Autor :
Fábio Augusto Vannucci; Roberto Maurício Carvalho Guedes*Sumário
RESUMO
A diarréia é a principal manifestação clínica das infecções entéricas . O desequilíbrio entre os processos
de absorção e secreção intestinal decorrentes de alterações
no transporte de água e eletrólitos é determinante na patogênese dos
processos diarréicos. Os mecanismos fisiopatológicos estão associados às
características particulares de cada patógeno. Dessa
forma, a interação específica entre os patógenos
entéricos e o epitélio intestinal resulta em diferentes tipos de
diarréias. Na produção de suínos, o conhecimento da fisiopatologia
das infecções entéricas é fundamental no desenvolvimento de métodos
de diagnóstico e, em um futuro próximo, na elaboração de estratégias de
prevenção e controle dessas afecções. Com base nos processos fisiológicos
característicos do trato gastrointestinal , esta
revisão tem como objetivo descrever aspectos relevantes e atuais dos
mecanismos fisiopatológicos das diarréias em suínos. Serão enfatizadas as
alterações patológicas no transporte intestinal de íons e
nutrientes decorrentes da ação de patógenos
entéricos importantes na produção suinícola.
Palavras-chave: suíno , infecções entéricas ,
diarréia , fisiopatologia.
INTRODUÇÃO
As infecções entéricas estão entre as doenças mais frequentes na produção suinícola,
sendo responsáveis por importantes perdas e significativo impacto
econômico no setor. Os prejuízos são representados por redução do ganho de
peso, mortalidade e gastos com antibioticoterapia
(McORIST, 2005). As infecções por Lawsonia intracellularis, Salmonella enterica sorotipo Typhimurium e Brachyspira spp. estão entre as mais
prevalentes no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa, em suínos, nas
fases de recria e terminação. (STEGE et
al., 2000; BACCARO et al., 2003; SUH & SONG,
2005). Algumas doenças entéricas de suínos podem acometer o
homem, sobretudo por meio de infecções alimentares. Os principais
agentes envolvidos nesses casos são Salmonella enterica e Escherichia coli enterotoxigênica (HALL et al., 2005; TURNER et al., 2006). Destaca-se ainda que as similaridades
das lesões e da patogênese dessas infecções em suínos e
humanos permitem o desenvolvimento de modelos experimentais, nos
primeiros, para estudos da fisiopatologia dessas enfermidades (SAIF et al., 1997). Os mecanismos
determinantes para manifestação clínica das infecções entéricas
resultam primariamente de alterações fisiológicas no
transporte intestinal de água e eletrólitos (ARGENZIO, 1992).
O desequilíbrio entre os mecanismos absortivos, secretórios e
regulatórios inerentes ao epitélio intestinal promove expressiva perda de
fluidos e compromete a absorção de nutrientes. Esta revisão tem como
objetivo apresentar os mecanismos fisiopatológicos das diarréias em
suínos.
Transporte intestinal de água e eletrólitos
A mucosa intestinal, revestida por epitélio simples colunar, é responsável pela secreção e absorção de
água, eletrólitos e nutrientes. Essa camada simples está constantemente
exposta a fatores exógenos, presentes no lúmen intestinal (p.ex.
nutrientes e patógenos), e sob influência de
fatores intrínsecos do organismo, a partir da submucosa (p. ex.
peptídeos ativos, hormônios e mediadores inflamatórios) (JONES &
BLIKSLAGER, 2002). Nesse contexto, o epitélio intestinal representa uma
barreira seletiva regulada por mecanismos de transporte específicos e por
junções intercelulares (tight junctions) (BERKES et
al., 2003). As principais células envolvidas no transporte de íons e
nutrientes por meio da mucosa intestinal são os enterócitos
maduros e as células das criptas intestinais (criptas de Lieberkühn). Os enterócitos
maduros, presentes no ápice das vilosidades, são responsáveis pela
absorção de nutrientes. As dissacaridases e
peptidases são continuamente expressas na membrana apical
dessas células e, por meio da hidrólise de carboidratos e proteínas
da dieta, absorvem monossacarídeos, aminoácidos e peptídeos (HOLT &
YEH, 1992). A atividade secretora dessas células é mínima,
entretanto pode ser estimulada por toxinas e neurotransmissores (JONES
& BLIKSLAGER, 2002). As células das criptas representam o
compartimento proliferativo, que originará enterócitos
maduros e diferenciados. Essas células imaturas presentes na base das
vilosidades têm fundamental importância no processo de
renovação celular, característico da mucosa do trato digestório. Possuem
também predominantemente funções secretórias por meio de canais iônicos
(WELSH et al., 1982).
Portanto, alterações nos mecanismos de absorção e na secreção intestinal estão
associadas às características específicas do patógeno
em colonizar diferentes regiões das vilosidades.
Mecanismos absortivos
O íon Na+ é o principal eletrólito envolvido nos processos de
absorção intestinal. Baixas concentrações de Na+ intracelular permitem
o transporte por meio da membrana apical de carboidratos,
aminoácidos, peptídeos e vitaminas hidrossolúveis. Os mecanismos de
absorção desses nutrientes envolvem a ativação de
transportadores acoplados ao Na+ (WRIGHT, 1993). O exemplo clássico é
o transporte de glicose acoplado ao Na+ pelo cotransportador
Na+/glicose (SGLT1). A ativação desse mecanismo permite a absorção
de duas moléculas de Na+ para cada molécula de glicose, carreando água,
por osmose, por meio das junções intercelulares. Em seguida, a glicose
é transportada na membrana basolateral, por
difusão facilitada, e o Na+, por ativação da bomba de sódio
e potássio (Na+/K+ ATPase)
(WRIGHT & LOO, 2000). Esse é o principio básico da re-hidratação oral
em casos de diarréia. A hidratação com soluções contendo glicose
estimula a absorção de Na+ e água, assim, essas soluções são mais
eficientes que soluções salinas (NaCl 0,9%)
(ARGENZIO, 1980). A galactose é absorvida por esse mesmo processo.
Contudo, a absorção de frutose ocorre por transportador específico
(GLUT5), sem a necessidade de acoplagem com o Na+ (RUMESSEN, 1992). Cotransportadores acoplados ao Na+ também estão
associados à absorção de aminoácidos, porém na proporção de 1:1. O
mecanismo mais importante na absorção intestinal de Na+ ocorre por meio de
trocas iônicas com íons H+ realizadas por transportadores NHE.
O acionamento desse mecanismo ocorre simultaneamente à ativação de
transportadores Cl-/HCO3 -, os quais permitem a transferência de íons
Cl- para o meio intracelular em troca de HCO3 - para o lúmen intestinal. Portanto,
como resultado desse processo dinâmico, ocorre absorção de Na+ e Cl-
associada à secreção de H+ e HCO3 - (ZACHOS et al., 2005). Os transportadores NHE são
regulados pela concentração intracelular de monofosfato
de adenosina cíclico (AMPc)
e pela ativação da proteína quinase A (PKA).
Nesse sentido, toxinas bacterianas e processos inflamatórios
que elevam a concentração intracelular de AMPc e, consequentemente,
ativam a PKA, inibem a função dos NHE, estimulando os processos diarréicos
(FORTE et al., 1992).
Mecanismos secretórios
Os processos secretórios do epitélio intestinal ocorrem
predominantemente nas criptas de Lieberkühn. Os
eletrólitos envolvidos são Cl- e HCO3 - (WELSH et al., 1982). A secreção de íons Cl-
na membrana apical ocorre pela abertura de canais iônicos. O
principal canal de Cl- é o regulador transmembrana da
fibrose cística (CFTR). O nome dado refere-se à expressão anormal do gene
codificador do CFTR em crianças com fibrose cística (ROGERS et al., 2008). Mensageiros
intracelulares (AMPc e GMPc)
regulam o funcionamento do CFTR por meio da ativação de proteínas quinases. Dessa forma, processos patológicos que
resultam no aumento da concentração intracelular de AMPc promovem a ativação da PKA, abertura dos
canais iônicos CFTR com consequente secreção de
Cl-. A concentração de íons Ca2+ presentes no citoplasma dos enterócitos é capaz de regular a abertura dos canais
de Cl- dependentes de Ca2+ (CaCC). Pode ocorrer
ainda sinergismo entre os mensageiros intracelulares, potencializando o
estímulo secretório de Cl- (KEELY & BARRETT, 2000).
Sistema nervoso entérico
O sistema nervoso entérico (SNE) é constituído por dois
grandes plexos, submucoso e mioentérico, os
quais são responsáveis pela regulação de estímulos motores e sensoriais.
Esse sistema é capaz de coordenar o funcionamento do trato
gastrointestinal e regular os mecanismos secretórios e absortivos
pela ativação do sistema nervoso autônomo simpático e parassimpático
(BENARROCH, 2007). A liberação de noradrenalina aciona mecanismos pró-absortivos
pela ativação de receptores α2-adrenérgicos nos enterócitos (CHANG
et al., 1982).
Contrariamente, a acetilcolina e o peptídeo intestinal vasoativo (VIP) são
os principais neurotransmissores envolvidos na estimulação
dos processos secretórios. O SNE pode ser ativado por agentes
tóxicos, estímulos endócrinos e mediadores inflamatórios, resultando no
aumento da secreção intestinal (SPILLER, 2002). A estimulação local do
SNE ocorre por arco reflexo. Nesse contexto, nervos sensoriais (via
aferente) transmitem impulsos aos interneurônios
(localizados nos plexo submucoso e mioentérico),
os quais, por sua vez, comunicam-se com nervos
motores (via eferente), promovendo liberação de neurotransmissores e
peptídeos ativos (JONES & BLIKSLAGER, 2002). O conhecimento dos
mecanismos regulatórios do SNE envolvidos no transporte
de eletrólitos pelo epitélio intestinal tem contribuído para o
desenvolvimento de estratégias terapêuticas com a utilização de fármacos
capazes de modular a resposta neurogênica.
Fisiopatologia das diarréias em suínos
Ao longo dos anos, as diarréias, nos animais domésticos, vêm
sendo classificadas em quatro categorias: diarréia secretória,
mal-absortiva, efusiva (inflamatória) e por hipermotilidade
(MOON, 1978; ARGENZIO, 1992; FIELD, 2003; MOESER & BLIKSLAGER,
2007). Na prática, as alterações patológicas envolvidas na diarréia
secretória ou por má absorção também podem comprometer a
integridade da mucosa e, por consequência,
promover efusão de conteúdo protéico para o lúmen intestinal
(RAMIG, 2004). Da mesma forma, processos inflamatórios entéricos
caracterizados por intensas lesões tissulares podem ter um componente
secretório envolvido na sua patogênese (GIANNELLA et al., 1975; GRONDAHL et al.,
1998). Independentemente dos mecanismos fisiopatológicos, o aumento da motilidade intestinal ocorre secundariamente ao
acúmulo de líquido no lúmen intestinal. Logo, a hipermotilidade
certamente não possui função primária no desenvolvimento
das diarréias infecciosas, nos animais domésticos (MOON, 1978;
GREENWOOD & DAVISON, 1987). Dessa forma, na presente revisão, a
fisiopatologia das infecções entéricas em suínos será discutida a partir
de três categorias: diarréia secretória, diarréia por má absorção e
diarréia efusiva (inflamatória).
Diarréia secretória.
A ativação súbita e descontrolada dos mecanismos secretórios
da mucosa intestinal pode levar à desidratação intensa e, consequentemente, à morte. O principal íon envolvido
na patogênese desse tipo de diarréia é o Cl- (FORTE et al., 1992). A diarréia secretória mais frequente entre os animais domésticos está associada à
infecção por Escherichia coli enterotoxigênica (ETEC), sobretudo em leitões após
o desmame e bezerros neonatos (NAGY & FEKETE, 1999). Os dois
principais fatores de virulência da ETEC são as fímbrias (adesinas) e as enterotoxinas. A
partir da interação específica entre as fimbrias adesivas expressas
na parede celular bacteriana com receptores presentes na membrana celular
dos enterócitos, ocorre produção de enterotoxinas. Segundo MACEDO et al. (2007), as cepas F4 (K88), F18, F41 e F5
(K99) são as mais prevalentes no Estado de Minas Gerais. As enterotoxinas são divididas de acordo com
sua estabilidade térmica: termolábeis (LT-I e
LT-II) e termoestáveis (STa,
STb e EAST1) (ZHANG et
al., 2006). A ação dessas toxinas leva à ativação de mecanismos
secretórios específicos no epitélio intestinal.
As LTs são imunologicamente distintas entre si, no
entanto têm mecanismos de ação semelhantes. Ambas possuem uma subunidade
B, que se liga ao receptor gangliosídeo (GM1) na
membrana celular dos enterócitos, promovendo
entrada da subunidade A, enzimaticamente ativa. A partir da clivagem
dessa subunidade, formam-se dois domínios (A1 e A2) (SPANGLER, 1992).
O domínio A1, presente no citoplasma celular, ativa a enzima adenilciclase, que catalisa a síntese de AMPc, que, por sua vez, ativa
a PKA (HAMILTON et al,
1978; WIMER-MACKIN et al., 2001). Como consequência, ocorre fosforilação
do CFTR e inibição do NHE na membrana apical, o que induz aumento
significativo na secreção de Cl- e redução na absorção de Na+. Esse
mecanismo também ocorre pela ação de enterotoxinas
na cólera, em humanos (PETERSON & WHIPP, 1995). A toxina STa interage com receptor transmembrana guanilciclase tipo
C (GC-C), promovendo o aumento da concentração
intracitoplasmática de monofosfato de guanosina cíclico (GMPc).
Esse evento ativa CFTR a partir da fosforilação
da proteína quinase G (PKG) (GOLINBISELLO et al., 2005). Dessa forma, a ação
da STa também resulta
no aumento da secreção de íons Cl- e na inibição, na absorção de íons Na+
(TIEN et al., 1994).
A atividade biológica da EAST1 parece ser similar à atividade da STa. A partir da exposição da mucosa intestinal à
EAST1, foi demonstrada elevação na concentração intracitoplasmática de GMPc (SAVARINO et al.,
1993). Esses autores acreditam que haja similaridade estrutural entre
essas duas toxinas. A atividade da STb
ainda é pouco compreendida; entretanto, sabe-se que não
há envolvimento de nucleotídeos intracitoplasmáticos (AMPc ou GMPc), como ocorre na LT
e STa (DUBREUIL, 2008). O estimulo secretório
induzido pela ação da STb
envolve a ativação do sistema nervoso entérico (PETERSON & WHIPP,
1995). A protaglandina E2 e a 5-hidroxitriptamina (5-HT), secretadas a partir das
células enteroendócrinas, são as
principais mediadoras envolvidas nos mecanismos
secretórios decorrentes da ação da toxina STb (DUBREUIL, 1999). Nos estágios agudos da
infecção por ETEC, não ocorre nenhum tipo de alteração
histológica evidente, visto que a patogênese envolve
mecanismos estritamente bioquímicos pela ação de enterotoxinas. Entretanto,
secundariamente à perda de eletrólitos, pode ocorrer necrose isquêmica e
atrofia de vilosidades em fases mais tardias (ROSE et
al., 1987). A colibacilose pós-desmame em suínos
é atribuída a infecções por cepas de E. coli produtoras de Shiga
toxina (STx2e), que induzem a doença do edema (WADDELL et
al, 1996). A aderência bacteriana à mucosa
intestinal é mediada pela fimbria F18. Em seguida, ocorre liberação e
migração transepitelial dessa toxina e, como consequência, degeneração e necrose do endotélio
vascular, sinais neurológicos e edema em vários tecidos. No entanto, não
há lesão na mucosa intestinal (WADDELL et al., 1998). A inoculação experimental de
altas doses de STx2e no lúmen intestinal não
reproduziu a doença (GANNON & GYLES, 1990). Entretanto, WADDELL &
GYLES (1995), a partir da inoculação intragástrica
de STx2e associada a um sal biliar (desoxicolato de sódio), que induz alterações na
permeabilidade da barreira epitelial, conseguiram reproduzir a enfermidade.
Dessa forma, esses autores sugerem que o aumento na permeabilidade da
mucosa intestinal é pré-requisito para o desenvolvimento da doença do
edema. NABUURS et al.
(2001) demonstraram associação entre a acidose intestinal e a doença do
edema. Contudo, a patogênese dessa possível interação ainda não foi
esclarecida.
Diarréia
por má absorção
A ação direta
de patógenos entéricos sob o epitélio intestinal
induz a lise celular. Nesses casos, a intensidade da infecção e a morte
celular superam a capacidade de renovação epitelial, levando à atrofia
de vilosidades e, consequentemente, à redução
na absorção intestinal (MOON, 1978). As alterações nos mecanismos de
absorção são decorrentes da perda e fusão de vilosidades com redução na
produção de enzimas digestivas e inibição da atividade biológica dos
transportadores de membrana (ARGENZIO, 1992). As alterações morfológicas
observadas na mucosa intestinal são caracterizadas pela substituição de
células colunares maduras por células cubóides
em processo de diferenciação (REYNOLDS et al., 1985). A patogênese dessas infecções
depende do local de replicação do agente nas vilosidades (ápice ou
criptas). A infecção pelo rotavírus é importante
causa de diarréia em crianças e animais neonatos. O terço apical das
vilosidades é o local de predileção para a replicação desse agente (SAIF et al., 1997). A
replicação viral no citoplasma dos enterócitos
promove liberação de íons Ca2+ a partir do retículo
endoplasmático (BRUNET et
al., 2000). O aumento de Ca2+ intracelular ativa uma série de mecanismos
celulares, incluindo inibição da atividade do citoesqueleto
nas microvilosidades, redução na expressão
das dissacaridases e outras enzimas da
superfície apical, inibição dos transportadores SGLT1 e necrose
celular (PEREZ et al.,
1998). Os principais eventos que comprometem a funcionalidade dos
processos de absorção ocorrem pela redução da atividade do SGLT1 e
pela menor expressão de enzimas digestivas (dissacaridases)
na superfície epitelial (HALAIHEL et al.,
2000a). Com o aumento na permeabilidade da membrana celular, ocorre
elevação de íons Na+ e decréscimo de íons K+ intracitoplasmáticos.
Segundo CASTILLO et al.
(1991), a alteração no equilíbrio dinâmico desses eletrólitos poderia
comprometer a absorção de NaCl e a ativação de
transportadores SGLT1, como consequência,
haveria maior perda de água e eletrólitos. Não há dúvida com relação
à importância dos mecanismos de má absorção na rotavirose.
No entanto, VELLENGA et
al. (1992) observaram a presença de diarréia aquosa em suínos experimentalmente infectados,
associada à ausência de lesões histológicas até 48 horas após a infecção,
sugerindo envolvimento de mecanismos de secreção na patogênese
dessa diarréia. Essa observação pode ser esclarecida a partir do
reconhecimento de uma proteína não estrutural (NSP4) enterotoxigênica,
produzida pelo rotavírus. A NSP4 atua como enterotoxina, a qual induz aumento da concentração
intracelular de Ca2+ e, consequentemente, secreção
de íons pelas criptas intestinais, mediada pela ativação de transportadores
de Cl- (BALL et al.,
1996). Nesse caso, o mecanismo de secreção não envolve AMPc, pois camundongos ausentes de CFTR
foram susceptíveis à infecção por rotavírus e à
indução de diarréia por inoculação da enterotoxina
NSP4 (MORRIS et al., 1999). Nesse contexto,
sugere-se o envolvimento dos canais de Cl- dependentes de Ca+ (CaCC) na patogênese dessa
infecção. Ainda, a NSP4 tem pouco efeito na indução de diarréia em animais
adultos, possivelmente pela baixa expressão de CaCC. Essa toxina também é capaz de inibir
especificamente a atividade do SGLT1, o que contribui para má
absorção intestinal (HALAIHEL et
al., 2000b). Comparativamente, a enterotoxina
viral (NSP4) e as bacterianas possuem em comum a característica de
não causarem lesões morfológicas na mucosa intestinal; entretanto, as enterotoxinas bacterianas não possuem efeito direto
sobre o SGLT1. Ainda, a secreção de Cl-, na infecção por rotavírus, não é mediada por nucleotídeos (AMPc ou GMPc) e não envolve
o CFTR, tal como ocorre nas diarréias por
ETEC (LORROT & VASSEUR, 2007). Os mecanismos de ativação do
sistema nervoso entérico (SNE), nas infecções por rotavírus, ainda
não estão bem esclarecidos. Entretanto, não foi demonstrada
experimentalmente a estimulação do SNE a partir da atividade biológica da
NSP4 nas células das criptas (LUNDGREN et. al., 2000). Portanto, é
possível que haja secreção de citocinas e protaglandinas por células infectadas presentes no
terço apical das vilosidades, com posterior ativação do SNE e estimulação
dos mecanismos secretórios nas células das criptas (CASOLA et al., 1998).
Segundo LUNDGREN et. al. (2000), aproximadamente 67% da atividade
secretória, nas infecções por rotavírus,
ocorre em decorrência da ativação do SNE. Os
principais neurotransmissores envolvidos no estímulo secretório são a
5-HT e o VIP, indicando uma possível ativação de arco reflexo local
(KORDASTI et al.,
2004). Diferentemente das infecções por rotavírus, o
vírus da gastroenterite transmissível (coronavírus) acomete suínos em qualquer fase do
sistema de produção, sendo capaz de replicar-se em enterócitos, em
vários estágios de diferenciação e, por conseguinte, causar intensa
atrofia de vilosidades. A diarréia por má absorção ocorre pela diminuição
da atividade das enzimas (dissacaridases e
peptidases) presentes nas microvilosidades do
epitélio intestinal e pela redução na absorção de Na+ e Cl-, semelhante
aos mecanismos de má absorção induzidos pelo rotavírus
(HOMAIDAN et al.,
1991). Algumas doenças entéricas bacterianas, importantes na produção
de suínos, também podem provocar alterações nos processos absortivos
da mucosa intestinal. As infecções por espiroquetas, Brachyspira hyodysenteriae e Brachyspira pilosicoli, estão
entre as mais prevalentes e caracterizam-se por colites hemorrágicas e
catarrais, respectivamente. A patogênese dessas infecções envolve
mecanismos predominantemente mal-absortivos (ARGENZIO, 1980; SUH
& SONG, 2005). A infecção experimental com B. hyodysenteriae
demonstrou significativa redução na absorção de água e Na+, na mucosa do
cólon de suínos (ARGENZIO et. al., 1980). A enteropatia
proliferativa suína é uma doença entérica, causada pela bactéria
intracelular obrigatória Lawsonia intracellularis. A primeira alteração observada na enteropatia proliferativa é a hiperplasia da mucosa
intestinal com progressiva substituição de enterócitos
maduros e colunares das vilosidades, por células
pouco diferenciadas do epitélio das criptas intestinais (GUEDES et al., 2003). A
alteração proliferativa está diretamente relacionada à infecção
e replicação bacteriana. Entretanto, os mecanismos que promovem a
hiperplasia da mucosa ainda não estão esclarecidos. Possivelmente, células
imaturas hiperplásicas possuem reduzida expressão de proteínas e
transportadores de membrana, comprometendo a capacidade de absorção. A
diarréia por má absorção pode ser um dos principais fatores determinantes
na redução do ganho de peso e no atraso no crescimento em suínos
infectados. Contudo, ainda não são conhecidos os mecanismos
fisiopatológicos causadores da diarréia na enteropatia
proliferativa (MOESER & BLIKSLAGER, 2007). PIDSUDKO et al. (2008) demonstraram a
ativação de neurotransmissores no intestino de animais infectados;
entretanto, não se sabe qual a atuação do sistema nervoso entérico
na patogênese da doença. A coccidiose por Isospora suis representa uma importante causa de
diarréia em leitões entre sete e 20 dias de idade. As lesões ocorrem pela
penetração de esporozoitos no citoplasma dos enterócitos com posterior lise celular. Atrofia e
fusão de vilosidades associadas à enterite necrótica são as
lesões histológicas mais observadas e constituem a principal causa da
diarréia por má absorção. No entanto, infecções secundárias por ETEC são
comuns e podem estimular mecanismos secretórios, contribuindo para o
processo diarréico (CHAE et. al., 1998).
Diarréia efusiva (inflamatória.)
Os mecanismos
fisiopatológicos das diarréias inflamatórias podem ser
discutidos considerando a infecção por Salmonella
enterica sorotipo Typhimurium,
responsável por enterocolites em humanos e
animais, sendo capaz de invadir enterócitos e
células M (SANTOS et al.,
2002b). A penetração na célula hospedeira é determinada
pela interação de vários fatores de virulência. O principal mecanismo
de invasão está associado à ativação do sistema de secreção tipo III pela
bactéria, que permite o transporte de proteínas bacterianas para o
citoplasma do enterócito e a posterior indução
do processo inflamatório (GALYOV et
al., 1997). Alguns autores demonstraram ativação dos mecanismos
secretórios determinada pelo acúmulo de líquido no lúmen
intestinal após a infecção experimental com S. enterica Typhimurium (GIANNELLA et al., 1975; GRONDAHL et
al., 1998). Contudo, a utilização de bovinos como modelo experimental
demonstrou o envolvimento primário de mecanismos inflamatórios com
significativa contribuição para perda de líquido durante a enterocolite (SANTOS et
al., 2002a). A invasão de S. enterica, em
cultura de células epiteliais, aumentou a expressão e secreção de interleucina oito (IL-8), citocina
envolvida na quimiotaxia de neutrófilos (ECKMANN et al., 1993). Dessa forma, a diarréia presente
nas infecções por S. enterica Typhimurium pode
ser considerada nitidamente inflamatória e mediada predominantemente por
neutrófilos. Os mecanismos secretórios, caracterizados pelo
acúmulo de líquido no lúmen intestinal, poderiam ocorrer pelo aumento
da permeabilidade do epitélio intestinal secundária ao processo
inflamatório. A avaliação histopatológica de fragmentos intestinais de bovinos,18 e 48 horas após a infecção oral com S. enterica Typhimurium,
revelou necrose da mucosa, difusa e acentuada, com perda completa do
epitélio intestinal. As alterações anatomo-histopatológicas
indicaram que o aumento da permeabilidade vascular associada
à intensa infiltração inflamatória, com perda da integridade
epitelial, poderia determinar a diarréia efusiva, caracterizada pela perda
de água, por eletrólitos e por proteínas plasmáticas do sangue para o
lúmen intestinal (TSOLIS et al., 1999).
As infecções por Clostridium difficile também
estimulam acentuada resposta inflamatória; porém, mediada pela liberação
de toxinas (A e B). A ação direta dessas toxinas no epitélio intestinal
induz morte celular e intensa resposta inflamatória com liberação de citocinas (IL-8, TNFalfa
e PGE2) pelas células do hospedeiro e posterior recrutamento
de neutrófilos (CASTAGLIUOLO et al., 1994;
SAVIDGE et al., 2003). A diarréia ocorre pela
ativação de mecanismos inflamatórios, levando ao aumento da
permeabilidade da barreira intestinal e, consequentemente,
à perda de água, eletrólitos e proteínas, semelhante à salmonelose. HECHT
et al. (1988) observaram, in
vitro, que a toxina A, em contato com células
epiteliais, promovem alterações estruturais no citoesqueleto
e abertura das junções intercelulares. Esse fato poderia contribuir
para o aumento da permeabilidade epitelial. O sistema nervoso
entérico parece atuar no início do processo inflamatório sob a ação de citocinas pró-inflamatórias. Terminações nervosas
sensoriais presentes na submucosa liberam neurotransmissores (substância
P e peptídeo relacionado ao gene da calcitonina) que atuam em mastócitos, os quais contribuem para o recrutamento de
neutrófilos (CASTAGLIUOLO et
al., 1994). O Clostridium perfringens tipo A e C são os agentes responsáveis por
infecções entéricas e diarréias em leitões neonatos. As infecções
causadas pelo C. perfringens tipo C, produtor
das toxinas a e ß, são mais graves que o tipo A (SONGER & UZAL,
2005). As lesões causadas pelo tipo C ocorrem por ação direta sobre
os enterócitos na região do jejuno e,
por conseguinte, descamação, invasão e proliferação bacteriana a
partir da membrana basal. Microscopicamente, podem ser observadas
extensas áreas de necrose, envolvendo células das criptas, lâmina
própria, submucosa e até camadas musculares (ARBUCKLE, 1972). Desse modo,
mecanismos efusivos, caracterizados pela intensa perda
de eletrólitos, proteínas e sangue para a luz intestinal,
são determinantes na patogênese da diarréia. As infecções por C. perfringens tipo A geralmente não são caracterizadas
por lesões macro ou microscópicas. Eventualmente, pode-se observar
presença de colônias bacterianas associadas à superfície apical dos enterócitos. Nesses casos, é possível que a
diarréia esteja associada à ativação de mecanismos secretórios no
epitélio intestinal mediado pelas toxinas α e ß2 (SONGER & UZAL,
2005). Diarréia persistente em animais de recria e terminação tem
sido descrita como uma das manifestações clínicas nas infecções por circovírus suíno tipo 2 (KIM et al., 2004). As lesões são caracterizadas por
infiltração inflamatória granulomatosa associada
à intensa depleção linfóide nas placas de Peyer,
podendo haver envolvimento de linfonodos
mesentéricos (CHAE, 2005). A enterite granulomatosa,
representada macroscopicamente por maior evidenciação das placas de Peyer e aumento de volume da cadeia de linfonodos mesentéricos, possivelmente compromete a
drenagem linfática regional por meio da compressão de capilares
linfáticos, promovendo efusão de fluido para o lúmen
intestinal. Considerando a capacidade de imunossupressão desse patógeno, é provável
que esse tipo de diarréia também envolva agentes bacterianos oportunistas
(JENSEN et al., 2006). No entanto, a patogênese da enterite por circovirus
suíno tipo 2 e os mecanismos fisiopatológicos determinantes para
diarréia ainda não são conhecidos.
CONCLUSÕES.
A partir da avaliação dos processos fisiopatológicos das
principais infecções entéricas de suínos, é possível perceber a variedade
de mecanismos envolvidos na indução das diarréias. As alterações
no transporte de água e eletrólitos, o aumento da permeabilidade da
barreira epitelial e a ativação de processos inflamatórios são os
principais fatores determinantes na patogênese dessas enfermidades.
No entanto, fica claro que esses fatores não atuam de forma isolada e
estão constantemente sob influência local de outros mecanismos. A
compreensão dos mecanismos fisiopatológicos predominantes e que
efetivamente determinam o tipo de diarréia é fundamental para
futura elaboração de estratégias de prevenção e controle dessas
afecções em suínos. Em medicina humana, vem sendo demonstrado que o uso de
probióticos pode diminuir diarréias virais, mas
os mecanismos que governam esse efeito ainda são pouco
conhecidos. Isso demonstra que ainda há um longo caminha a percorrer.