Autor : Nelson Morés (Pesquisador
da Embrapa Suínos e Aves); Janice Ciacci Zanella
A situação sanitária global do rebanho suíno brasileiro é muito
boa. Estudos epidemiológicos envolvendo as principais regiões produtoras de
suínos ainda são escassos. Mudanças do perfil epidemiológico das doenças podem
ser observadas. Hoje as principais doenças que afetam os rebanhos suínos são
multifatoriais e virais imunosupressoras, somadas à
preocupação dos consumidores quanto à segurança dos alimentos e bem estar
animal, reforçando a importância da adoção de instalações e medidas de manejo.
Corpo:
Introdução
A situação
sanitária global do rebanho suíno brasileiro é muito boa quando comparada à
situação dos países maiores produtores de suínos. A evidência disso está nos
índices produtivos alcançados pelos nossos rebanhos tecnificados,
que são semelhantes a de outros países onde a
suinocultura é desenvolvida. Os pesquisadores e veterinários que atuam na
suinocultura brasileira possuem uma boa idéia dos problemas sanitários
existentes, especialmente na região de atuação de cada um. Infelizmente, no
Brasil, com exceção das Granjas de Reprodutores Suídeos
(GRSC) e de algumas das doenças listadas pela Organização Internacional de
Epizootias (OIE), os estudos epidemiológicos envolvendo as principais regiões
produtoras de suínos, para muitas das doenças de ocorrência enzoótica,
ainda são escassos. O que existem são estudos pontuais envolvendo determinadas
regiões ou grupo de produtores. As doenças enzoóticas,
também denominadas de doenças de rebanho, existem na grande maioria das granjas
tecnificadas de produção de suínos e o objetivo maior
é mantê-las num nível baixo de ocorrência de tal forma que provocam baixo
impacto nos índices produtivos. Também, existem infecções nos suínos que não
provocam doença clínica, mas são importantes na segurança dos alimentos, como
exemplo algumas sorovares de Salmonellas.
Mudanças do perfil epidemiológico das doenças dos suínos podem ser observadas.
Anos atrás as doenças mais significativas eram doenças bacterianas, que eram
resolvidas com tratamentos antimicrobianos. Atualmente as principais doenças
que afetam os rebanhos suínos são multifatoriais e virais/ imunosupressoras,
que causam elevada morbidade, mortalidade variável, maior resistência dos patógenos e, principalmente, redução no desempenho com
aumento no custo de produção. Observa-se também maior exigência dos
consumidores quanto a segurança dos alimentos e bem
estar animal. Isso reforça a importância da adoção de instalações e medidas de manejo adequadas para prevenir doenças e sua disseminação.
As informações
que serão fornecidas a seguir são opiniões dos autores e resultados de
pesquisas epidemiológicas.
Classificação das doenças segundo a OIE
Em Maio de 2005 foi aprovada uma proposta de criação de uma lista
única de doenças terrestres notificáveis. Esta proposta foi desenhada e
discutida por um grupo de especialistas internacionais e pelo Comitê da OIE de
Padrões de Saúde Animal Terrestres (OIE Terrestrial Animal Health Standards
Commission).
Este novo
sistema prescreve quatro principais modos de reportar as doenças animais:
A manutenção de
uma doença previamente incluída nas listas A ou B em uma lista única, deletando ou adicionando uma nova doença para a lista, foi
baseado em quatro critérios básicos, como: disseminação internacional;
disseminação significante dentro da população nativa; potencial de ser zoonose;
e doença emergente.
Doenças da
lista do OIE:
Nas regiões abaixo dos Estados de Sergipe, Bahia, Tocantins e Mato
Grosso, inclusive, o Brasil é considerado livre de febre aftosa com vacinação
(exceto Santa Catarina onde a vacinação é proibida). Os últimos casos de febre
aftosa, atingindo basicamente o rebanho bovino, ocorreram em 2000-2001 no Rio
Grande do Sul, que não utilizava a vacinação, os quais foram erradicados por
abate sanitário. Desde então, esse Estado passou a vacinar o rebanho bovino
contra a febre aftosa. Esta mesma região, abaixo dos Estados citados, é
considerada também livre para a peste suína clássica sem vacinação. O último
caso da doença nesta região ocorreu no estado de São Paulo em 1988, o qual
também foi erradicado por abate sanitário. A peste suína africana ocorreu no
Brasil na década de 80, foi erradicada por abate sanitário e desde então não houveram mais relatos da doença.
As doenças triquinelose, encefalomielite por vírus Nipah,
a PRRS e a gastroenterite transmissível ainda não
foram diagnosticadas no Brasil.
Doenças
de controle oficial nas granjas GRSC
Todas as
granjas de suídeos que comercializam ou distribuem
animais para reprodução, sejam elas granjas núcleos ou multiplicadoras, são
monitoradas semestralmente para peste suína clássica, doença de Aujeszky, tuberculose e brucelose e leptospirose, no caso
de não utilizar vacina. Para que essas granjas possam vender ou distribuir seus
animais elas devem estar livres para as doenças monitoradas.
Em granjas
comerciais as prevalências da brucelose e tuberculose são muito baixas. A
tuberculose, identificada pelo serviço de inspeção de carnes no abate dos
suínos, aparece em aproximadamente de 0,002% dos
suínos abatidos. A linfadenite granulomatose,
causada por micobactérias do complexo avium, aparece em menos de 0,5% dos suínos abatidos.
Levantamentos sorológicos realizados no plantel de reprodutores em algumas
regiões do Brasil e nas granjas GRSC apontam que a brucelose suína não se
constitui em um problema sanitário na suinocultura tecnificada.
Síndrome
Reprodutiva e Respiratória dos Suínos (PRRS)
Vários estudos
epidemiológicos foram realizados no Brasil a partir de 1995, principalmente em
plantéis de granjas que importaram suínos e das granjas GRSC, e não foi
possível identificar o vírus da PRRS ou a doença clínica. Os testes sorológicos
(ELISA) utilizados nestes estudos são muito sensíveis e não se constatou a
infecção nos rebanhos brasileiros. Portanto, até o momento não existem
evidências sorológicas e/ou virológicas da presença
desta doença no Brasil.
Doença
de Aujeszky
A doença de Aujeszky existe no rebanho brasileiro desde 1912 e em
determinadas regiões ocorre de forma esporádica. No Brasil a vacinação contra a
doença de Aujeszky é permitida. Para controle oficial
é somente permitido o uso de vacinas deletadas para a glicoproteína
gE viral. Em Santa Catarina,
onde a infecção até a década de 90 atingia cerca de 1% das criações, a partir
de 2001 foi implantado um programa de erradicação da infecção nos rebanhos
suínos, que também foi seguido pelos outros Estados da região Sul. Nessa região
não existem relatos da doença nos últimos 12 meses, comprovando o sucesso do
programa. Programas de erradicação semelhantes para esta infecção estão sendo implementados em outros Estados onde a suinocultura tecnificada é importante.
Doenças
importantes na segurança dos alimentos
Salmonelose
A salmonelose clínica por Salmonella
cholerasuis é rara nos rebanhos tecnificados
do Brasil. Entretanto, os suínos se infectam com uma variedade de sorovares, que não causam a doença clínica, mas podem ser
importantes fontes de contaminação para os produtos finais. A prevalência
destes sorovares nos suínos de abate é maior que 50%
e as sorovares mais freqüentes são a Typhimurium, Agona, Derbey, Bredney e Panamá. A S. Typhimurium é a segunda mais importante nas infecções
alimentares em humanos. Isto enfatiza a necessidade e importância de implementar programas de controle, tanto nas unidades
produtoras como no transporte, abate e interior dos abatedouros.
Toxoplasmose
Na espécie suína a toxoplasmose pode causar danos reprodutivos
como aborto, repetição de cio, natimortalidade e natimorbidade, mas o problema mais importante é na
segurança dos alimentos. A espécie suína tem merecido atenção especial de
epidemiologistas por ser importante reservatório e fonte de infecção às
populações humanas. Os felídeos são os únicos hospedeiros definitivos do
Toxoplasma. gondii, eliminam
os cistos nas fezes e podem infectar várias outras espécies animais. Neste
aspecto, o gato doméstico que convive nas instalações de suínos, em especial
nas fábricas de rações, representa um enorme risco para o suíno, que faz o
ciclo intermediário da doença e, consequentemente,
pode infectar humanos.
A prevalência da toxoplasmose suína no Brasil pode variar de
região para região, conforme os hábitos sócio-culturais, fatores geográficos e
climáticos. Vários estudos epidemiológicos foram realizados em criatórios de
suínos de vários Estados e foram encontradas soroprevalências
que variaram de 1,16% a 51.25% dos suínos examinados.
Doenças
enzoóticas ou de rebanhos importantes na obtenção de
bons índices produtivos
Doenças
entéricas
Enteropatia Proliferativa dos suínos (EPS)
As estimativas de perdas econômicas, a prevalência e a real
importância da EPS são pouco conhecidas no mundo, inclusive no Brasil. Estudos
sorológicos de prevalência realizados em diferentes países mostram índices de
Disenteria suína
No Brasil, com exceção de um trabalho realizado no Rio Grande do
Sul, onde a B. hyodysenteriae foi isolada em 5 de 319
amostras de fezes de leitões com diarréia, existem somente relatos clínicos
individuais ou de descrições de técnicas de diagnóstico e controle. A doença
pode ocasionar 10% a 90% de piora na conversão alimentar e entre 13% a 62% de
redução no ganho de peso. Com o uso rotineiro de drogas na alimentação de
suínos, com atuação sobre as Brachyspira,
especialmente nas décadas de 80 e 90, esta patologia reduziu drasticamente sua
importância nos rebanhos brasileiros, porém, nos últimos anos nota-se certa
emergência na colite espiroquetal.
A colite espiroquetal causada pela Brachyspira pilosicoli tem sido
diagnosticada na maioria dos países produtores de suínos. No Brasil há poucos
relatos da ocorrência desta infecção, embora leitões em crescimento-terminação
aparecem, com freqüência, com diarréia sugestiva da doença. Um estudo realizado
no Rio Grande do Sul, no ano de 2000 em 17 granjas, identificou a B. hyodisenteriae em seis granjas e a B. pilosicoli
em sete.
Meningite por Streptococcus suis
Esta doença foi
diagnosticada no Brasil em 1980 e atualmente atinge de forma enzoótica a maioria das granjas tecnificadas.
Em 2001 houve uma classificação sorológica das amostras de Streptococcus
suis isoladas de casos clínicos de rebanhos brasileiros e os mais prevalentes
foram os sorotipos 2, 1 e 13, mas um expressivo número de amostras isoladas não
foram sorotipadas com os sorotipos conhecidos. É
importante salientar o potencial existente, embora raro, do S.suis
afetar seres humanos que trabalham com suínos, tanto na produção como no abate
de suínos infectados.
Doenças
respiratórias
As doenças respiratórias dos suínos se apresentam de forma enzoótico e estão difundidas na maioria das criações
brasileiras, causando severos prejuízos econômicos. Entre
O isolamento do Haemophilus parasuis, agente da doença de Glässer,
em criações de suínos do Brasil é comum. Os sorotipos mais freqüentes são
1, 4, 5, e 12, porém os 15 sorovares conhecidos foram
encontrados. Destes sorotipos mais freqüentes, o 4 é
de média virulência e os demais de alta virulência. Além disso, 8,7% das cepas
isoladas não puderam ser tipificados entre as 15 sorovares.
A doença de Glässer é uma das enfermidades mais
freqüentes em suínos acometidos da circovirose.
A pleuropneumonia suína por Actinobacillus pleuropneumoniae (App) é importante em algumas criações brasileiras,
especialmente em grandes terminadores que não fazem vazio sanitário ou em granjas grandes de ciclo
completo. Em estudo soroepidemiológico de amostras de
soros, colhidos entre
Circovirose
Esta doença foi diagnosticada no Brasil no ano 2000. Desde então
ela ocorre de forma endêmica na suinocultura tecnificada,
afetando principalmente leitões no final da fase de creche e no primeiro mês de
crescimento. A mortalidade geralmente fica entre 3% a 10%, mas pode atingir até
35%. No Brasil ainda não existem estudos para verificar a freqüência da doença
em regiões ou mesmo no país. Na opinião dos autores, atualmente, é a doença que
causa maior impacto econômico na suinocultura brasileira. Estimativas baseadas
em dados não publicados apontam uma freqüência da doença em 62,05% das creches
e 66,75% das terminações de granjas tecnificadas, com
taxas de mortalidade variando de 2% a 10%. Além disso, a circovirose
por ser uma doença imunossupressora deixa os suínos mais vulneráveis a outros
agentes que provocam doenças respiratórias e entéricas, aumentando os prejuízos.