Autor :
Roberto Maurício Carvalho Guedes *, Aline de M Viott, Eduardo CC Cruz Jr.
Sumário
Resumo
Estudos avaliando a real importância de enteropatógenos
são pouco frequentes no Brasil e em outros países da
América Latina. A relevância deste conhecimento está na maior chance de acerto
no diagnóstico clínico e consequentemente da
recomendação terapêutica e/ou preventiva adotada. É importante salientar a
ocorrência de infecções combinadas com dois ou mais patógenos,
o que frequentemente dificulta significativamente a
implantação de medidas de controle baseado principalmente nas diferenças de
sensibilidade microbiana. Neste artigo são demonstrados e discutidos resultados
recentes de estudos relacionados à frequência de enteropatógenos em suínos jovens e nas fases de recria e
terminação.
Palavras-chave: Suíno; enteropatógenos; frequência.
Introdução
O reconhecimento de patógenos mais frequentes em uma granja, região, estado ou país é
extremamente importante para aumentar a chance de um diagnóstico clínico
correto, e consequentemente, recomendação terapêutica
ou preventiva eficiente. Além disto, quando este conhecimento vem acompanhado
de avaliações de sensibilidade antimicrobiana no caso de agentes bacterianos,
sua utilidade é ainda mais valorizada. É claro que esta informação não
substitui a coleta de amostras e envio para o laboratório para confirmação, mas
as medidas imediatas têm de ser tomadas ao final da visita técnica, e é
justamente neste momento que estudos de frequência,
prevalência ou incidência se fazem necessário.
Dentre as afecções infecciosas que acometem suínos de diferentes faixas
etárias, os problemas digestivos, particularmente intestinais que cursam com diarreia, são bastante frequentes
e responsáveis por significativas perdas econômicas. Entretanto, estudos da frequência destes agentes infecciosos não são muito
numerosos no Brasil e raramente publicados, o que nos força a utilizar
informações de dissertações, teses e contribuições em congressos. São quatro as instituições de pesquisa no Brasil que vem
desenvolvendo estudos nesta área, sendo eles a Embrapa Suínos e Aves (CNPSA),
em Concórdia, no estado de Santa Catarina, a Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS), em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, a Universidade de São Paulo
(USP), em São Paulo, São Paulo, e a Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), em Belo Horizonte, Minas Gerais. É nosso objetivo neste
manuscrito relatar e discutir os achados de pesquisa brasileiros mais recentes
na área de enteropatógenos em suínos. Para tanto, o
texto será dividido em afecções em animais jovens e de recria e terminação.
Animais jovens.
Vários relatos de autoria norte americana e
européia vêm demonstrando uma mudança na frequência
de patógenos causadores de diarréia em leitões
lactentes, com uma diminuição da importância dada a Escherichia
coli enterotoxigênica e
aumento da frequência de bacilos gram
positivos do gênero Clostridium. Exemplo é o caso do
trabalho apresentado por Yaeger (2007) no encontro
anual de Médicos Veterinários Especialistas em Suínos (AASV). Este estudo foi
subdividido em duas etapas. Na primeira, realizou-se uma avaliação retrospectiva
dos casos de diarreia em leitões até 10 dias de idade
que haviam dado entrada no Laboratório de Diagnóstico Veterinária da Iowa State University,
no período de março de
E. coli enterotoxigênica,
C. difficile, rotavírus e coccidiose. Em uma segunda etapa, em um estudo prospectivo,
foram avaliadas amostras frescas de leitões de até 7 dias de idade que tivessem
sido encaminhados vivos e as amostras para teste tivessem sido coletadas
rapidamente, assegurando a preservação das amostras. Dos 77 leitões utilizados
nesta segunda avaliação, 55 eram animais com diarreia
e 22 sadios. Novamente, o gênero Clostridium foi o
mais prevalente, entretanto, o C. difficile foi o
mais frequentemente detectado, seguido de perto do C.
perfringens tipo A, e a distância pelo rotavírus e E. coli enterotoxigênica.
Na primeira tentativa de avaliar a real importância da E. coli como causadora de diarreia
em leitões lactentes, Macedo et al., (2007) utilizou
a PCR multiplex para amplificação de fatores de
virulência em 144 amostras desta bactéria isoladas de leitões. Somente 42
destas amostras possuíam fatores de virulência, representados por genes de
fímbrias e/ou toxinas, demonstrando que em menos de 30% dos casos existia
potencial envolvimento desta bactéria. Nestas mesmas 42 amostras foi realizada
avaliação de sensibilidade antimicrobiana, demonstrando os melhores resultados
para o Florfenicol e Ceftiofur
sódico. Estes resultados já começaram a demonstrar que também no Brasil, a E. coli enterotoxigênica
não teria uma relevância como anteriormente se pensava. Importante salientar
que, regionalmente, a informação de sensibilidade antimicrobiana tem valor
significativo.
No ano seguinte, Vieira et
al., (2008) demonstrou a presença de C. perfringens
tipo A, portadoras de gene
de toxina B2, em 4 das 27 amostras destas espécie isoladas e tipificadas em
fezes de leitões diarréicos. Neste estudo, foi também utilizada uma técnica de
PCR multiplex para os diferentes genes produtores de
toxinas em C. perfringens.
Em um trabalho de prevalência de enteropatógenos
um pouco mais abrangente, desenvolvido em seu projeto de mestrado na UFRGS, Lippke (2008), avaliou 28 unidades produtoras de leitões (UPLs) no estado do Rio Grande do Sul (Tabela 2). Não foi
realizada uma avaliação detalhada da presença de E. coli, mas os agentes mais frequentemente
detectados foram Isospora suis, rotavírus,
C. difficile e C. perfringens
tipo A B2. Ficou demonstrado então o potencial emergente dos Clostridios como agentes envolvidos em diarreias
neonatais no Brasil.
Muito recentemente, Costa Cruz Jr (2010) defendeu sua dissertação
na UFMG, caracterizando os principais enteropatógenos
presentes em 15 granjas com mais de 500 matrizes, localizadas nas regiões do
Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, Minas Gerais (Tabela 3). Para este estudo
foram selecionados quatro leitões até 7 dias de idade de cada granja com
histórico de diarreia neonatal. Dentre estes quatro
leitões, dois eram sadios clinicamente e os outros dois com diarreia
clínica, mas de diferentes leitegadas. A grande dúvida era a importância de
detecção do gene B2 em cepas de C. perfringens como
marcador de patogenicidade. Além das avaliações
microbiológicas realizadas em amostras de fezes, estes animais foram eutanasiados e avaliados macro e microscopicamente para a
presença de lesões intestinais. Foram observadas frequências
muito baixas de I. suis e E.
coli enterotoxigênicas
e nenhum amostra positiva para C. perfringens tipo C.
A chance de detecção de toxinas A/B de C. difficile
foi 2,3 vezes maior em animais com diarreia do que
sadios. Além disto, foram observadas lesões histológicas compatíveis com a
infecção por C. difficile em cortes histológicos de
intestino grosso, caracterizadas por infiltrado neutrofílico
intenso associado a erosão superficial de mucosa e
diminuição do número de células caliciformes. Existiu também correlação
positiva entre a observação de edema de mesocolon em
animais diarréicos e a detecção de toxinas A/B deste agente através do teste de
Elisa. Estes resultados enfatizam a importância da boa avaliação macroscópica
de lesões, bem como a coleta de amostras para exames histopatológicos que são
de baixo custo e permitem um direcionamento importante para o diagnóstico. Rotavírus foi detectado somente em fezes de animais com diarreia, demonstrando sua importância como processo
indutor de diarreia isoladamente ou em associação a
outros agentes. A busca deste agente não deve ser negligenciada no processo
diagnóstico de diarreia neonatal. Finalmente, os
resultados de detecção do gene B2 como marcador de patogenicidade
para o C. perfringens tipo A não demonstraram relação
com doença ou lesão intestinal. A maior frequência de
detecção do agente com este gene foi no grupo de
leitões sadios e não sendo observada nenhuma lesão histológica sugestiva do
agente. Assim sendo, a detecção de um real marcador de patogenicidade
para C. perfringens tipo A ainda carece investigação.
Animais de recria e terminação
São somente dois os estudos brasileiros recentes sobre a frequência de enteropatógenos
envolvidos com diarreia em animais de recria e
terminação. O primeiro deles foi publicado há algum tempo (Baccaro
et al., 2003). Este estudo
conduzido na USP utilizou 541 amostras de fezes provenientes de granjas de
vários estados brasileiros (Tabela 4). A única técnica utilizada foi a PCR para
detecção de Salmonella sp., Lawsonia intracellularis, Brachyspira hyodysenteriae e B. pilosicoli.
L. intracellularis foi o agente etiológico mais frequentemente detectado, estando 17,4 % das vezes presente
isoladamente ou em associação com outro agente (co-infecção) e em 13% das
amostras isoladamente. Em segundo lugar ficou a Salmonella
enterica. Importante salientar que a PCR não diferencia
entre os diferentes sorovares de Salmonella,
o que indica ter sido a técnica de PCR pouco sensível para a detecção deste
agente, uma vez que o suíno é carreador são de um grande número de cepas apatogênicas para esta espécie animal. B. pilosicoli e B. hyodysenteriae
vem em terceiro e quarto lugares. Importante salientar que co-infecções foram
detectadas em 4,8% das amostras testadas, o que dificulta sobremaneira a
conduta terapêutica, já que diferentes patógenos
respondem a distintos agentes antimicrobianos. Finalmente, o resultado que
chama mais atenção é o fato de que em 75% das amostras não foi possível
detectar nenhum dos quatro agentes infecciosos, demonstrando a limitação do uso
de somente uma técnica diagnóstica, no caso a PCR, para o diagnóstico de enteropatógenos em suínos.
Uma tese de doutorado, defendida na UFMG (Viot,
2010), avaliou a frequência de enteropatógenos
em 46 granjas nas quatro mesoregiões maiores
produtoras de suínos no estado de Minas Gerais. Estas granjas foram ainda
estratificadas em dois subgrupos: granjas entre 100 e 500 matrizes e granjas
acima de 500 matrizes. Amostras de fezes foram coletadas de
Considerações finais
Os resultados demonstrados nos estudos acima
citados demonstram a importância e emergência de enfermidades neonatais
associadas a bacilos gram positivos, mais
especificamente C. difficile e a necessidade da
utilização de exames necroscópicos e histológicos para se firmar o diagnóstico,
principalmente devido ao fato da dificuldade de aquisição dos kits de ELISA
para detecção das toxinas. Realmente, E. coli enterotoxigênica tem
uma menor importância quando comparado com dados antigos. Em contra partida, o rotavírus continua tendo impacto significativo no quadro
clínico de neonatos. Com relação aos animais de recria e terminação, sem dúvida
a L. intracellularis continua sendo o grande desafio
para o controle das diarreias nesta fase, mas deve-se
atentar para o fato da frequência crescente de
co-infecções. Finalmente, fica evidente a necessidade da utilização de
diferentes métodos diagnósticos para o adequado estudo de possíveis causas de diarreia em suínos, salientando-se a importância da histopatologia.
Agradecimentos
Os trabalhos executados foram financiados por projetos da FAPEMIG
e INCT/IGSPB -CNPq. RMCG é bolsista do programa de
Produtividade em Pesquisa do CNPq.