)), foi observado que as fêmeas MS tiveram maior (P<0,01) tamanho de leitegada (13,3 vs 12,2 vs 12,8 vs 11,3 ), menor (P<0,01) número de natimortos (0,3 vs 0,7 vs 0,6 vs 0,7,) e menor (P<0,001) PN (1,32 vs 1,51 vs 1,54 vs 1,53 ) que fêmeas LW, DU x LW e LA, respectivamente [11].

O interesse pela raça Meishan tem sido justificado por sua alta prolificidade, baixo percentual de natimortos e alta taxa de sobrevivência do nascimento ao desmame [33], sendo que atualmente uma das estratégias mais utilizadas para aproveitar a vantagem do alto desempenho reprodutivo dessas fêmeas, tem sido o desenvolvimento de novas genéticas, através do cruzamento entre raças chinesas, européias e americanas [92].

Dois são os aspectos que explicam a maior prolificidade da raça Meishan: o primeiro está relacionado à menor taxa de crescimento inicial, resultando em uma menor produção de estradiol e mudanças menos marcantes e mais graduais na composição do histiotrofo uterino, indicando, então, um maior número de conceptos após os 18 dias de gestação [25,54]; o segundo fator é atribuído a uma placenta menor, de alta EP, ocupando um menor espaço uterino, e não diminuindo a viabilidade fetal [85].

1.3 Restrição do crescimento intra-uterino (IUGR)

A capacidade funcional da placenta é essencial para uma perfeita harmonia do desenvolvimento dos leitões que compõe uma leitegada. Logo após a implantação do embrião, há a expressão de diversos genes, os quais têm como principal função iniciar o processo de placentação [3]. Este processo, por sua vez, envolve uma relação íntima entre placenta e feto, e alguns processos regulatórios devem já estar pré-programados pela ativação destes genes [91].

O desenvolvimento da placenta dos leitões é estimulado por fatores regulatórios do crescimento representados pelo fator de crescimento semelhante à insulina (IGF) e fator de crescimento vascular endotelial (VEGF) [19]. Durante seu desenvolvimento, a placenta forma estruturas que se ligam ao endométrio, formando uma superfície de contato essencial para a troca de nutrientes e gases entre mãe e feto. Além disso, esta superfície promove o desenvolvimento de um fluxo sanguíneo através da vasodilatação de veias placentárias [76]. Uma boa vascularização da placenta é fundamental para que haja uma boa suplementação de aminoácidos aos fetos. Um fator extremamente crítico é a formação de novos vasos sanguíneos a partir de vasos já pré-existentes, denominado angiogênese, que ocorre na parede do endométrio, em resposta a um aumento da demanda de substratos para os tecidos. Em contraste, a vasculogênese ocorre somente nos conceptos e envolve a diferenciação das células mesenquimais em angioblastos [74].

Sabe-se que aminoácidos da família da arginina (arginina, prolina e glutamina) são substratos essenciais para um bom desenvolvimento da placenta e de fetos suínos [89], sendo a arginina precursora do óxido nítrico (NO) e responsável pela síntese de poliaminas (Figura 1). O NO tem um papel extremamente importante, no que diz respeito à vascularização da placenta e na regulação de seu fluxo sanguíneo, sendo, consequentemente, responsável pela transferência de nutrientes e oxigênio (O2) da mãe para o feto. Uma redução em sua síntese e/ou liberação, certamente, levaria a uma alteração deste suprimento. As poliaminas, que são sintetizadas na placenta suína a partir de substratos derivados da prolina, regulam o DNA e síntese protéica, estando diretamente relacionadas à proliferação e diferenciação celular [90]. O NO e as poliaminas são as chaves reguladoras da angiogênese, embriogênese, assim como do crescimento placentário e fetal [89].

Uma vascularização insuficiente da placenta e um menor fluxo sanguíneo leva a uma deteriorização progressiva da função placentária, levando a diminuição da transferência transplacentária de O2 e nutrientes para os fetos, resultando em uma IUGR [30]. Esta IUGR, de modo geral, pode ser definida como um comprometimento no crescimento e desenvolvimento de embriões e/ou fetos de mamíferos durante a gestação [91]. Na espécie suína, trata-se de um fenômeno comum em fêmeas hiperprolíficas, uma vez que há uma intensa disputa intrauterina entre os fetos. Fêmeas Meishan aparecem como uma exceção no que diz respeito à ocorrência da IUGR, pois apesar de serem hiperprolíficas e apresentarem, relativamente, uma placenta mais leve, elas apresentam um alto grau de vascularização da mesma, o que permite uma melhor troca materno-fetal [25].

Figura 1. Mecanismo pelo qual a arginina promove o crescimento placentário e fetal. Fonte: Adaptado de [89].

Fig 02

O mecanismo que leva a essa insuficiência placentária e, consequentemente, à IUGR foi revisado por Wu et al. [91], e envolve uma interação complexa entre genética, epigenética, fatores ambientais, bem como a maturidade materna. Estes mesmos autores sugerem que a trajetória do crescimento da placenta e do feto é naturalmente vulnerável a uma subnutrição, supernutrição, estresse térmico, doenças e toxinas durante a gestação, porém, a IUGR é potencializada caso este distúrbio nutricional ocorra no período em que há um máximo crescimento da placenta.

Muitas leitegadas apresentam ao menos um leitão com baixo PN, sendo que na maioria dos casos, este baixo PN se trata de um exemplo da ocorrência da IUGR [5]. Essa IUGR gerada, como já dito anteriormente, resulta em menor PN [20,51,71], o qual está diretamente relacionado à sua sobrevivência, peso ao desmame e desempenho subsequente [67]. Este menor PN contribui com 37% na variação do peso ao desmame [15]. Dados de Furtado [29] confirmam tais resultados, uma vez que houve uma correlação positiva (r= 0,515; P<0,001) entre o PN e ao desmame, e, além disso, verificaram que para cada grama a mais ao nascimento houve um incremento de 2 g no peso ao desmame.

1.4 Miogênese

Nas espécies multíparas, como na suína, há naturalmente uma variação no PN, sendo esta variação fortemente relacionada com o número de fibras musculares presentes. Leitões com menor PN apresentam um menor número de fibras musculares, sendo decorrente de um menor número de fibras que se diferenciaram durante o período de miogênese pré-natal, por motivos genéticos (cruzamento, genótipo) ou maternos (nutrição). Este número de fibras reduzido torna estes leitões menos capazes de apresentar uma recuperação em termos de desempenho e ganho de peso no período pós-nascimento [71].

1.4.1 Formação das fibras musculares dos leitões durante a gestação e desempenho pós-nascimento

O desenvolvimento das fibras musculares dos leitões durante a gestação ocorre em duas etapas distintas (Figura 2) [7]:

Figura 2. Representação esquemática dos períodos de desenvolvimento das fibras musculares nos fetos suínos. Fonte: Adaptado de [28].

Fig 03

Estudos revelaram a presença de quatro grupos de fatores reguladores da miogênese (MRFs): myoD, myf5, myogenin e MRF4 (myf6), sendo que todos podem ativar a diferenciação da musculatura esquelética. Estes MRFs consistem num grupo de fatores de transcrição responsáveis pela regulação central do programa de desenvolvimento muscular esquelético [52] Experimentos demonstraram que o myoD possui uma função principal na formação e na sobrevivência dos mioblastos, desempenhando um importante papel na diferenciação do mioblasto, enquanto acredita-se que o myogenin está envolvido na diferenciação final em miotubos [70].

O processo de miogênese, por sua vez, pode ser afetado pela superlotação uterina. Diferenças relacionadas a esta superlotação durante o período pré-natal levam a consequências no padrão do desenvolvimento das fibras musculares [26] e, consequentemente, causando uma IURG. Num experimento desenvolvido por Town et al. [78] foi verificado um efeito moderado do processo de superlotação uterina na expressão de fatores reguladores da miogênese, como myogenin e myoD. Os autores concluíram que a superlotação intrauterina aos 30 dias de gestação pode causar um impacto na diferenciação das fibras musculares em virtude da redução da expressão da myogenin.

Estes resultados demonstrados acima sugerem que alterações no ambiente uterino durante períodos precoces da gestação podem comprometer o bom desenvolvimento embrionário e fetal levando a diferenças inerentes ao peso da leitegada e, consequentemente, prejudicando o desempenho pós-natal do leitão.

2 Fatores nutricionais

A nutrição da fêmea suína é uma área bastante explorada e de constantes desafios no sentido de atender matrizes atualmente mais precoces, mais produtivas e, nutricionalmente mais exigentes. As práticas de alimentação das diferentes categorias de fêmeas embora tenham objetivos específicos, estão interrelacionadas, o que faz com que o programa de nutrição em uma determinada fase tenha efeitos significativos no desempenho alcançado na fase subsequente [1]. Todas as fases da gestação são importantes quanto à nutrição, sendo necessário adequar os níveis nutricionais para cada uma delas, pois o alimento é fornecido de forma restrita. O não cumprimento destas exigências influencia a taxa de crescimento e desenvolvimento dos fetos no útero e consequentemente o PN [13]. Na espécie suína, uma suplementação inapropriada de nutrientes no útero, resulta em 15 a 20% de leitões com baixo PN, cuja sobrevivência e desenvolvimento pós-natal já estarão comprometidos [64]. Os efeitos nutricionais e diferentes estratégias utilizadas diferem com relação à fase gestacional em que a fêmea se encontra. Com isso temos, teoricamente, que o período de gestação da fêmea suína pode ser dividido em 3 fases:

2.1 Fase inicial da gestação (primeiros 21 dias)

Esta fase caracteriza-se pela ligação embrio-maternal, início da formação da placenta e anexos fetais, o que exige, portanto, menor necessidade de ganho de peso e reserva energética da fêmea. Neste período, tanto uma subnutrição como uma supernutrição pode ser prejudicial. Uma alimentação deficiente pode resultar em menor síntese de NO e de poliaminas, o que resulta, como já dito anteriormente, em menor vascularização placentária e transferência de nutrientes da mãe ao feto. Isto leva à subnutrição fetal, comprometendo o crescimento intrauterino [89].

Por outro lado, altos níveis de consumo alimentar durante o início da gestação também podem exercer influência negativa sobre a sobrevivência embrionária. Isto é atribuído à redução da concentração de progesterona plasmática, devido ao aumento do fluxo sanguíneo e do catabolismo hepático deste hormônio, causados pelo alto consumo de alimento [18]. Por sua vez, a progesterona influencia as atividades secretórias do útero e do oviduto necessárias para o embrião em desenvolvimento [27]. O período crítico para sobrevivência embrionária compreende as primeiras 48 e 72 horas da gestação, onde então, recomenda-se limitar o consumo de ração [40]. A condição corporal ou o estado energético da fêmea influencia a resposta desses animais a altos níveis de consumo alimentar, sendo que a mortalidade embrionária somente aumenta quando altos níveis de alimentos são fornecidos a fêmeas que apresentam boas condições corporais [1].

2.2 Fase intermediária da gestação (22 a 75 dias)

Trata-se de uma fase da gestação em que há a recuperação das reservas corporais das fêmeas, mobilizadas na lactação anterior. A nutrição após o período crítico inicial da prenhez e até o início do terço final da gestação influencia mais a composição corporal da fêmea do que o tamanho da leitegada ou o peso dos leitões [13], apesar de ser nessa fase em que há o estabelecimento do número de fibras musculares nos fetos.

Em virtude da hiperplasia das fibras musculares já estar cessada no momento do nascimento, o nível de hipertrofia e a massa corpórea final dependerá do número de fibras musculares formadas durante o desenvolvimento fetal. Acredita-se que a heterogeneidade dentro de uma mesma leitegada esteja relacionada a uma baixa taxa de crescimento das fibras musculares secundárias [21,26]. Segundo alguns estudos, uma subnutrição uterina durante este período poderia afetar o PN, pela redução do número de fibras musculares secundárias. No entanto, os trabalhos sobre a influência da alimentação materna vs miogênese dos fetos tem apresentado resultados contraditórios.

Ao avaliarem o crescimento de leitões desde o nascimento até atingirem 80 kg de peso vivo, Dwyer et al. [21] observaram uma correlação positiva do GPD, entre 25 e 80 kg, com o número total de fibras musculares presentes no músculo semitendinoso ao nascimento. Embora a nutrição materna no terço final da gestação possa afetar o PN, o número de fibras musculares pode ser alterado por aumento no nível nutricional materno, em fase mais precoce da gestação.

Um efeito mais pronunciado no número de fibras secundárias foi observado quando o aumento no nível nutricional foi efetuado no período que precede a hiperplasia das fibras secundárias (25 - 50 dias de gestação) [22]. Por outro lado, Musser et al. [57] e Nissen et al. [59], ao aumentarem o consumo energético das fêmeas, entre os dias 29 e 45 e 25 e 50 de gestação, respectivamente, não encontraram algum efeito sobre o número de fibras musculares e peso dos fetos. Mais recentemente, Bee [7] verificou que a alimentação não influenciou o número de fibras musculares, embora tenha alterado o tipo de fibra muscular.

O efeito da utilização de somatotropina (pST) e L-carnitina tem sido avaliado em vários estudos. A administração de pST em fêmeas entre os dias 28 e 42 dias de gestação reduziu a variação de peso dos fetos [75], enquanto, que leitões de fêmeas que receberam L-carnitina na gestação apresentaram maior taxa de crescimento durante o período de amamentação do que leitões do grupo controle [23,68]. Fêmeas alimentadas com L-carnitina durante a gestação (5º ao 112º dia) apresentaram maiores concentrações de insulina e IGF-I entre 60 e 90 dias, período de desenvolvimento das fibras musculares secundárias do feto. A adição de L-carnitina na dieta melhorou a utilização dos nutrientes dietéticos, resultando em um aumento do peso das reservas de gordura e um maior PN. Os efeitos positivos da administração de pST e L-carnitina [58] estariam relacionados a possível elevação dos níveis de IGF-I, o que, segundo Magri et al.[50], seria importante na proliferação e diferenciação das células miogênicas, melhorando o crescimento pós-natal dos leitões.

2.3 - Fase final da gestação (76 dias até o parto)

Nesta fase a necessidade de ganho e reserva energética torna-se, expressivamente, maior quando comparada aos dois períodos anteriores, uma vez que representa a fase de maior intensidade de crescimento fetal. O aumento do consumo energético e protéico no último terço de gestação pode aumentar o PN. Este efeito pode ser de vital importância para as linhagens hiperprolíficas, com tendência a um maior crescimento materno e maior número de leitões de baixo PN. Entretanto, o excesso de energia, entre os 75 e 90 dias de gestação pode resultar em prejuízo na formação da glândula mamária e, consequentemente, menor produção de leite durante a lactação, especialmente em primíparas [36].

Fêmeas alimentadas com 1,82 kg/dia (5.900 Kcal/dia) em relação a fêmeas que recebiam 2,27 kg/dia (7.400 Kcal/dia) apresentaram leitegadas mais pesadas [14]. Por outro lado, King et al. [41] observaram que o aumento da quantidade de ração fornecida e do teor de proteína da dieta entre os 66 e 101 dias de gestação não influenciaram significativamente o PN. De acordo com Close & Cole [13], há um acréscimo de 0,8 kg em cada leitão para cada aumento de 2.390 Kcal ED/dia ingerida. Entretanto, quando o PN do leitão for acima de 1,5 kg, não há resposta significativa a níveis de ingestão de energia acima de 7.500 Kcal ED/dia [41].

Deve ser considerado que o maior fornecimento de energia durante a gestação pode resultar em um menor consumo de ração durante a lactação. Portanto, se faz necessária uma perfeita integração entre essas duas fases, para que seja alcançado um melhor desempenho reprodutivo das matrizes, e, consequentemente, uma maior longevidade das mesmas dentro do plantel reprodutivo.

Com a intensa seleção genética para deposição de massa muscular, tem-se verificado que o metabolismo protéico em fêmeas gestantes e suas exigências de aminoácidos essenciais alteraram. Lima et al. [48] avaliaram os efeitos da ingestão de diferentes níveis (10,0; 13,5 e 17,0) de PB durante a gestação, do primeiro ao terceiro parto, sobre os desempenhos produtivo e reprodutivo. O aumento do peso das fêmeas a cada ciclo consecutivo influenciou o PN médio da leitegada e o peso ao desmame, independentemente do nível de PB da ração de gestação. Por outro lado, Haley et al. [33] observaram aumento no peso dos leitões ao nascimento ao fornecerem níveis crescentes de PB na ração de gestação.

O perfeito entendimento das quantidades diárias de nutrientes necessários para o máximo desempenho de fêmeas e o controle constante do consumo diário de nutrientes possibilitam a formulação adequada de rações para garantia do sucesso na produção de suínos [47]. No entanto, existem poucos estudos sobre o efeito da nutrição em fêmeas suínas de alto potencial e estes apresentam resultados variáveis, principalmente quando considerados vários ciclos reprodutivos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O peso do leitão ao nascimento é um fator extremamente importante, inicialmente, para sua sobrevivência, e, posteriormente, para um bom desempenho até o momento de abate.

Fêmeas hiperprolíficas produzem um maior número de leitões nascidos por leitegada, o que resulta em menor peso médio ao nascimento e, consequentemente, maior variabilidade de peso desses leitões. A capacidade uterina entra, neste aspecto, como um fator limitante, uma vez que se trata de uma característica, anteriormente já explorada em processos de melhoramento genético na tentativa de aumentar o tamanho da leitegada.

Portanto, características como eficiência placentária e tamanho de placenta devem ser incluídas em programas de melhoramento genético, uma vez que se tratam de aspectos vistos como essenciais para a produção de leitões mais homogêneos e, consequentemente, de melhor viabilidade. A nutrição e o manejo alimentar por sua vez, devem ser realizados minuciosamente, sempre respeitando as diferentes fases reprodutivas em que as fêmeas se encontram, no intuito de proporcionar uma alta qualidade nutricional e assim um bom peso do leitão ao nascimento. Esses dois fatores associados, genética e nutrição, certamente, auxiliarão no aumento da sobrevivência dos leitões durante a fase de lactação e com isso, contribuindo positivamente com a diminuição da taxa de mortalidade na maternidade e com o aumento do ganho econômico da produção.

 


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