Informativo Técnico nº 217

Efeito da Extrusão e Umidade sobre a Digestibilidade do Milho em Dietas para Suínos

Fábio Enrique Lemos Budiño
Zootecnista, DSc.
Pesquisador Científico
Instituto de Zootecnia - CPDZD/APTA/SAA
fbudino@iz.sp.gov.br 
 

1.        Introdução

  Ao se submeterem os alimentos a qualquer tipo de processamento, aquecimento por exemplo, um dos principais objetivos é a melhoria na digestibilidade e, ou, na disponibilidade dos nutrientes.

O nível de melhoria na digestibilidade dos nutrientes de alimentos processados depende do próprio alimento, do tipo de processamento, do tempo e temperatura de aquecimento, da umidade do alimento, do tamanho da partícula e do nível de inclusão do alimento na ração, entre outros (Moreira et al. , 1994).

O milho, um cereal rico em amido (aproximadamente, 72%), pobre em fibras (<2%), de boa palatabilidade e elevada disponibilidade no mercado, é considerado o mais importante componente energético nas rações de suínos.  

2.        Milho Extrusado x Digestibilidade

  A extrusão de grãos de milho aumenta a gelatinização e a superfície de área dos grânulos de amido, o qual melhora a palatabilidade de dietas baseadas neste cereal (Mercier, 1980). O milho quando adequadamente processado por calor, tem a digestibilidade de seus nutrientes melhorada, principalmente a da energia. O mesmo ocorrendo com outros cereais como sorgo e cevada (Moreira et al. , 1994).

Moreira et al. (1994) conduziram ensaios de digestibilidade com leitões desmamados aos 21 dias e com peso inicial médio de 5,90 kg, com o objetivo de estudar o valor nutritivo do milho comum e do milho extrusado (Tabela 1).

  Tabela 1.Composição química e valor energético do milho comum e milho extrusado (expressos na matéria natural).

 

MS

(%)

PB

(%)

   EB

Mcal/kg

EE

(%)

FB

(%)

Ca

(%)

Pt

(%)

Lis

(%)

Milho

Comum

 

  88,0

 

  7,8

 

  3,9

 

  2,9

 

  2,0

 

  0,03

 

  0,36

 

  0,21

Milho

Extrusado

 

  94,0

 

  8,5

 

  4,1

 

  2,1

 

  2,0

 

  0,02

 

  0,29

 

  0,23

Adaptado de Moreira et al. (1994).

A extrusão do milho, nas condições experimentais, não melhoraram a digestibilidade, uma vez que os dados de digestibilidade dos nutrientes foram similares (P>0,05) aos obtidos para o milho não processado (Tabela 2). Estes resultados diferem dos obtidos por Herkelmam et al. , (1990) que verificaram melhoria na digestibilidade da energia do milho extrusado em suínos de 20 kg (Tabela 3).

Tabela 2. Coeficientes de digestibilidade dos nutrientes para leitões desmamados.

 

 

CDMS

(%)

CDPB

(%)

CDEB

(%)

CDEE

(%)

CDFB

(%)

Milho

Comum

 

       83,71

 

      47,55

 

      80,60

 

      65,35

 

      47,95

Milho

Extrusado

 

      85,54

 

      51,05

 

     84,64

 

      67,97

 

     47,44

                Adaptado de Moreira et al. (1994).

Herkelmam et al. (1990) ainda constataram, através do balanço nitrogenado, que não houve influência do processamento do milho na digestibilidade do nitrogênio (N retido ou N absorvido) (Tabela 4).

Mais recentemente Hongtrakul et al. (1998) trabalharam com leitões desmamados (aos 10 dias de idade e 5,0 kg PV) recebendo dietas peletizadas formuladas com milho comum (controle) ou milho extrusado. Os autores verificaram que no período total do estudo (0 aos 14 dias, pós-desmama) houve um maior ganho de peso diário nos animais alimentados com dieta contendo milho extrusado (227g x 259g para milho comum e extrusado, respectivamente). Apesar deste resultado não foi observada diferença estatística no consumo diário, acarretando uma melhor conversão alimentar para o grupo controle (Tabela 5).

Tabela 3. Coeficientes de digestibilidade dos nutrientes para suínos de 20 kg.

 

 

Milho Comum*

Milho Extrusado

MS (%)

86,09

87,62

PB (%)

81,45

82,20

FB (%)

40,76

44,49

EE (%)

76,64

79,54

ENN (%)

92,74a

93,65b

ED (%)

85,64a

87,70b

EM (%)

83,68a

85,63b

             * letras distintas na mesma linha diferem sig. (P< 0,05).

Adaptado de Herkelman et al. (1990).

              

Tabela 4. Balanço nitrogenado aparente das dietas para suínos de 20 kg.

 

 

 

Milho Comum

Milho Extrusado

N consumido (g/d)

23,32

22,91

N urina (g/d)

7,41

7,39

N fecal (g/d)

4,32

4,10

N absorvido (g/d)

19,00

18,82

N retido (g/d)

11,05

11,56

                 Adaptado de Herkelman et al. (1990).

  Os animais alimentados com dieta contendo milho extrusado apresentaram uma melhor digestibilidade da matéria seca (MS), do nitrogênio (N) e da energia (EB) do que o grupo controle (P<0,01) (Tabela 5).

Baseado nas variações das respostas observadas no processo de extrusão do milho, Hongtrakul et al. (1998) realizaram um estudo, onde testaram o grau de gelatinização do amido do milho extrusado sobre o desempenho de leitões desmamados (aos 21 dias de idade e 6,8 kg PV). Os animais foram alimentados com dietas apresentando vários graus de gelatinização (de 14,5% até 89,3%) por 18 dias pós-desmama. Em relação ao desempenho dos leitões foi verificada uma relação quadrática entre o grau de gelatinização e o ganho de peso (P<0,04) e consumo diário (P<0,01). Esta mesma relação (quadrática) ocorreu entre os diversos graus de gelatinização e a digestibilidade aparente da MS, do N e da EB (Tabela 6).

 Tabela 5. Efeito do processamento do milho sobre o desempenho de leitões recém-desmamados.

  Milho Comum* Milho Extrusado
0 ao 7o d

Ganho, g/d

Consumo, g/d

Conversão

159a

141a

1.13a

 

172a

150a

1,15a

0 ao 14o d

Ganho, g/d

Consumo, g/d

Conversão

 

227a

249a

0,91a

 

 

259b

259a

1,00b

Digest. Apar. (%)

(d 14)

 

 

MS

89,8a

90,9b

N

85,8a

88,4b

EB

90,4a

91,7b

                  Adaptado de Hongtrakul et al. (1998).

                               *letras distintas na mesma linha diferem sig. (P< 0,05).

 

  Tabela 6. Efeito da gelatinização do amido sobre o desempenho de leitões recém-desmamados.

 

 

Gelatinização do Amido (%)

 

P<

 

 

14,5

 

38,7

 

52,7

 

64,4

 

89,3

 

LIN

 

QUA

0 ao 18o dia

Ganho, g/d

Consumo, g/d

Conversão

 

353

476

0,74

 

322

443

0,73

 

316

444

0,71

 

303

407

0,74

 

 

339

465

0,73

 

.38

.15

.84

 

.04

.01

.77

Dig. Apar. (%)

(14 dias)

MS

N

EB

 

 

77,8

69,4

76,6

 

 

84,1

79,7

84,4

 

 

81,5

77,0

81,7

 

 

84,6

81,1

85,3

 

 

81,7

75,9

82,1

 

 

.01

.01

.01

 

 

.01

.01

.01

      Adaptado de Hongtrakul et al. (1998).

 Estes resultados podem ser explicados pelo fenômeno químico chamado “retrogradation” (Hoseney, 1986). A “retrogradation” do amido (formação de beta-amilose e amilopectina cristalizada) pode diminuir a habilidade das enzimas (amilases) para quebrar as ligações do amido e converte-lo em carboidratos mais solúveis, incluindo a glicose. Embora a gelatinização do amido melhore a digestibilidade dos carboidratos, a “retrogradation” pode diminuir a digestibilidade do amido no intestino delgado. Além disso, dietas com um alto grau de gelatinização podem danificar ou queimar o amido (reação de Maillard), podendo diminuir a disponibilidade de aminoácidos e vitaminas. Um grau de gelatinização intermediário (38 a 64%) pode ser benéfico para a digestibilidade, um alto grau de gelatinização pode ser necessário quando se quer melhorar a palatabilidade da dieta (Hongtrakul et al. , 1998).

  3.        Milho Úmido x Digestibilidade

        Os custos mais elevados utilizados na secagem de grãos, particularmente o milho, têm estimulado a estocagem deste cereal em um estado de alta umidade (20 a 28%). Algumas pesquisas têm estudado os diferentes métodos de estocagem e regimes alimentares utilizando o milho úmido em dietas para suínos.

A estocagem prolongada do milho úmido é acompanhada de uma redução do pH. Isto ocorre devido à fermentação biológica bacteriana durante a ensilagem ou pela adição de compostos acidificantes. A fermentação biológica causa uma redução no pH e um aumento do ácido láctico devido a fermentação dos carboidratos solúveis. A adição de ácidos artificiais não permiti a fermentação bacteriana, mas simplesmente reduz o pH (Engelke et al. , 1984).

Holmes et al. (1973) estudaram a digestibilidade de dietas contendo milho seco, milho + ácido acético, milho + ácido propiônico e milho ensilado em suínos de 30 kg PV. Na análise química dos diversos tipos de milho (Tabela 7) observou-se que os milhos conservados com a adição de ácidos orgânicos apresentaram uma quantidade menor de amido total, implicando em uma maior quantidade de glicose livre devido a ação hidrolítica do ácido acético e propiônico.

Tabela 7. Análise dos tipos de milho, baseadas na matéria seca.

 

 

N

(mg/g)

 

E B

(kJ/g)

Amido

Total

(mg/g)

Glicose

Livre

(mg/g)

Milho Seco

30,8

18,5

626,7

0,68

MU + Ác. Acético*

31,6

18,4

575,1

7,10

MU + Ác. Propiônico

31,2

18,5

581,2

7,96

Milho Ensilado

29,9

18,5

622,0

1,86

              * MU = milho úmido

              Adaptado de Holmes et al. (1973).

 Este efeito refletiu-se no metabolismo dos animais, onde o milho conservado com ácidos orgânicos apresentou uma maior digestibilidade da MS, seguido do milho ensilado e do milho seco. Comportamento semelhante foi observado na digestibilidade da energia e do nitrogênio (Tabela 8).

Tabela 8. Digestibilidade da MS, da EB e do N de suínos alimentados com dietas baseadas em milho úmido.

 

 

Digestib. MS

(%)

Digestib. EB

(%)

Digestib.

 N

(%)

Milho Seco*

82,9a

81,7a

81,3a

MU + Ác. Acético

87,8b

86,8b

87,4b

MU + Ác. Propiônico

87,7b

87,0b

87,0b

Milho Ensilado

86,1c

85,7b

84,7c

            *letras distintas na mesma coluna diferem sig. (P< 0,05

              Adaptado de Holmes et al. (1973)

  Asche et al. (1986) conduziram um ensaio de metabolismo com suínos pesando em média 35 kg para determinar o efeito do milho úmido sobre a digestibilidade da matéria seca, da energia e do nitrogênio. Os autores observaram que a digestibilidade da matéria seca do milho seco foi melhor que a do milho úmido (Tabela 9).  Esta diferença seria devida ao fato de que teriam ocorrido altas perdas na matéria seca durante o processo de fermentação do milho úmido, o qual teria sido colhido mais precocemente que o milho seco utilizado neste ensaio. Além disso, Asche et al. (1986) verificaram que não houve diferença na digestibilidade da energia entre os milhos (seco e úmido) e que o milho úmido apresentou uma melhor digestibilidade do nitrogênio, o que sugere que o processo de fermentação tem um efeito benéfico no metabolismo nitrogenado.

Tabela 9. Efeito do tipo de milho sobre a digestibilidade da MS, da energia e do N em suínos em crescimento.

 

 

Milho Seco*

Milho Úmido

Consumo MS, g/d

1064

1065

Digestibilidade MS, %

86,0a

84,4b

EB consumida, kcal/d

4634a

4736b

EMa, kcal/kg

3574

3552

N consumido, g/d

28,0

28,3

Digestibilidade N, %

81,0a

83,0b

*letras distintas na mesma linha diferem sig. (P< 0,05).

Adaptado de Asche et al. (1986).

A melhor digestão das dietas com milho úmido pode ser resultado da “pré-digestão” do grão, uma penetração maior das enzimas digestivas ou de um maior tempo de retenção da digesta (Holmes et al. , 1973). Jones et al. (1970) citado por Holmes et al. (1973) verificaram uma maior solubilidade do nitrogênio em milho ensilado do que em milho seco, o que sugere que o ataque das enzimas digestivas nos compostos nitrogenados ocorre mais rapidamente no milho úmido. Além disso, as dietas formuladas com milho úmido apresentam uma melhor palatabilidade, o que se reflete em um maior consumo destas pelos suínos, como foi demonstrado por Engelke et al. (1984) (Tabela 10).

Tabela 10. Desempenho de suínos em crescimento alimentados com dietas contendo milho seco ou milho úmido.

 

Milho

Seco

Milho

Úmido

CV

(%)

Ganho, kg

0,66

0,70

4,51

Consumo, kg*

2,26a

2,47b

0,79

Conversão

3,42

3,56

3,80

                     *letras distintas na mesma linha diferem sig. (P< 0,05).

                     Adaptado de Engelke et al. (1984).

4.        Conclusões

  ·          Tipo e parâmetros dos processamentos influenciam o valor nutricional do milho e a idade do suíno também influencia o valor energético.

·          O efeito da extrusão do milho sobre a digestibilidade é influenciada pelo grau de gelatinização do amido.

·          A digestibilidade do milho úmido é influenciada pelo método de armazenamento do mesmo.

  5.        Referências Bibliográficas

  Asche, G.L., Crenshaw, J.D., Lewis, A.J., et al. Effect of dry, high-moisture and reconstituted normal and high-lysine corn diets and particle size on energy and nitrogen metabolism in growing swine. J. Anim. Sci., v. 63, p. 131-138, 1986.

  Engelke, G.L., Jurgens, M.H., Speer, V.C. Performance of growing-finishing swine fed high-moisture or artificially dried corn in complete and free-choice diets. J. Anim. Sci., v. 58, n. 6, p. 1307-1312, 1984.

  Herkelman, K.L., Rodhouse, S.L., Veum, T.L., et al. Effect of extrusion on the ileal and fecal digestibilities of lysine in yelow corn in diets for young pigs. J. Anim. Sci., v. 68, p. 2414-2424, 1990.

  Holmes, J.H.G., Bayley, H.S., Horney, F.D. Digestion and absorption of dry and high-moisture maize diets in the small and large intestine of the pig. Br. J. Nutr., v. 30, p. 401-410, 1973.

  Hongtrakul, K., Goodband, R.D., Behnke, K.C., et al. The effects of extrusion processing of carbohydrate sources on weanling pig performance. J. Anim. Sci., v. 76, p. 3034-3042, 1998.

  Hoseney, R.C. Gelling and retrogradation. In: Principles of Cereal Science and Technology, p. 54-55. American Association of Cereal Chemists, Inc., St. Paul, MN, 1986.

  Mercier, C. Structure and digestibility alterations of cereal starches by twin-screw extrusion cooking. In: P. Linli, Y. Malkki, J. Olkku, and J. Larinkari (Ed.) Food Process Engineering. Vol. I. Food Process Systems. p. 795-807. Applied Science Publishers, New York, 1980.

  Moreira,  I., Rostagno, H.S., Coelho, D.T. et al. Determinação dos coeficientes de digestibilidade, valores energéticos e índices de controle de qualidade do milho e soja integral processados a calor. Rev. Bras. Zoot. , v. 23, n. 6, p. 916-929, 1994.


<--Voltar