Publicado o: 26/02/2013
Autor : Carlos Caneppele e
Maria Aparecida Braga Caneppele do Núcleo de
Tecnologia em Armazenagem, Departamento de Agronomia, Faculdade de Agronomia e
Medicina Veterinária, Universidade Federal de Mato Grosso -UFMT-, MT; Larissa Fatarelli Bento e Patrícia de Jesus Andrade da Faculdade de
Agronomia e Medicina Veterinária, UFMT, MT; Maria Cristina de Figueiredo e
Albuquerque do Laboratório de Sementes, Departamento de Fitotecnia e Fitossanidade, Faculdade de Agronomia e Medicina
Veterinária, UFMT, MT, e Leimi Kobaya
Sumário
RESUMO
Os danos causados por fungos em grãos de milho consistem na redução da
qualidade nutritiva e interferência na classificação comercial, representando
um risco para a segurança alimentar. Com o objetivo de identificar e
quantificar os fungos detectados e verificar a ocorrência de aflatoxinas em grãos de milho armazenados,
foram analisadas 84 amostras, referentes às safras 2009 e 2010,
provenientes de diferentes municípios localizados nas regiões Norte, Sul, Leste
e Oeste do estado de Mato Grosso. A determinação dos fungos foi realizada por
meio da técnica de incubação em papel filtro (Blotter
test), e a detecção e quantificação das aflatoxinas por cromatografia líquida de alta eficiência
(CLAE). Foram identificados os gêneros dos fungos Fusarium,
Aspergillus, Penicillium, Cladosporium, Nigrospora, Epicocum, Rhizopus, Cercospora e Curvularia. Os grãos
de milho apresentaram contaminação fúngica
principalmente por Fusarium, Aspergillus
e Penicillium em ambas as safras analisadas. Nas 84
amostras analisadas, a ocorrência de aflatoxinas foi
evidenciada em 19,04% das amostras da safra 2009, e 23,80% da safra 2010
apresentaram contaminação cujos valores variaram de 1 μg/kg
a 108,7 μg/kg.
Palavras-chave. patógenos, micotoxinas, sanidade.
INTRODUÇÃO
Os grãos de milho podem ter sua qualidade comprometida direta ou indiretamente
pela infecção fúngica e pela produção de micotoxinas,
que ocasionam danos à saúde tanto humana quanto animal1,2.
Geralmente, a infecção e a deterioração dos grãos podem ocorrer ainda no
campo, agravando-se durante as operações de colheita, transporte, secagem,
beneficiamento e armazenamento, resultando na redução da qualidade sanitária,
física e nutricional dos grãos e seus derivados3,4.
Entre os prejuízos causados pelos fungos está o emboloramento
visível, a descoloração, o odor desagradável, a perda de matéria seca, o
aquecimento, as mudanças químicas e nutricionais, além da produção de compostos
tóxicos, as micotoxinas3,5. Essa
contaminação pode fazer com que grãos tornem-se impróprios para o consumo
humano e animal, resultando em grandes perdas econômicas.
Dentre os vários fungos responsáveis pela deterioração de grãos na
pré-colheita e, depois, durante o armazenamento, destacam-se os do gênero Fusarium spp.,
Aspergillus spp. e Penicillium spp.
Esses fungos, além de causarem severos danos aos grãos, são conhecidos também
pelo seu elevado potencial em produzir micotoxinas6.
As micotoxinas são metabólitos
secundários tóxicos produzidos por fungos filamentosos, que, quando ingeridos,
são prejudiciais à saúde humana e animal, além de apresentarem elevada
atividade mutagênica, carcinogênica e teratogênica9,10.
Para a agricultura, já foram identificadas mais de quinhentas micotoxinas11.
Entretanto, as de maior importância são responsáveis pelos maiores índices de
contaminação de grãos, sementes e outros alimentos, como: as aflatoxinas, produzidas por fungos do gênero Aspergillus, como A. flavus e A. parasiticus; as ocratoxinas,
produzidas por algumas espécies do gênero Aspergillus
e Penicillium, e as fusariotoxinas,
que possuem como principais representantes os tricotecenos,
a zearalenona e as fumonisinas,
produzidas por diversas espécies do gênero Fusarium4,11.
Os fungos toxigênicos em alimentos, em particular
de maior prevalência no milho, apontam a predominância dos fungos dos gêneros Fusarium, Aspergillus e Penicillium2,6,12. Os principais
fatores que favorecem o crescimento desses micro-organismos em cereais
armazenados são: alta umidade relativa do ar, teor de água do substrato e
temperatura de armazenamento3,4,11.
Com a abertura do mercado chinês e de outros mercados para
importação de carne suína e de aves, com um controle de qualidade mais rígido
pelas indústrias com a matéria-prima utilizada, pesquisas avaliando a
contaminação fúngica e a produção de micotoxinas em
grãos e alimentos são importantes para que sejam tomadas medidas para prevenção
desta infecção, evitando riscos alimentares.
O presente trabalho teve por objetivo identificar e quantificar a incidência
de fungos e verificar a ocorrência de aflatoxinas em
grãos de milho armazenados, provenientes de diferentes municípios, localizados
nas regiões Norte, Sul, Leste e Oeste do estado de Mato Grosso.
MATERIAL E MÉTODOS
Coleta das Amostras
Foram avaliadas 84 amostras de grãos de milho, provenientes de unidades
armazenadoras de diferentes municípios das regiões Norte, Sul, Leste e Oeste do
estado de Mato Grosso, referente às safras 2009 e 2010. Essas unidades foram
selecionadas por representarem a capacidade média estática de cada município.
O processo de amostragem foi baseado em normas estabelecidas pelo Ministério
da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA) para grãos de milho armazenados
a granel. Amostragens foram realizadas após as etapas de limpeza e secagem,
quando os grãos já apresentavam o período de trinta dias de armazenamento, com
o auxílio de um calador e em vários pontos da massa
de grãos. As amostras coletadas, de
Todas as amostras, antes de serem armazenadas em câmara fria, já
apresentavam teores de água considerados seguros para o armazenamento de grãos
de milho, abaixo de 13%.
Identificação fúngica dos grãos de milho
A microbiota fúngica dos
grãos foi determinada pelo teste de sanidade, pelo método de incubação em papel
filtro (Blotter Test),
segundo a metodologia proposta por Neergaard,
modificada, com restrição hídrica por Machado et al.13. Para cada amostra de milho,
foram utilizadas 8 subamostras de 25 grãos. Esses grãos
foram desinfestados superficialmente com hipoclorito
de sódio a 2% por dois minutos e lavados em água destilada esterilizada. Em
seguida, os grãos foram colocados de forma equidistantes
em placas de Petri, contendo duas folhas de papel de
filtro umedecidas com solução de cloreto de sódio (NaCl) a -1,0 MPa. As placas
foram incubadas em temperatura de 22 ±
Os dados de quantificação dos fungos foram submetidos aos testes de Lilliefors (p < 0,05), para verificar se os valores
seguiram a distribuição normal, e de Cochran e Bartlett (p < 0,05), para verificar a homogeneidade de
variâncias. As médias foram submetidas a análise de
variância e comparadas estatisticamente pelo teste de Scott & Knott (p < 0,05) utilizando o software SAEG 5.0.
Detecção e quantificação de aflatoxinas
totais em grãos de milho
A extração e a quantificação das aflatoxinas (B1,
B2, G1 e G2) foram feitas segundo Mallmann et
al.14. As aflatoxinas foram quantificadas
e identificadas pela metodologia automatizada de extração e purificação em fase
sólida e de derivação com auxílio de um sistema automatizado de amostras (ASPEC
XL) acoplado a cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE).
A extração foi realizada juntando-se
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A identificação dos patógenos revelou uma
porcentagem de grãos com incidência fúngica variando
de 0% a 100%, em ambas as safras 2009 e 2010 (Figuras 1 e 2), prevalecendo Fusarium, Aspergillus e Penicillium como gêneros mais importantes envolvidos na
produção de micotoxinas.
Figura 1. Incidência
fúngica em 42 amostras de grãos de milho provenientes
de diferentes municípios do estado de Mato Grosso, safra 2009.
Figura 2. Incidência
fúngica em 42 amostras de grãos de milho provenientes
de diferentes municípios do estado de Mato Grosso, safra 2010.
Outros trabalhos avaliando a microbiota fúngica e espécies produtoras de micotoxinas em grãos de
milho em diferentes regiões do Brasil apontaram a predominância dos mesmos gêneros5,15-19. Os fatores abióticos,
tais como o teor de umidade nos grãos de milho, a atividade de água, a
precipitação e a temperatura do ar foram determinantes para o nível da
incidência fúngica.
Além da incidência de Fusarium spp., Aspergillus spp.
e Penicillium spp., em menor proporção viu-se a incidência de fungos dos
gêneros Cladosporium, Nigrospora,
Epicoccum, Rhizopus, Cercospora e Curvularia nas
amostras das safras 2009 e 2010.
De acordo com as Figuras 1 e 2, também pode-se
notar uma variação na incidência entre os três gêneros de fungos. As análises
dos grãos de milho das safras 2009 e 2010 evidenciaram que a incidência de Aspergillus e Penicillium ficou
concentrada nas faixas de 0-20% e 20- 40% de contaminação, respectivamente.
Para Fusarium, a incidência ficou concentrada na
faixa de 20-40% e 40-60% (safra 2009) e 40-60% e 60-100% (safra 2010),
indicando um potencial de contaminação relativamente maior das amostras por
este gênero.
O Fusarium é considerado um fungo de campo, que
invade os grãos e sementes durante o amadurecimento, em que as condições de
temperatura e umidade são mais elevadas, favoráveis para seu desenvolvimento.
Entretanto, não se desenvolvem durante o armazenamento, exceto ocasionalmente
em grãos de milho armazenados com alto teor de umidade e/ou que foram
reumidificados20. Como as amostras já apresentavam um teor de água considerado
seguro para o armazenamento, a contaminação por Fusarium
ocorreu ainda no campo, o que justifica a incidência desse gênero.
A maior incidência do gênero Fusarium, seguido de Aspergillus e Penicillium, em
grãos de milho foi evidenciada também em outras pesquisas5,15,19,
diferindo de outras investigações em que a ordem de incidência desses três
gêneros e a proporção de contaminação verificadas foram outras, como demonstram
os trabalhos de Adebajo et
al.21, Asêvedo et
al.22, Pozzi et
al.23 e Orsi et
al.16.
Os fungos dos gêneros Aspergillus e Penicillium são considerados fungos de armazenamento, que
necessitam de teores de umidade entre 13% e 18%, sendo sua incidência pouco frequente durante o crescimento da planta no campo e nos
grãos recém-colhidos3,4,24. As
amostras da safra 2009 e 2010 apresentaram contaminação por esses gêneros,
sugerindo que os mesmos possam ter contaminado os grãos ainda no campo, já que
as amostras armazenadas apresentavam teores de água desfavoráveis para seu
desenvolvimento. A presença desses fungos são indicadores de deterioração de
sementes e grãos, além da possibilidade de produção de micotoxinas25,26.
A identificação de espécies fúngicas contaminantes
é um importante sinalizador da presença de micotoxinas nos substratos e indica
o caminho para prevenir sua produção23, assim como para evitar riscos
alimentares.
Aflatoxinas
Os resultados das análises de aflatoxinas (B1+B2
+G1 + G2) nas 84 amostras de grãos de milho das diferentes regiões do estado de
Mato Grosso mostraram 21,4% de contaminação positiva para aflatoxinas
(Tabela 1).
Na safra 2009, foi detectada a presença de aflatoxinas
totais em 8,3% das amostras da região Norte, 25% da região
Sul, 16,7% da região Leste e 33,33% da região Oeste. Os níveis de
contaminação variaram de
Tabela 1. Ocorrência
de aflatoxinas em grãos de milho em municípios de
diferentes regiões de Mato Grosso, safras 2009 e 2010
Na safra 2010, não foi detectada presença de aflatoxinas
totais nas amostras das regiões Norte e Sul. Na região Oeste, 30% das amostras apresentou aflatoxinas totais com
baixos níveis de contaminação. No entanto, na região Leste, 58,33% das amostras
apresentou ocorrência de aflatoxinas, em níveis que
ultrapassaram de forma significativa o limite máximo permitido pela legislação
(Tabela 1).
No Brasil, outros trabalhos também relataram a ocorrência de aflatoxinas em milho e seus derivados, com porcentagens de
contaminação variáveis de 1,5% a 100% e níveis de
Dos diferentes fatores que podem influenciar o crescimento de fungos toxigênicos e a produção de aflatoxinas,
a umidade relativa, a temperatura e o teor de água são reportados como os principais3,4,15. Considerando-se que
os grãos de milho analisados encontravam-se com teores
de água definidos como seguros para o armazenamento após etapas de
beneficiamento, a incidência do fungo aflatoxigênico
e a produção de aflatoxinas nos grãos de milho
ocorreram devido a infecção no campo.
Esse fato foi constatado por Cortês et
al.35, quando 28,57% das amostras de milho retiradas de lavouras do
estado de Mato Grosso apresentou nível médio de aflatoxinas
de 12,35 μg/kg, indicando que o milho no ponto
de colheita já apresentava contaminação por aflatoxinas.
Ramos et al.36
avaliaram a ocorrência natural das aflatoxinas (B1,
B2, G1 e G2) em grãos de milho do estado de Goiás (Jataí, Montividiu
e Goiânia) e verificaram que os grãos já apresentavam aflatoxinas
em níveis de
Com a abertura de novos mercados para exportação e produção de alimentos, a
preocupação com riscos alimentares e com o desenvolvimento de patologias, a
qualidade sanitária da matéria-prima produzida – como exemplo, o milho –
torna-se prioritária e necessária.
CONCLUSÃO
Grãos de milho com boa condição física também podem apresentar contaminação
por fungos de potencial toxigênico.
A contaminação dos grãos foi devida principalmente aos fungos dos gêneros Fusarium, Aspergillus e Penicillium.
A presença do fungo aflatoxigênico e a produção de
aflatoxinas ocorreram a partir da infecção dos grãos
de milho em condições de campo.
Os níveis de contaminação das amostras pela aflatoxina
B1 foram maiores em relação às aflatoxinas B2, G1 e
G2.
As amostras da região Leste safra 2010 apresentaram níveis de contaminação
acima do limite oficial (20 μg/kg) permitido
pelo Ministério da Saúde/ Anvisa
e o MAPA.
AGRADECIMENTOS
À Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato Grosso (Aprosoja), pela concessão de auxílio financeiro à pesquisa.
À CAPES, pela concessão de bolsa de fomento.