Autor : Juliano Corulli Corrêa,
pesquisador da Embrapa Suínos e Aves, Concórdia, SC; Juliana Barilli, professora da Fundação Universidade Federal do
Tocantins, Gurupi, TO; Agostinho Rebellatto,
professor do Instituto Federal Campus Concórdia, Concórdia, SC, e Milton da
Veiga, Engenheiro Agrônomo, técnico da Empresa de Pesquisa Agropecuária e
Extensão Rural de Santa Catarina, Campos Novos, SC.
A carne suína
é a fonte de proteína animal mais importante no mundo, sendo o Brasil o quarto
maior produtor, com 2,9% do total, e o sexto consumidor em termos absolutos,
com 2,2% do total (MIELLE; WAQUIL, 2007; BRASIL, 2011). No entanto, a criação
de suínos confinados, preponderantemente adotada nas unidades produtoras do
Brasil, é uma exploração pecuária concentradora de dejetos, os quais, se não
forem manejados adequadamente, possuem alta carga poluidora para o solo, ar e
água (KONZEN, 2005; BARILLI, 2005). Este sistema de produção agropecuário toma
proporções ainda maiores na região Sul do país, onde o rebanho de suínos tem
sua maior representação numérica, econômica e tecnológica.
Como os nutrientes do solo, responsáveis pelo
crescimento das plantas, sempre estarão em harmonia na relação solo-planta-atmosfera, respeitando o princípio da Lei da
Conservação das Massas, que impõem que “durante o processo
químico há somente a transformação das substâncias reagentes em outras
substâncias, sem que haja perda nem ganho de matéria” (LAVOISIER, 1789), a
utilização dos dejetos de suínos como fonte de nutrientes ao sistema de
produção agrícola torna-se uma prática agrícola ambientalmente correta, desde
que obedecidos os critérios técnicos de recomendação para sua aplicação
no solo.
Em sistemas de produção de alimentos, pastagens
ou reflorestamento, onde os nutrientes são exportados para outros locais e/ou
perdidos pela lixiviação, erosão e volatilização, ou ainda se tornam
indisponíveis às plantas por processos de fixação aos colóides. O solo torna-se
cada vez mais ácido e deficiente em um ou vários de seus elementos, resultando
em menor fertilidade do solo e, consequentemente,
menor produtividade das culturas. Vale ressaltar que essa depreciação da
fertilidade do solo pode acontecer de forma ainda mais rápida se não forem utilizadas práticas conservacionistas de manejo do solo e da água.
A recomendação para que os
solos voltem a produzir adequadamente é adotar práticas agrícolas
que melhorem as características químicas do solo, como a correção da
acidez e o fornecimento de nutrientes pela adubação química e/ou orgânica,
favorecendo com que o solo retome o equilíbrio entre os nutrientes e
possibilitando a melhor absorção desses pela planta, interferindo
positivamente na produtividade.
Entre as formas de adubação orgânica para o
fornecimento de nutrientes ao solo, a aplicação de dejeto líquido de
suínos (DLS) vem se destacando como alternativa, podendo ser utilizada na
adubação de culturas produtoras de grãos, fruticultura, pastagens, reflorestamento
e mesmo para recuperação de áreas degradadas (MENEZES et al., 2009; SEGANFREDO, 2007). Sua utilização
na agricultura toma importância ainda maior em razão do aumento do rebanho
de
suínos ao longo dos anos e, principalmente, nas áreas de produções
concentradas próximas às agroindústrias, onde há disponibilidade de
volumes grandes de dejetos (PANDOLFO et
al., 2008).
Entre as alternativas para reciclagem do DLS,
pode-se citar a sua transformação em fertilizante fluído, em soluções ou
suspensão (fórmulas comerciais como 4-14-8), viabilizando economicamente
o transporte a longas distâncias. Outra opção seria a compostagem de dejetos em leiras estáticas com cama de
maravalha ou de outros materiais, como a fitomassa de pastagens ou de plantas de coberturas, na
qual são adicionados dejetos até que seja atingida a capacidade máxima de
sua absorção.
A aplicação de DLS no solo possibilita o
fornecimento de macro e micronutrientes, devendo para isso se
conhecer a composição do dejeto para calcular o volume a ser aplicado em
função do sistema de culturas utilizado. Assim, a dosagem de DLS
deverá ser calculada em função da exigência nutricional da cultura,
conforme a expectativa de produção e a fertilidade do solo (adubação de
manutenção e de correção), ou considerando-se a reposição da
exportação de nutrientes pela cultura (adubação de manutenção).
A aplicação de DLS de forma indiscriminada
resultará em riscos de impacto ambiental negativo, especialmente pela
possibilidade de ocorrer contaminação do solo e das águas superficiais e
subterrâneas (BERTO, 2004; MENEZES et
al, 2007). A gravidade dessa contaminação
dependerá da composição dos dejetos, das doses aplicadas no solo, da
capacidade de extração e exportação das culturas, do tipo de solo e
das quantidades aplicadas cumulativamente (SEGANFREDO, 2000 e 2007).
Andrade et al.
(2002), estudando a dinâmica da água no solo, concluíram que, com a
aplicação de DLS, lâminas significativas de percolação profunda foram
observadas, indicando um caminho potencial para contaminação das
águas subterrâneas.
Outro fator que deve ser levado em
consideração para a aplicação de DLS no solo diz respeito à
sua composição química muito variável (Tabela 1), sendo esta
influenciada por vários fatores, como raça, idade, alimentação e eventuais
tratamentos dos animais, além de outros. Entre os fatores que
podem sofrer maior interferência do criador estão a
qualidade e a quantidade de alimentos, pois quanto mais rica a
alimentação, mais ricas as dejeções. No que diz respeito aos nutrientes
contidos nas rações ingeridas pelos suínos, entre
Tabela 1. Teores totais de nutrientes em amostras de dejeto líquido
de suínos
Fonte:
Adaptado de Seganfredo (2007).
Aplicações frequentes
de DLS podem resultar no excesso de alguns elementos, promovendo o
desequilíbrio químico, físico e biológico do solo. Isso pode resultar na
absorção desbalanceada desses pela planta, além da seletividade de espécies
vegetais e alterações na diversidade e funcionalidade dos microrganismos do
solo (SEGANFREDO, 2000; 2007). Em estudo de Seganfredo
(2007), realizado para predizer a necessidade de áreas agrícolas para aplicação
de DLS, foram encontrados valores de
Vale ressaltar que, em condições de pH
do solo acima de 5,0 em CaCl2 a 0,01M e de 5,5 em H2O
(1:1), considerado adequado para a maioria das culturas, o N amoniacal
poderá
ser adsorvido às cargas negativas do solo em razão de sua
elevada concentração
na solução, o que o deixaria em situação
favorável para ligação aos sítios de
troca nos colóides do solo em relação aos
cátions Ca2+, Mg2+ e K+ (PHILLIPS e
SHEERAN, 2005). Esse aspecto, possivelmente, pode possibilitar maior
absorção
pelas plantas e diminuir a nitrificação pelos
microrganismos do solo e, assim, evitar a lixiviação do nitrato (N-NO3-) ao
longo do perfil. O nitrato, por apresentar carga negativa e o solo apresentar
cargas predominantemente de mesmo sinal na faixa de pH
recomendada para as culturas, apresenta alta mobilidade no solo, podendo ser
facilmente lixiviado para camadas mais profundas
(AITA e GIACOMINI, 2008; MENEZES et al., 2007), atingndo assim, as águas subterrâneas através da água
de drenagem interna do solo em períodos com taxa de precipitação superior à evapotranspiração.
De acordo com STEINFELD et al. (2006), das 30 milhões de toneladas de N
aplicadas anualmente na forma de dejetos de animais nos vários sistemas de
produção agrícola, estima-se que 12 milhões sejam perdidos por volatilização na
forma do gás amônia (NH3). Adicionalmente, FAO (2006) sugere que a perda de N
por volatilização na forma de NH3 é de aproximadamente 23% quando da aplicação
de dejetos animais no solo, apontando que esse valor pode ser utilizado tanto
para uma estimativa global como em situação específica. No entanto, esses
percentuais são ainda maiores nos trópicos, em razão da elevada temperatura ambiente,
podendo alcançar de
O fósforo se constitui em outro nutriente que
pode provocar a poluição do ambiente, mesmo com a elevada capacidade dos solos
tropicais em adsorver o fósforo em sítios específicos nos óxidos de ferro e de
alumínio. Esta situação pode ocorrer quando da aplicação de DLS em doses
excessivas e/ou continuadas, que pode resultar em grande acúmulo desse
nutriente, principalmente na camada superficial do solo, como determinado por Scherer et
al. (2007) em um Latossolo Vermelho após três anos de
aplicação de doses de dejetos líquidos de suínos na superfície. Nesse caso, há
risco de contaminação de mananciais superficiais de água na eventualidade de
ocorrência de erosão nas lavouras, quando esses nutrientes são transportados
juntamente com os colóides do solo (MORI et al., 2009), constituindo-se em uma fonte de
contaminação difusa.
Para evitar esse problema, na
definição das taxas a serem aplicadas anualmente deve-se levar em consideração
o tipo de solo, principalmente no que diz respeito à capacidade de adsorver P,
e o sistema de culturas, pois as plantas podem não absorver toda a quantidade
desse nutriente adicionada pelos dejetos, além de exportarem pequena quantidade
quando a finalidade é produzir apenas grãos (SEGANFREDO, 2007). Caso seja constatado alto teor disponível e/ou total desse
nutriente no solo, deverá ser suspensa a aplicação de P, não só através de DLS
como também de fertilizantes solúveis, pois esse nutriente pode ser
transportado pela erosão, associado aos colóides do solo, até os mananciais
superficiais de água, podendo causar sua eutrofização. Esse
processo corresponde ao desenvolvimento elevado de fito e zooplâncton
e redução da disponibilidade de oxigênio, resultando na mortandade de peixes e
outros animais aquáticos. A lixiviação de P até águas subterrâneas pode ocorrer
quando aplicadas doses elevadas de DLS na superfície de solos com baixo teor de
argila, como observado por Basso et al. (2005) em um Argissolo
Espessarênico.
Entre os micronutrientes, o Cu e o Zn
são os mais
prováveis de se acumularem no solo em teores elevados, porque
são utilizados em
grande quantidade na ração de leitões. O Zn
é adicionado às rações em até 2.400
mg kg-1, com o objetivo de
eliminar distúrbios gastrointestinais provocados pelo desmame (MENTEN et al., 1992; CRISTANI, 1997). No entanto, a aplicação de
doses elevadas desse nutriente no solo parece não prejudicar o desenvolvimento
das culturas, conforme determinado por Ernani et al. (2001) em trabalho com aplicação de DLS e
óxido de zinco, quando verificaram que a adição de até 150 mg
kg-1 de Zn em Latossolo Vermelho distroférrico
não ocasionou toxidez desse nutriente no estado inicial de crescimento do
milho, demonstrando que a faixa entre suficiência e a toxidez de Zn nesse solo
é ampla.
Como já mencionado, na maioria dos solos com pH em CaCl2 0,01M superior a 5,0, há predominância de cargas
negativas na superfície dos colóides de solos com maior incidência de cargas
dependentes de pH (solos tropicais intemperizados). Há preferência ou especificidade dos sítios de troca desses
colóides por determinado cátion ou ânion, sendo que os micronutrientes catiônicos
são adsorvidos por ligações do tipo covalente aos colóides, formando complexos
de esfera-interna (MEURER, 2006) e tornando-se parte intrínseca do mesmo, o que
determina a quantidade que o solo pode reter de cada um deles ao longo do tempo
(WIETHÖLTER, 2007). Portanto, a taxa de aplicação de dejetos deve ser
definida respeitando sempre as taxas máximas para cada tipo de solo e sistema
de culturas, utilizando-se como critério para definição da quantidade a aplicar
o seu periódico monitoramento através da análise de solo em amostras coletadas
em diferentes profundidades.
Os fatores que contribuiriam para a redução dos
impactos negativos da aplicação continuada de DLS no solo são o condicionamento
ao emprego de sistemas de fermentação capazes de reduzir os riscos sanitários,
o qual atua para a mineralização dos nutrientes e a
diminuição do potencial de organismos patogênicos, e o emprego de práticas
agronômicas conservacionistas, destacando-se aquelas voltadas para a manutenção
da qualidade do solo e das águas superficiais e subterrâneas (SEGANFREDO, 2007).Segundo Alvarenga et al. (2002),
que estudaram as perdas de solo e água por escoamento superficial em solo com
aplicação de DLS, a rotação e a sucessão de culturas, juntamente com a camada
de palha, são práticas de manejo conservacionistas importantes para a
imobilização temporária de nutrientes, reduzindo o risco de perdas por
lixiviação e escoamento superficial.
Trabalhos com aplicação de DLS na cultura do
milho têm demonstrado que esse resíduo pode substituir a adubação química. Seganfredo (1998), estudando a aplicação de DLS em Chernossolo em Santa Catarina, e Konzen
(2003), em Latossolo Vermelho em Goiás, verificaram
que os dejetos seriam capazes de suprir integralmente a demanda de nitrogênio
para alcançar produtividade de
A aplicação de dejetos de suínos melhora as
propriedades químicas, físicas e biológicas do solo (BARILLI, 2005),
contribuindo de forma decisiva para o aumento da sua fertilidade e, consequentemente, para a maior produtividade agrícola.
Assim, os dejetos de suínos devem e podem ser reciclados no solo, de forma que
sejam transformados em insumo agrícola útil e econômico com um mínimo de
agressão ambiental (KONZEN, 2003).
A matéria orgânica do solo (MOS) e os
dejetos de suínos
A adição de material orgânico
nos solos, na forma de esterco animal ou de compostos orgânicos, influencia
positivamente todas as propriedades do solo, aumentando a capacidade de troca
catiônica, a disponibilidade de nutrientes para as culturas, a complexação de elementos tóxicos e micronutrientes,
aspectos fundamentais em solos tropicais altamente intemperizados
e ácidos (SANTOS e CAMARGO, 1999). Também proporcionam
a melhoria na estrutura, caracterizada pela diminuição de densidade do solo,
aumento da porosidade e da taxa de infiltração de água, além de aumentar direta
e indiretamente a capacidade do solo de armazenar água na faixa de tensão
disponível para as plantas (KIEHL, 1985), características fundamentais para a
capacidade produtiva dos solos tropicais e subtropicais.
A MOS é fonte fundamental de nutrientes para as
plantas, podendo ser utilizada como critério básico para as recomendações de
nitrogênio para as culturas, o que é feito em particular nas recomendações
oficiais dos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, sendo atribuída
uma taxa de mineralização de 5% do total da MOS para a quantidade de N disponível (ANGHINONI, 1985). Barilli (2005), trabalhando em Latossolo
Vermelho distroférrico, constatou maior teor de MOS
até
Fonte: Adaptado de Barilli (2005)
Figura 1. Perfis de teor de
matéria orgânica no solo em floresta e em sistema de produção de café com
diferentes tempos de aplicação de dejeto líquido de suínos
Com relação ao fracionamento da matéria orgânica, a aplicação dos dejetos de
suínos interfere no teor de suas três frações químicas principais, que são o
ácido fúlvico, o ácido húmico
e a humina. Barilli (2005)
demonstrou que a aplicação de DLS na cultura do café por 26 anos promoveu
pequena redução no teor de ácido húmico e aumento
considerável nos teores de ácido húmico e humina em relação às médias dessas frações ao longo do
perfil do solo (Figura 2). A presença de maiores teores de humina
em relação aos ácidos fúlvicos e húmicos
permite inferir que a matéria orgânica se encontra no seu estado mais avançado
de humificação. A matéria orgânica na fração humificada, além de fazer parte da matriz do solo na forma
de colóides orgânicos, exerce significativos efeitos nas suas propriedades e,
também, direta ou indiretamente, sobre as plantas e organismos.
Fonte: Adaptado de Barilli (2005)
Figura 2. Frações da matéria
orgânica no solo em floresta e em sistema de produção de café com diferentes
tempos de aplicação de dejeto líquido de suínos.
As propriedades físicas do solo e
aplicação de dejetos de suínos
A incorporação ao solo de esterco de animais ou
de outros materiais orgânicos, em condições adequadas de umidade, pode promover
efeitos benéficos nas características físicas do solo, como aumento da
estabilidade de agregados, microporosidade e retenção
de água (HAFEZ, 1974). No entanto, esse efeito depende da classe de textura do
solo, sendo que os solos arenosos, que apresentam geralmente
menor estabilidade, respondem mais do que solos argilosos, geralmente com maior
estabilidade, muitas vezes sendo necessárias aplicações durante vários anos
para que as diferenças sejam detectadas (WEIL e KROONTJE, 1979).
Castro Filho et al. (2003), avaliando o potencial fertilizante do
DLS e as alterações nas propriedades físicas de solos argilosos de diferentes
classes texturais, verificaram que a aplicação de
doses crescentes proporcionou melhoria na agregação do solo, o que eles
atribuíram ao aumento no teor de carbono orgânico no solo, que resultou em
aumento na taxa de infiltração de água. Piccolo e Mbagwu
(1990) observaram que a adição de DLS em solo arenoso resultou em aumento da
estabilidade dos agregados em 34%, enquanto que no solo argiloso não houve
resposta significativa. Aumento na porosidade do solo após aplicação de DLS foi
observado por Pagliai et al. (1985) e Pagliai e Antisari (1993), consequência
principalmente do aumento do volume de macroporos.
Com a adição de dejetos de suínos ao solo por
tempo prolongado foi observada diminuição nos valores de densidade na maior
profundidade do solo amostrada no trabalho de Barilli
(2005) (Figura 3). Este resultado pode ser atribuído ao maior
teor de matéria orgânica observada nessa profundidade do solo (Figura 1), cujo
efeito pode se expressar tanto pela formação e estabilização de agregados como
pela redução da densidade média das partículas do solo, uma vez que a MOS apresenta
densidade específica menor do que as partículas minerais. A diminuição
na densidade do solo como resultado da adição de resíduos orgânicos ao solo
também é referida por Santos e Camargo (1999). O limite máximo tolerado da
densidade do solo para não causar prejuízo ao crescimento das raízes das
plantas pode ser estimado pelo teor de argila do solo (REICHERT et al., 2007). Para solos
argilosos, esse limite se situa entre 1,2 e
Fonte: Adaptado de Barilli (2005)
Figura 3. Perfis de densidade do
solo em floresta e em sistema de produção de café com diferentes tempos de
aplicação de dejeto líquido de suínos.
O teor de água retida no solo sob tensão de 0,006 MPa, que corresponde ao
armazenamento de água nos microporos (poros com
diâmetro menor que 50 μm) e, aproximadamente, a
umidade na capacidade de campo, também sofre influência da aplicação de dejetos
de suínos. Barilli (2005) observou perfis de retenção
de água diferenciados entre o uso do solo sob floresta e com a aplicação de
DLS, não observando tendência de variação com o tempo de aplicação (Figura 4).
A diferença observada entre o uso sob mata e o uso sob lavoura provavelmente
está relacionada com distribuição de diâmetro de poros e o teor de carbono
orgânico do solo.
Fonte: Adaptado de Barilli (2005)
Figura 4. Teor de água retida no
solo na tensão 0,006 MPa em
floresta e em sistema de produção de café com diferentes tempos de aplicação de
dejeto líquido de suínos.
A macroporosidade do
solo, assim como a densidade e a retenção de água no solo, também é afetada pela
aplicação de DLS. Esse efeito pode ser observado no trabalho de Barilli (2005), a qual denota que houve aumento na macroporosidade do solo nas camadas entre 5–10 cm e 40–60
cm (Figura 5). Estes resultados são similares aos obtidos por Pagliai e Antisari (1993). O
aumento da macroporosidade é particularmente
importante porque influencia no crescimento das raízes, infiltração de água e
aeração no solo. Valores de porosidade de aeração inferiores a 0,10 dm3 dm-3 têm sido referidos como
limitantes ao crescimento radicular, embora esse limite dependa, também, do
tipo de planta e da atividade biológica do solo (TORMENA et
al., 1998).
Fonte: Adaptado de Barilli (2005)
Figura 5. Macroporosidade
do solo em floresta e em sistema de produção de café com diferentes tempos de
aplicação de dejeto líquido de suínos.
A utilização dos DLS altera o Diâmetro Médio
Ponderado (DMP) dos agregados estáveis em água (Figura 6), índice utilizado
para estimar a agregação do solo, o qual será tanto maior quanto for a percentagem de agregados grandes (MÜLLER, 2002). A partir
dos efeitos sobre a agregação, indiretamente são afetadas as demais
características físicas do solo, como a densidade, a porosidade, a aeração, a
capacidade de retenção e a infiltração de água, entre outras, que são
fundamentais à capacidade produtiva do solo.
Fonte: Adaptado de Barilli (2005)
Figura 6. Diâmetro médio
ponderado dos agregados estáveis em água em floresta e em sistema de produção
de café com diferentes tempos de aplicação de dejeto líquido de suínos.
Castro Filho et al. (2003), avaliando o potencial fertilizante de
DLS e as alterações nas propriedades físicas de solos de diferentes classes texturais, verificaram que a aplicação de doses crescentes
proporcionou melhoria na agregação do solo como resultado do aumento no teor de
carbono orgânico, resultando em aumento nas taxas de infiltração de água no
solo. Barilli (2005) determinou que a permeabilidade
do solo, após 26 anos de aplicação de DLS, é próxima à condição do solo
preservado com mata nativa, apresentando valores até maiores nas camadas de
5–10 e de 20–40 cm de profundidade (Figura 7).
Fonte: Adaptado de Barilli
(2005)
Figura 7. Permeabilidade do solo
em floresta e em sistema de produção de café com diferentes tempos de aplicação
de dejeto líquido de suínos.
A resistência do solo à penetração é uma determinação utilizada para descrever
a resistência física que o solo oferece a algo que tenta se mover através dele.
Para um mesmo solo, essa resistência aumenta com o grau de compactação e com a
diminuição da umidade do solo (BENGHOUGH e MULLINS, 1990). Barilli
(2005) determinou que a resistência do solo à penetração nas áreas com
aplicação de DLS é semelhante ao solo mantido sob condição de floresta e, após
três e sete anos de aplicação desse material, o índice foi até inferior na
camada de 40–60 cm (Figura 8).
Fonte: Adaptado de Barilli (2005)
Figura 8. Resistência do solo à
penetração em floresta e em sistema de produção de café com diferentes tempos
de aplicação de dejeto líquido de suínos.
Em geral, os solos em seu estado natural, sob
vegetação nativa, apresentam características físicas como permeabilidade,
estrutura, densidade e espaço poroso em valores agronomicamente desejáveis.
Nessa situação, o volume de solo que as raízes podem explorar é máximo.
Entretanto, à medida que os solos vão sendo trabalhados,
alterações físicas consideráveis vão ocorrendo (ANDREOLA et al., 2000). Cabe ressaltar que são necessários mais
trabalhos para estudar o efeito da aplicação de dejetos animais sobre
características do solo nas condições edafoclimáticas
do Brasil, bem como para os mais diversos tipos de sistemas de produção
agrícola, principalmente nas regiões onde se concentram as criações.
As propriedades químicas do solo e
aplicação de dejetos de suínos
A utilização de DLS no solo, além de atuar como
condicionador do solo, aumenta a disponibilidade de todos os nutrientes às
plantas, bem como altera a capacidade de troca de cátions e a complexação de elementos tóxicos e de micronutrientes
(SANTOS e CAMARGO, 1999), modificações em grande parte devidas ao aumento da MOS. No entanto, existe maior preocupação ambiental
quanto aos macronutrientes N e P na contaminação de
lençóis freáticos e águas superficiais, onde podem causar eutrofização,
e aos micronutrientes Cu e Zn, que podem se acumular no solo e na fitomassa das culturas.
O DLS pode se constituir em fertilizante
eficiente e seguro na fertilização das culturas, tanto quando aplicado
diretamente ao solo como através da fertirrigação,
desde que observados os critérios técnicos que assegurem a proteção do meio ambiente
(KONZEN, 2003). No entanto, se as aplicações de DLS não forem
realizadas nas quantidades recomendadas, a cada aplicação de resíduo no solo o
teor de nutrientes tende a aumentar consideravelmente (GIANELO e ERNANI, 1983),
podendo atingir valores próximos do limite de condutividade elétrica que
caracterizam solos salinos, o que ocorre quando o extrato de saturação for
maior que 2.000 μS cm-1 (RICHARDS, 1954).
Dentre os nutrientes, o cobre (Cu) e o zinco (Zn)
têm sido motivo de preocupação, porque vêm sendo usados como suplemento mineral
em rações e na formulação de antibióticos, sendo na sua
maioria eliminados através das fezes e, por isso, encontram-se presentes
em grande concentração nos dejetos, aumentando os riscos de acúmulo desses
nutrientes no solo quando da aplicação continuada desse material (BARILLI,
2005). Se acumularem em altas concentrações no solo, podem se movimentar no
perfil e atingir camadas mais profundas; e mesmo água subterrânea. Em solos
argilosos, esses nutrientes se acumulam principalmente na camada superficial do
solo (SCHERER et al., 2010),
especialmente quando o teor de MOS for elevado.
De acordo com a Resolução n.º 420 do CONAMA, de
dezembro de 2009 (CONAMA, 2009), a aplicação de fertilizantes minerais e
orgânicos que contenham estes nutrientes podem ser restritas
quando observadas, respectivamente, concentrações de 200 e 450 mg dm-3 de Cu e de Zn no solo em
extração perclórica. A legislação dos EUA estabelece
como limite máximo 750 mg
kg-1 de Cu e 1.400 mg kg-1 de Zn nos dejetos
(SEGANFREDO, 2000). Os valores considerados altos para fins de avaliação da
fertilidade do solo são de 0,8 mg
dm-3 para Cu e 1,2 mg dm-3 para Zn (RAIJ et al, 1996). Já para a Comissão de Química e Fertilidade do
Solo do Núcleo Regional Sul da Sociedade Brasileira do Solo (SOCIEDADE
BRASILEIRA DE CIÊNCIA DO SOLO, 2004), os teores considerados altos são >0,4
e >0,5 mg dm-3, respectivamente para Cu e Zn.
Konzen (2003) demonstrou
a movimentação do Cu e o pequeno deslocamento do Zn até a profundidade de
Tanto o Cu quanto o Zn podem ser adsorvidos fortemente em grupos funcionais na superfície do
húmus e dos óxidos do solo (MEURER, 2006), não sendo facilmente deslocados por
ânions ou perdidos por lixiviação, como acontece com outros micronutrientes. O
solo retém o Cu e o Zn mais intensamente entre pH
neutro a alcalino, diminuindo progressivamente à medida que o meio se torna
ácido (KIEHL, 1985). O húmus retém os metais com diferentes forças, seguindo a
ordem crescente de energia de ligação: cádmio, mercúrio, cálcio, boro,
magnésio, manganês, zinco, cobalto, níquel, cobre e chumbo (KIEHL, 1985).
Menezes et
al. (2009) puderam notar que, mesmo com valores altos de Cu e Zn no solo, a
absorção pela planta não foi alta, sendo observados teores foliares de milho
bem inferior aos valores considerados fitotóxicos
para ambos os nutrientes (Figura 11). Os autores concluíram que a dose de
Fonte: Adaptado de Konzen (2003)
Figura 9. Concentração de Cu e Zn em Latossolo Vermelho após três anos sucessivos de aplicação
de dejetos suínos.
Fonte: Adaptado de Barilli (2005)
Figura 10. Teores de Cu e Zn no solo em
floresta e em sistema de produção de café com diferentes tempos de aplicação de
dejeto líquido de suínos.
Fonte: Adaptado de
Menezes (2009)
Figura 11. Teores de Cu e Zn disponíveis no
solo e nas folhas do milho em função da aplicação de dejetos de suínos nas
doses de 50 e
Considerando-se os valores médios dos teores de
Cu e Zn, que são de 31,6 e 120,9 mg
L-1 de DLS (Tabela 1), e a dose de
Ernani et al. (2001)
demonstraram que a adição acumulativa de até 150 mg
kg-1 de Zn através de DLS em Latossolo Vermelho distroférrico elevou o teor disponível desse nutriente no
solo para 160 mg kg-1 (Figura 12) e, mesmo assim, não
ocasionou toxidez ao milho em seu estágio inicial de crescimento, demonstrando
que a amplitude entre suficiência e toxidez de Zn é ampla nesse solo.
Fonte: Adaptado de Ernani et
al. (2001)
Figura 12. Teores de zinco no solo em função da doses
acumuladas de Zn, aplicado na forma de DLS
Porém, deve-se considerar que há acúmulo
acentuado de Zn no solo e a aplicação de doses elevadas de DLS por muitos anos
consecutivos, o que poderá ocasionar o acúmulo desse
nutrientes no solo e promover o risco de toxidez nas plantas e de perdas
de nutrientes por erosão e/ou lixiviação, estando entre os principais elementos
de risco o N e o P, destacando-se a poluição das águas pelo processo da eutrofização (SEGANFREDO, 2007).
O N é o nutriente exigido em maior quantidade
para nutrição da maioria das culturas. No entanto, existe grande dificuldade em
avaliar sua disponibilidade no solo, o que faz com que ele não esteja presente
na análise básica do solo. Este fato está relacionado, principalmente, ao seu
manejo e sua recomendação de adubação serem complexos,
uma vez que sua dinâmica no solo envolve processos, como sorção, adsorção,
lixiviação, volatilização, nitrificação, desnitrificação, imobilização e mineralização,
sendo essas reações mediadas por microrganismos e afetadas por fatores
climáticos de difícil previsão, somado ao fato de que 95% do N no solo está na
forma orgânica (CANTARELLA e DUARTE, 2004). A interação entre esses aspectos
determina o baixo aproveitamento da adubação nitrogenada pelas plantas, sendo
que valores de N15 recuperados pelas plantas encontram-se entre
Menezes et
al. (2009) observaram deslocamento de N ao longo do perfil do solo, tanto na
forma de amônio (N-NH4+) quanto na forma de nitrato (N-NO3-), quando é
aplicado DLS (Figura 13), concluindo que o uso de doses elevadas pode
representar risco potencial de contaminação de águas subterrâneas. Deve-se
destacar que até o momento não há legislação que estipule a
quantidade máxima de N-NO3- que pode estar presente no solo, o que dificulta estabelecer
teores que se constituem em risco para o ambiente. Corrêa et al. (2007) trabalhando com
resíduos industriais e urbanos, encontraram valores de N-NO3- em quantidades
muito maiores, próximos de 100 mg dm-3
, em Latossolo Vermelho distrófico em sistema de
plantio direto durante o cultivo de soja. É imprescindível que seja monitorada
a solução do solo para evitar teores superiores a 10 mg L-1 de N-NO3- na solução do solo, valor este
estipulado pela resolução 357 do CONAMA de 2005 (CONAMA, 2005), como máximo
aceitável na água potável.
Tanto o N de fonte orgânica quanto de adubo
solúvel podem percolar para
as camadas profundas do perfil quando aplicados em doses superiores à taxa de
absorção pelas culturas (Konzen, 2003), fato que
exige atenção e acompanhamento por parte dos produtores que utilizam os DLS
como fertilizante na produção agropecuária (Figura 14).
Fonte: Adaptado de Menezes et al. (2009)
Figura 13. Distribuição de amônio (N-NH4+) e nitrato
(N-NO3-) no perfil do solo com a aplicação de fertilizante solúvel (Q) e de DLS
(D) no cultivo da soja
Fonte: Adaptado de Konzen (2003).
Figura 14. Distribuição de N-mineral no perfil do solo com
a aplicação de fertilizante solúvel e de DLS
Ceretta et al. (2005), trabalhando em Argissolo Vermelho distrófico arênico,
com declividade média de 4% e há oito anos sob plantio direto nas culturas de
aveia preta, milho e nabo forrageiro, demonstraram que a aplicação de DLS
proporcionou escoamento superficial de N total na ordem de
Fonte: Adaptado de Ceretta et
al.(2005)
Figura 15. Quantidade de N aplicada e quantidade de N
perdida por escoamento superficial em função da aplicação de DLS em Argissolo com 4% de declividade média,
sob sistema plantio direto
A quantidade de DLS aplicada, bem como o volume
de precipitação, são fatores que afetam a concentração de NO3- na água
percolada, sendo que aplicações por longo tempo nos níveis máximos da
recomendação representam risco de contaminação do solo e da água. De acordo com
Ceretta et
al. (2005), com a aplicação de
Fonte: Adaptado de Basso et
al. (2005)
Figura 16. Quantidade de N aplicada e perdida por
lixiviação em função da aplicação de DLS em Argissolo
com 4% de declividade média, sob sistema plantio direto
Além do N, existe a preocupação ambiental também
quanto ao acúmulo de P no solo quando são aplicadas doses elevadas de DLS, em
razão deste nutriente também ser causador da eutrofização
(SHARPLEY e MENZEL, 1996). Entretanto, é importante lembrar também que o P é o
nutriente mais limitante da produtividade de biomassa em solos tropicais
(NOVAIS e SMYTH, 1999), como é o caso da maioria dos solos brasileiros, em
conseqüência do material de origem e da forte interação do P com os colóides do
solo (RAIJ, 1991), principalmente os óxidos de ferro e de alumínio (NOVAIS e
SMYTH, 1999; CORRÊA et al.,
2004; MEURER, 2006), sendo que menos de 0,1% se encontra em solução (FARDEAU,
1996).
Barilli (2005)
demonstrou a grande contribuição no fornecimento de P ao solo pela aplicação de
DLS no aumento da disponibilidade deste nutriente quando comparado à condição
natural do solo (área com floresta nativa). Vale ressaltar que este aumento no
teor de P no solo foi verificado apenas nas camadas superficiais, isto é, até
Fonte: Adaptado de Barilli (2005)
Figura 17. Distribuição de P disponível no
perfil do solo em sistema de produção de café com diferentes tempos de
aplicação de DLS
Ceretta et al. (2005) demonstraram que a
aplicação de DLS permitiu perdas de
Fonte: Adaptado de Ceretta et
al. (2005)
Figura 18. Quantidade de P aplicada e
perdida por escoamento superficial em um ano agrícola em função da aplicação de
DLS em Argissolo com 4% de declividade média, sob sistema plantio direto
Basso et al. (2005) não perceberam
expressivo incremento nas concentrações de fósforo disponível na água percolada
com a aplicação de DLS, sendo que essas se situaram abaixo ou muito próximas de
Fonte: Adaptado de Basso
et al. (2005)
Figura 19. Quantidade DLS aplicada e de P
perdida por lixiviação em um ano agrícola, em Argissolo
com 4% de declividade média, sob sistema plantio direto
As propriedades biológicas do solo e aplicação de
dejetos de suínos
O solo pode ser encarado como
habitat microbiano por excelência, local de vida de inúmeras e variadas
populações de todos os tipos de microrganismos, sendo constituído de microsítios, caracterizados não apenas pelas condições edafoclimáticas, mas também por fatores peculiares, como
presença de um fragmento de matéria orgânica, de uma raiz vegetal, de microporo saturado de água, de maior ou menor facilidade de
trocas gasosas, etc.
Segundo Grisi (1995),
as populações microbianas participam do processo de decomposição da necromassa no solo, incorporam os nutrientes provenientes
do substrato orgânico, tais como N, P, S, K, Mg e muitos outros (fase de imobilização),
liberando-os posteriormente, após sua morte, para as plantas (fase de mineralização). Assim, a biomassa microbiana é, por
definição, a parte viva da matéria orgânica do solo, excluídas as raízes e
animais maiores que 50μm. Com poucas exceções, ela representa de 2% a 3%
do carbono orgânico do solo, sendo que sua presença está relacionada
diretamente com o teor de matéria orgânica.
Andrade et
al. (2002), estudando as populações de bradirizóbio/rizóbio em áreas com aplicação de DLS, observaram que as
populações de bactérias capazes de fixar N2 em soja e em ervilha forrageira
foram estimuladas pela aplicação de até
Fonte: Adaptado de Barilli (2005).
Figura 20. Carbono microbiano do solo em
função da aplicação de DLS em Latossolo Vermelho distroférrico no sistema de produção de café