Informativo Técnico Nº. 186

Estudos recentes com enteropatógenos de suínos no Brasil

 

Autor : 

Roberto Maurício Carvalho Guedes *, Aline de M Viott, Eduardo CC Cruz Jr.

 
 

Sumário


Resumo

Estudos avaliando a real importância de enteropatógenos são pouco frequentes no Brasil e em outros países da América Latina. A relevância deste conhecimento está na maior chance de acerto no diagnóstico clínico e consequentemente da recomendação terapêutica e/ou preventiva adotada. É importante salientar a ocorrência de infecções combinadas com dois ou mais patógenos, o que frequentemente dificulta significativamente a implantação de medidas de controle baseado principalmente nas diferenças de sensibilidade microbiana. Neste artigo são demonstrados e discutidos resultados recentes de estudos relacionados à frequência de enteropatógenos em suínos jovens e nas fases de recria e terminação.

Palavras-chave: Suíno; enteropatógenos; frequência.

Introdução

O reconhecimento de patógenos mais frequentes em uma granja, região, estado ou país é extremamente importante para aumentar a chance de um diagnóstico clínico correto, e consequentemente, recomendação terapêutica ou preventiva eficiente. Além disto, quando este conhecimento vem acompanhado de avaliações de sensibilidade antimicrobiana no caso de agentes bacterianos, sua utilidade é ainda mais valorizada. É claro que esta informação não substitui a coleta de amostras e envio para o laboratório para confirmação, mas as medidas imediatas têm de ser tomadas ao final da visita técnica, e é justamente neste momento que estudos de frequência, prevalência ou incidência se fazem necessário.
Dentre as afecções infecciosas que acometem suínos de diferentes faixas etárias, os problemas digestivos, particularmente intestinais que cursam com diarreia, são bastante frequentes e responsáveis por significativas perdas econômicas. Entretanto, estudos da frequência destes agentes infecciosos não são muito numerosos no Brasil e raramente publicados, o que nos força a utilizar informações de dissertações, teses e contribuições em congressos. São quatro as instituições de pesquisa no Brasil que vem desenvolvendo estudos nesta área, sendo eles a Embrapa Suínos e Aves (CNPSA), em Concórdia, no estado de Santa Catarina, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, a Universidade de São Paulo (USP), em São Paulo, São Paulo, e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte, Minas Gerais. É nosso objetivo neste manuscrito relatar e discutir os achados de pesquisa brasileiros mais recentes na área de enteropatógenos em suínos. Para tanto, o texto será dividido em afecções em animais jovens e de recria e terminação.

Animais jovens.

Vários relatos de autoria norte americana e européia vêm demonstrando uma mudança na frequência de patógenos causadores de diarréia em leitões lactentes, com uma diminuição da importância dada a Escherichia coli enterotoxigênica e aumento da frequência de bacilos gram positivos do gênero Clostridium. Exemplo é o caso do trabalho apresentado por Yaeger (2007) no encontro anual de Médicos Veterinários Especialistas em Suínos (AASV). Este estudo foi subdividido em duas etapas. Na primeira, realizou-se uma avaliação retrospectiva dos casos de diarreia em leitões até 10 dias de idade que haviam dado entrada no Laboratório de Diagnóstico Veterinária da Iowa State University, no período de março de 2004 a abril de 2005. Como pode ser visto na Tabela 1, cepas de C. perfringens tipo A, produtores de toxina B2 (detectada por ELISA), foram detectadas em quase 50% das amostras, seguida por

Fig 01

E. coli enterotoxigênica, C. difficile, rotavírus e coccidiose. Em uma segunda etapa, em um estudo prospectivo, foram avaliadas amostras frescas de leitões de até 7 dias de idade que tivessem sido encaminhados vivos e as amostras para teste tivessem sido coletadas rapidamente, assegurando a preservação das amostras. Dos 77 leitões utilizados nesta segunda avaliação, 55 eram animais com diarreia e 22 sadios. Novamente, o gênero Clostridium foi o mais prevalente, entretanto, o C. difficile foi o mais frequentemente detectado, seguido de perto do C. perfringens tipo A, e a distância pelo rotavírus e E. coli enterotoxigênica.
Na primeira tentativa de avaliar a real importância da E. coli como causadora de diarreia em leitões lactentes, Macedo et al., (2007) utilizou a PCR multiplex para amplificação de fatores de virulência em 144 amostras desta bactéria isoladas de leitões. Somente 42 destas amostras possuíam fatores de virulência, representados por genes de fímbrias e/ou toxinas, demonstrando que em menos de 30% dos casos existia potencial envolvimento desta bactéria. Nestas mesmas 42 amostras foi realizada avaliação de sensibilidade antimicrobiana, demonstrando os melhores resultados para o Florfenicol e Ceftiofur sódico. Estes resultados já começaram a demonstrar que também no Brasil, a E. coli enterotoxigênica não teria uma relevância como anteriormente se pensava. Importante salientar que, regionalmente, a informação de sensibilidade antimicrobiana tem valor significativo.
No ano seguinte, Vieira et al., (2008) demonstrou a presença de C. perfringens tipo A, portadoras de gene
de toxina B2, em 4 das 27 amostras destas espécie isoladas e tipificadas em fezes de leitões diarréicos. Neste estudo, foi também utilizada uma técnica de PCR multiplex para os diferentes genes produtores de toxinas em C. perfringens.

Fig 02

Em um trabalho de prevalência de enteropatógenos um pouco mais abrangente, desenvolvido em seu projeto de mestrado na UFRGS, Lippke (2008), avaliou 28 unidades produtoras de leitões (UPLs) no estado do Rio Grande do Sul (Tabela 2). Não foi realizada uma avaliação detalhada da presença de E. coli, mas os agentes mais frequentemente detectados foram Isospora suis, rotavírus, C. difficile e C. perfringens tipo A B2. Ficou demonstrado então o potencial emergente dos Clostridios como agentes envolvidos em diarreias neonatais no Brasil.

Fig 03

Muito recentemente, Costa Cruz Jr (2010) defendeu sua dissertação na UFMG, caracterizando os principais enteropatógenos presentes em 15 granjas com mais de 500 matrizes, localizadas nas regiões do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, Minas Gerais (Tabela 3). Para este estudo foram selecionados quatro leitões até 7 dias de idade de cada granja com histórico de diarreia neonatal. Dentre estes quatro leitões, dois eram sadios clinicamente e os outros dois com diarreia clínica, mas de diferentes leitegadas. A grande dúvida era a importância de detecção do gene B2 em cepas de C. perfringens como marcador de patogenicidade. Além das avaliações microbiológicas realizadas em amostras de fezes, estes animais foram eutanasiados e avaliados macro e microscopicamente para a presença de lesões intestinais. Foram observadas frequências muito baixas de I. suis e E. coli enterotoxigênicas e nenhum amostra positiva para C. perfringens tipo C. A chance de detecção de toxinas A/B de C. difficile foi 2,3 vezes maior em animais com diarreia do que sadios. Além disto, foram observadas lesões histológicas compatíveis com a infecção por C. difficile em cortes histológicos de intestino grosso, caracterizadas por infiltrado neutrofílico intenso associado a erosão superficial de mucosa e diminuição do número de células caliciformes. Existiu também correlação positiva entre a observação de edema de mesocolon em animais diarréicos e a detecção de toxinas A/B deste agente através do teste de Elisa. Estes resultados enfatizam a importância da boa avaliação macroscópica de lesões, bem como a coleta de amostras para exames histopatológicos que são de baixo custo e permitem um direcionamento importante para o diagnóstico. Rotavírus foi detectado somente em fezes de animais com diarreia, demonstrando sua importância como processo indutor de diarreia isoladamente ou em associação a outros agentes. A busca deste agente não deve ser negligenciada no processo diagnóstico de diarreia neonatal. Finalmente, os resultados de detecção do gene B2 como marcador de patogenicidade para o C. perfringens tipo A não demonstraram relação com doença ou lesão intestinal. A maior frequência de detecção do agente com este gene foi no grupo de leitões sadios e não sendo observada nenhuma lesão histológica sugestiva do agente. Assim sendo, a detecção de um real marcador de patogenicidade para C. perfringens tipo A ainda carece investigação.

Fig 04

Animais de recria e terminação

São somente dois os estudos brasileiros recentes sobre a frequência de enteropatógenos envolvidos com diarreia em animais de recria e terminação. O primeiro deles foi publicado há algum tempo (Baccaro et al., 2003). Este estudo conduzido na USP utilizou 541 amostras de fezes provenientes de granjas de vários estados brasileiros (Tabela 4). A única técnica utilizada foi a PCR para detecção de Salmonella sp., Lawsonia intracellularis, Brachyspira hyodysenteriae e B. pilosicoli. L. intracellularis foi o agente etiológico mais frequentemente detectado, estando 17,4 % das vezes presente isoladamente ou em associação com outro agente (co-infecção) e em 13% das amostras isoladamente. Em segundo lugar ficou a Salmonella enterica. Importante salientar que a PCR não diferencia entre os diferentes sorovares de Salmonella, o que indica ter sido a técnica de PCR pouco sensível para a detecção deste agente, uma vez que o suíno é carreador são de um grande número de cepas apatogênicas para esta espécie animal. B. pilosicoli e B. hyodysenteriae vem em terceiro e quarto lugares. Importante salientar que co-infecções foram detectadas em 4,8% das amostras testadas, o que dificulta sobremaneira a conduta terapêutica, já que diferentes patógenos respondem a distintos agentes antimicrobianos. Finalmente, o resultado que chama mais atenção é o fato de que em 75% das amostras não foi possível detectar nenhum dos quatro agentes infecciosos, demonstrando a limitação do uso de somente uma técnica diagnóstica, no caso a PCR, para o diagnóstico de enteropatógenos em suínos.
Uma tese de doutorado, defendida na UFMG (Viot, 2010), avaliou a frequência de enteropatógenos em 46 granjas nas quatro mesoregiões maiores produtoras de suínos no estado de Minas Gerais. Estas granjas foram ainda estratificadas em dois subgrupos: granjas entre 100 e 500 matrizes e granjas acima de 500 matrizes. Amostras de fezes foram coletadas de 10 a 15 animais de 70 a 140 dias de idade, com quadro clínico de diarreia. Estas amostras foram testadas pela PCR multiplex para material genético de L. intracellularis, B. pilosicoli e B. hyodysenteriae. Também foram realizados isolamentos bacterianos para E. coli e Salmonella, seguidos de tipificação pela PCR para fatores de virulência para a primeira e sorogrupos para a segunda. Exame parasitológico de fezes também foi realizado. A Tabela 5 resume os achados deste estudo. Considerando os resultados somente da última coluna (Total), independe da categoria e baseado no número de matrizes, pode-se notar que L. intracellularis estava presente em quase 50% das granjas isoladamente ou em associação com outro agente, tendo sido detectada como agente único em quase 20% das granjas. Salmonela enterica sorovar Typhimurium ficou em segundo lugar com quase 30% das granjas positivas, seguida por E. coli enterotoxigênica. B. pilosicoli somente foi detectada em duas granjas (4,36%), em associação com L. intracellularis em ambas. Em mais de 30% das granjas foi detectado mais de uma agente infeccioso, corroborando os dados obtidos por Baccaro et al., (2003) sobre a importância de co-infecções. B. hyodysenteriae ou ovos de parasitas não foram detectados em nenhuma das amostras testadas. Os resultados deste trabalho demonstram a maior importância da L. intracellularis relacionada a causa mais frequente de diarreia nesta fase. A importância do circovirus suíno tipo 2 (PCV2) como agente causador de enterite foi demonstrado em dois trabalhos brasileiros relacionados especificamente com este agente. No primeiro estudo (Souza et al., 2008) realizou-se uma avaliação do percentual de casos com lesões histológicas compatíveis com circovirose que apresentavam antígeno viral à imuno-histoquímica em diferentes órgãos acometidos. Linfonodos (56,9%) seguidos dos intestinos foram os órgãos com maior frequência de marcação para o PCV2, demonstrando a associação entre lesões e presença de antígeno viral. No segundo estudo, o grupo de Porto Alegre, RS (Zlotowski et al., 2008), pesquisou e demonstrou a presença de antígeno de PCV2 no intestino e linfonodos mesentéricos de 79 suínos de 12 propriedades com quadro clínico de redução de crescimento e diarreia.

Fig 05

Considerações finais

Os resultados demonstrados nos estudos acima citados demonstram a importância e emergência de enfermidades neonatais associadas a bacilos gram positivos, mais especificamente C. difficile e a necessidade da utilização de exames necroscópicos e histológicos para se firmar o diagnóstico, principalmente devido ao fato da dificuldade de aquisição dos kits de ELISA para detecção das toxinas. Realmente, E. coli enterotoxigênica tem uma menor importância quando comparado com dados antigos. Em contra partida, o rotavírus continua tendo impacto significativo no quadro clínico de neonatos. Com relação aos animais de recria e terminação, sem dúvida a L. intracellularis continua sendo o grande desafio para o controle das diarreias nesta fase, mas deve-se atentar para o fato da frequência crescente de co-infecções. Finalmente, fica evidente a necessidade da utilização de diferentes métodos diagnósticos para o adequado estudo de possíveis causas de diarreia em suínos, salientando-se a importância da histopatologia.

Agradecimentos

Os trabalhos executados foram financiados por projetos da FAPEMIG e INCT/IGSPB -CNPq. RMCG é bolsista do programa de Produtividade em Pesquisa do CNPq. 

 

 


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