Autor : Andretta, P.A. Lovatto, L. Hauschild, Paulo Dilkin, G.G. Garcia, E. Lanferdini, N.C. Cavazini, Prof. Mallmann.
Sumário
RESUMO
Um experimento foi realizado para avaliar o desempenho, a morfologia vulvar
e os pesos de órgãos viscerais e de trato reprodutivo em leitoas pré-púberes
alimentadas com dietas contendo aflatoxinas ou zearalenona durante 28 dias. Foram utilizados 18 animais
com peso médio inicial de
PALAVRAS CHAVE ADICIONAIS: Desempenho. Micotoxinas. Órgãos. Reprodução. Suínos.
INTRODUÇÃO
O milho é um ingrediente muito apreciado pela indústria da alimentação
animal, especialmente pela sua disponibilidade e qualidade nutricional. Porém,
do cultivo ao armazenamento, o milho está sujeito à contaminação por uma microbiota fúngica diversa. Os
fungos podem alterar direta e indiretamente a qualidade do cereal,
influenciando negativamente algumas propriedades nutricionais e bioquímicas dos
grãos (Bhattacharya e Raha,
2002). Além disso, sob condições de estresse, alguns fungos produzem
metabólitos secundários tóxicos denominados micotoxinas
(Dilkin, 2002).
Umidade e temperatura são fatores críticos para a produção das micotoxinas, à medida que se relacionam com o
desenvolvimento fúngico. Porém, outros fatores como a
composição e a integridade do substrato também regulam a prevalência micotoxicológica em contaminações naturais. Diversas micotoxinas estão associadas com a indução de efeitos
tóxicos em animais. Na suinocultura, entre as de maior relevância clínica e
econômica estão as aflatoxinas e a zearalenona.
As aflatoxinas são substâncias com toxidade
elevada produzidas por fungos do gênero Aspergillus (Coulombe, 1993). Apesar da estrutura química semelhante, as
aflatoxinas diferem entre si pela frequência
em contaminações naturais e pelo grau de atividade biológica. A aflatoxina B1 é a mais tóxica, seguida pela G1, B2 e G2
(Oliveira e Germano, 1997). As aflatoxinas têm sido
encontradas em aproximadamente 38% das rações para suínos no Brasil (Dilkin, 2002), impactando a atividade de forma expressiva.
Suínos são animais bastante sensíveis aos efeitos as aflatoxinas,
sendo 0,6 mg kg-
A zearalenona, produzida por fungos Fusarium, é descrita como uma lactona
do ácido fenólico resorcílico (Gaumy
et al., 2001). Bastante
resistente à maioria dos tratamentos utilizados na fabricação dos alimentos,
esta micotoxina possui metabolismo complexo, onde
predominam reações de conjugação. A flexibilidade na conformação espacial da zearalenona e dos produtos de sua biotransformação
hepática permite a fixação competitiva em receptores estrogênicos celulares.
Esta interação incrementa a síntese protéica e a proliferação celular, o que se
manifesta principalmente pelo aumento de volume nos tecidos do trato
reprodutivo (Gaumy et al., 2001; Dänicke et al., 2005). A zearalenona
apresenta atividade anabólica e estrogênica em várias espécies e seus efeitos
tóxicos são frequentemente associados com
complicações nas funções reprodutivas (Diekman e
Green, 1992). Entre os animais domésticos, os suínos possuem a maior
sensibilidade à presença da micotoxina, podendo
apresentar sinais clínicos de intoxicação a partir de 50 μg
kg-1 de ZEA nas dietas (Bauer et
al., 1987).
Quando ingeridas, as micotoxinas podem causar
alterações metabólicas e lesões em alguns órgãos, interferindo na eficiência
alimentar e reprodutiva dos animais (Diekman e Green,
1992; D´Mello et al., 1999). Pela prevalência em produtos destinados à
alimentação animal, as micotoxinas são consideradas
fatores limitantes para a manutenção de índices produtivos adequados,
especialmente na suinocultura. Este trabalho foi realizado, portanto, com o
objetivo de estudar o desempenho e as características de alguns órgãos em
leitoas alimentadas com dietas contendo aflatoxinas
ou zearalenona.
MATERIAL E MÉTODOS
As micotoxinas foram produzidas pelo Laboratório
de Análises Micotoxicológicas (LAMIC) da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM), situada na região central do estado do Rio
Grande do Sul, Brasil. As aflatoxinas foram
preparadas a partir da cepa NRLL 2999 do Aspergillus parasiticus por fermentação em arroz parboilizado,
de acordo com o método proposto por West et
al. (1973). Para a produção da zearalenona, esporos
foram cultivados por cinco dias a 25ºC e, após, lavados com água estéril e
solubilizados. Posteriormente foi aplicado 1 ml desta solução no material de
cultura. A incubação compreendeu dois períodos com temperaturas de 28 e 15ºC,
respectivamente. Após, os materiais de cultura das micotoxinas
foram secos, triturados, quantificados e estocados em temperatura adequada até
a mistura nas dietas.
O experimento foi realizado de novembro a dezembro de 2006, no Setor de
Suínos do Departamento de Zootecnia da UFSM. Foram utilizadas 18 leitoas
pré-púberes, geneticamente homogêneas, oriundas de cruzamentos industriais e
desmamadas aos 21 dias de idade. Os animais foram alojados individualmente em
baias elevadas, equipadas com comedouro semi-automático e bebedouro tipo
concha. Inicialmente, houve um período de adaptação dos animais ao ambiente e a
dieta, visto que a desmama, período crítico para os leitões, poderia
influenciar no comportamento alimentar. Todas as avaliações iniciaram após o
período de adaptação. O peso médio dos animais ao início do período
experimental foi de 11 ±
O delineamento experimental utilizado foi o inteiramente casualizado,
com três tratamentos (dieta controle - DC; DC + 1mg kg-1 de aflatoxinas
- sendo 90% do tipo B1; 5,5% G1; 3% B2 e 0,5% G2 - e DC + 2 mg kg-1 de zearalenona) e
seis repetições cada, sendo o animal a unidade experimental. As dietas foram isonutritivas elaboradas com milho, farelo de soja e premix vitamínico-mineral conforme modelo e recomendações
nutricionais do National Research
Council (NRC, 1998). O milho utilizado nas dietas era
do tipo dentado, proveniente de plantas híbridas e estocado com 12% de umidade
em condições limitantes para o desenvolvimento fúngico.
O farelo de soja foi obtido após tratamento para extração industrial do óleo
por solvente.
A quantificação das micotoxinas nas
matérias-primas e nas rações foi realizada por cromatografia líquida de alta
eficiência, com um limite de quantificação de 0,012 mg kg-1 e um coeficiente de recuperação de 89%. O milho e o
farelo de soja utilizados na formulação das dietas não apresentaram
contaminação para as principais micotoxinas (aflatoxinas, fumonisinas e zearalenona) quando analisados por este método. Assim, aos
animais do grupo controle era garantida dieta livre de contaminação micotoxicológica. Após a adição do material de cultivo das micotoxinas nas demais dietas (que seguiam a mesma
formulação utilizada para a dieta controle), amostras da ração foram analisadas
novamente para certificação dos níveis pretendidos para cada tratamento.
As dietas experimentais foram fornecidas à vontade aos animais durante 28
dias e o acesso à água foi livre. Os dados de ganho médio de peso foram obtidos
por pesagens individuais no início do experimento e aos 7, 14, 21 e 28 dias. Os
dados referentes ao consumo de ração foram obtidos pela quantidade de ração
fornecida descontadas as sobras ao final de cada período. A conversão alimentar
foi estimada a partir das medidas anteriores.
As alterações na morfologia vulvar das leitoas que receberam dieta controle
e dieta com zearalenona foram acompanhadas por
medidas verticais, horizontais e de profundidade, mensuradas a cada três dias
com paquímetro. O volume vulvar foi obtido pela multiplicação destas três
medidas.
Ao final do experimento, os animais foram submetidos a oito horas de jejum
alimentar, insensibilizados por eletronarcose e
eviscerados imediatamente depois do abate. Após observações gerais, fígado e
coração foram pesados individualmente e os valores ajustados ao peso vivo do animal,
de forma a serem expressos em percentual. A escolha dos órgãos avaliados em
cada tratamento teve como critério a atividade das micotoxinas.
Assim, nos animais alimentados com dietas contendo zearalenona,
também foram aferidos peso e comprimento do trato reprodutivo.
Os dados obtidos foram submetidos à análise de variância pelo procedimento
GLM, sendo as diferenças entre as médias comparadas pelo teste de Tukey. As análises estatísticas foram realizadas com o
programa Minitab (McKenzie
e Goldman, 1999).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados de desempenho são apresentados na tabela I. O consumo de ração
foi influenciado (p<0,05) pela inclusão de aflatoxinas
na dieta a partir da segunda semana experimental. No resultado médio do
período, as aflatoxinas reduziram (p<0,05) em 30%
o consumo de ração. A conversão alimentar das leitoas não foi alterada pela presença de aflatoxinas.
Porém, houve redução (p<0,05) no ganho de peso dos animais alimentados com
dietas contendo aflatoxinas na segunda e terceira
semanas do experimento. No período total, as aflatoxinas
reduziram (p<0,05) em 27% o ganho de peso dos animais. Ao final do
experimento, o peso vivo das leitoas que recebiam aflatoxinas
nas dietas foi 16% menor (p<0,05) em relação ao grupo controle.
Tabela I. Desempenho de leitoas alimentadas com dietas
contendo aflatoxinas ou zearalenona
(Performance of gilts fed diets
containing aflatoxins or zearalenone).
As alterações no desempenho dos animais que recebiam dieta com aflatoxinas podem ser explicadas pela ação hepatotóxica desta micotoxina. As
aflatoxinas reagem com macromoléculas celulares como
o DNA e o RNA, interferindo nas propriedades funcionais do fígado e na síntese
protéica (Oliveira e Germano, 1997). Relatos de aflatoxicose
incluem ainda imunossupressão, alterações na síntese e cinética de algumas
enzimas e no metabolismo de proteínas e lipídeos (Marin et al., 2002). Suínos alimentados com dietas contendo
níveis de aflatoxinas semelhante aos utilizados neste
trabalho (0,8 mg kg-1)
apresentaram redução no coeficiente de metabolização da energia e na retenção
relativa de nitrogênio (Hauschild et
al., 2006). Estas interferências podem justificar a queda no desenvolvimento
dos animais.
Os animais alimentados com dietas contendo zearalenona
apresentaram desempenho semelhante (p>0,05) ao do grupo controle, com
exceção da segunda semana experimental, quando a micotoxina
reduziu (p<0,05) o ganho de peso das leitoas. A análise de
comparação de médias também mostrou semelhança (p>0,05) entre os animais
alimentados com dietas contendo zearalenona e aqueles
que recebiam aflatoxinas para algumas variáveis
(consumo de ração na segunda e terceira semanas e no período total, ganho de
peso na terceira semana e na média do experimento e peso vivo aos 14, 21 e 28
dias).
A zearalenona, conhecida por suas propriedades
estrogênicas, em geral não é associada a baixos índices produtivos, mas a
problemas de ordem reprodutiva nos animais (D´Mello et al., 1999). A
exposição alimentar a concentrações de zearalenona
maiores que as utilizadas neste trabalho (10 mg kg-1) não influenciou a conversão alimentar e o
ganho de peso em leitoas prépúberes (Green et al., 1990). A zearalenona
também não altera a digestibilidade de dietas nem o
metabolismo protéico ou energético de suínos (Hauschild
et al., 2007). Porém,
algumas alterações metabólicas são descritas em ratos quando alimentados com
dietas contendo níveis elevados da micotoxina (Nogowski, 1996; Szkudelska,
2002). Devido à semelhança fisiológica dessa espécie com os suínos, alguns
efeitos negativos poderiam ser esperados quando da exposição alimentar a altas
concentrações de zearalenona, evidenciando até mesmo
alguns mecanismos adicionais de toxidade (Abid-Essefi
et al., 2004).
A tabela II apresenta os resultados da avaliação de órgãos. Os animais que
receberam dietas com aflatoxinas apresentaram fígado
com aspecto pálido-amarelado, sinais macroscópicos sugestivos de edema intralobular e focos hemorrágicos na superfície parietal.
Apesar dos sinais patológicos indicarem efeitos tóxicos, a alimentação de
leitoas com 1mg kg-1 de aflatoxinas não alterou
(p>0,05) os pesos relativos de fígado e coração. Em trabalho semelhante,
também não foram observadas diferenças nos pesos de fígado, coração, baço e
rins de suínos intoxicados experimentalmente com dietas contendo aflatoxinas e deoxinivalenol
(Harvey et al., 1989).
Tabela II. Características de órgãos de leitoas alimentadas
com dieta contendo aflatoxinas ou zearalenona.
(Organs characteristics of
gilts fed diets containing aflatoxins or zearalenone).
Figura 1. Volume vulvar de leitoas alimentadas com dietas
contendo ou não zearalenona (Vulvae
bulk of gilts
fed diets with or without
zearalenone).
A alimentação de leitoas com dietas contendo 2 mg kg-1 de zearalenona não
alterou (p>0,05) os pesos relativos de fígado e coração. Entretanto, a zearalenona aumentou (p<0,05) em aproximadamente 180% o
peso relativo e em 30% o comprimento do trato reprodutivo. As manifestações de hiperestrogenismo também foram acompanhadas durante este
trabalho pelas alterações na morfologia vulvar das leitoas (figura 1). Houve
diferença (p<0,05) entre os tratamentos para os volumes vulvares a partir do
sexto dia experimental. Ao final do período, os volumes vulvares foram 3,8
vezes maiores nas leitoas alimentadas com dieta contendo zearalenona
em relação aos animais controle.
As alterações morfológicas no aparelho reprodutivo das leitoas são resultado
da competição da zearalenona e dos produtos de sua biotransformação hepática com o 17ß-estradiol por
receptores estrogênicos celulares (Turcotte et al., 2004). A zearalenona apresenta maior efeito estrogênico comparada ao
17ß-estradiol devido ao modo de ação e tempo de permanência dos metabólitos no
núcleo das células (Gaumy et al., 2001). A alta sensibilidade dos suínos aos
efeitos da zearalenona pode ser explicada por sua
metabolização predominantemente em α- zearalenol.
Este processo pode ser considerado de ativação para a toxina, uma vez que o
isômero α é o mais tóxico dos metabólitos da zearalenona
(Malekinejad et
al., 2006).
Algumas micotoxinas, em intoxicações sub-clínicas, podem interferir no desempenho e nas funções
reprodutivas dos animais, caracterizando perdas econômicas muitas vezes não
mensuradas. Entretanto, quando em níveis elevados na dieta, as aflatoxinas por reduzirem significativamente o desempenho
animal e a zearalenona por interferir no trato
reprodutivo, levam a perdas drásticas na produção de suínos. Por esta condição
e pela alta prevalência das micotoxinas em produtos
destinados à alimentação animal, a identificação dos pontos críticos na cadeia
produtiva dos cereais e o monitoramento micotoxicológico
através de metodologias analíticas confiáveis apresentam caráter relevante na
suinocultura.
CONCLUSÕES
As aflatoxinas reduzem o consumo de ração, o ganho
de peso e o peso vivo de leitoas em creche. Porém, não alteram os pesos
relativos de fígado e coração. Dietas contendo zearalenona
não alteram o desempenho de leitoas em creche. Entretanto, a zearalenona aumenta o volume vulvar, o peso relativo e o
comprimento do trato reprodutivo.
AGRADECIMENTOS
Ao Conselho Nacional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
pelas bolsas de Produtividade em Pesquisa de Paulo Alberto Lovatto
e de Iniciação Científica de Ines Andretta.