Publicado o: 08/04/2013
Autor/s. : Aline Alves da
Silva, Eduardo Raele Oliveira e David Fernandes Gavioli,
Mestrandos em Ciência Animal, Universidade Estadual de Londrina -UEL-, PR; Danyel
Bueno Dalto e Arturo Pardo Lozano, Doutorandos em
Ciência Animal, UEL, PR; Jamile Maria de Oliveira, Discente em Zootecnia, UEL, PR;
Natalia Ceron Romero, Discente em Medicina
Veterinária, Universidade Del Tolima, Colombia, e Graziela Drociunas Pacheco e Caio Abércio da
Silva, Profs. Drs. do Deptº de Zootecnia, UEL, PR.
Sumário
Objetivou-se estudar a viabilidade do uso de leitões natimortos nos estudos
de miogênese e desenvolvimento de órgãos vitais.
Utilizou-se leitegadas provenientes da genética Topigs
x Danbred de 82 matrizes suínas entre 1ª à 7ª ordem
de parto. No total foram monitorados 82 partos. Ao término dos partos, todos os
leitões foram pesados e identificados, de acordo com a ordem de nascimento. A
partir deste procedimento foi calculado o peso médio das leitegadas que
apresentaram histórico de natimortos. Os leitões que apresentaram peso próximo
ou igual ao peso médio da leitegada, e peso semelhante ao dos leitões
natimortos provenientes das respectivas leitegadas, foram sacrificados. No
total, 28 leitões foram abatidos e 30 natimortos foram utilizados. Em ambas as
classes (natimortos e nascidos vivos sacrificados) foram coletados,
o músculo semitendinoso, coração, cérebro e fígado.
Os dados foram analisados por ANOVA, correlação e regressão através do programa
estatístico SAEG. Os resultados sugerem que os leitões nascidos vivos possuem
maior área muscular quando comparado com natimortos (60, 50 vs 42,71 μm). Além
disso, uma forte correlação (P < 0,05; R = 0,63) foi encontrada entre a área
muscular e número de fibras musculares. Leitões natimortos possuem menor número
de fibras musculares, por isso não podem substituir os leitões nascidos vivos
em pesquisas voltadas ao estudo da miogênese e do
desenvolvimento de órgãos vitais, e o sexo não é uma variável importante para
estudos com esta finalidade.
Palavras-chave: Fibras,
leitegada, mortalidade, musculares, pós-natal
Introdução
O desenvolvimento do leitão após o nascimento está relacionado com a
hipertrofia das fibras musculares pré-formadas durante a gestação, sucedendo-se
a hiperplasia do tecido muscular que é completada por volta de 85-90 dias de
gestação com o estabelecimento das fibras primárias e secundárias (WIGMORE;
STICKLAND, 1983).
As fibras secundárias estão sujeitas aos estímulos nutricionais e hormonais
durante a gestação, podendo sofrer um importante processo de multiplicação,
permitindo que o leitão, independentemente de seu peso ao nascer, tenha plenas
condições de crescimento pós-natal, preservadas as questões de competição com
leitões de maior peso ao nascimento (DU; ZHU, 2009).
O baixo peso ao nascer dos leitões parece ter uma relação positiva com a
redução do número de fibras musculares, decorrente principalmente da
deficiência do aporte de nutrientes na unidade feto placentária (GONDRET et al., 2006).
Também o desenvolvimento dos órgãos vitais nos estágios embrionário e fetal
depende do suprimento destes nutrientes e da habilidade do embrião em utilizar
estes substratos (REHFELDT; KUHN, 2006). Neste sentido, muitos fatores podem
relacionar-se com o peso ao nascimento e o desenvolvimento dos órgãos, como o
alto número de nascidos totais, a ordem de parto
da matriz, a posição do feto no útero, além de fatores ambientais (HOLANDA et al., 2005; ALMEIDA et al., 2009). Paralelamente, estes últimos fatores têm
alta relação com a taxa de natimortalidade (BORGES et al., 2008).
Como definição, os natimortos são os leitões que no início do parto ainda se
apresentam vivos, mas que morrem durante o desenvolvimento do parto
(CHRISTIANSON, 1992).
Diante desse quadro, a compreensão de que os leitões natimortos seriam
potencialmente aptos ao desenvolvimento pós-natal, poderia abrir uma
possibilidade de estudos usando como base esta classe de animais, eliminando a
necessidade de se abater leitões ao nascimento, reduzindo assim os custos e
melhorando os aspectos éticos da pesquisa.
Portanto, o objetivo deste trabalho foi comparar o número de fibras
musculares e o desenvolvimento de alguns órgãos vitais entre leitões natimortos
e nascidos vivos, com o intuito de verificar se os leitões natimortos poderiam
substituir os nascidos vivos nas pesquisas voltadas ao estudo da miogênese e da formação corporal.
Material e Métodos
O experimento, cadastrado sob o nº 26368.2012.23, e aprovado pelo Comitê de
Ética em Experimentação Animal da Universidade Estadual de Londrina, foi
realizado em uma granja comercial localizada no município de Martinho Campos –
MG. Foram utilizadas leitegadas provenientes da genética Topigs
x Danbred de 82 matrizes suínas entre 1ª à 7ª ordem
de parto.
As matrizes foram identificadas por meio de brincos e receberam manejos
alimentares, reprodutivos e sanitários semelhantes. Foram cobertas na mesma
semana através da inseminação artificial e os machos utilizados foram
distribuídos de forma que foram preservados o uso de
diferentes machos nas diferentes idades gestacionais, sendo, portanto, isolado
o efeito do macho.
Durante a gestação as matrizes foram alojadas em gaiolas individuais e na
fase de lactação em celas parideiras. Todas as fêmeas possuíam mesmo escore
corporal, 17,72 ± 5,52, medido no ponto P2 com uso de ultrassom
PigLog-105® (v.3.1), por
isso não houve distinção na quantidade de alimento ofertado para cada matriz. O
manejo alimentar orientado estabeleceu
um fornecimento de
Tabela 1. Composição
calculada das rações experimentais utilizadas nas fases de gestação e lactação.
No total, 82 partos foram monitorados. Registrou-se a duração de cada parto,
foram identificados individualmente os leitões ao nascimento por meio de
brincos, foi avaliado o peso ao nascer, o sexo, o número de nascidos totais,
nascidos vivos, mumificados e natimortos. Consideraram-se natimortos os leitões
que tinham perfeito desenvolvimento externo, mas que já nasceram mortos, e
mumificados, leitões que nasceram mortos com cor de achocolatado,
aspecto desidratado (aspecto de múmia) e tamanho reduzido (TECSA, 2007). Ao
término dos partos, todos os leitões (nascidos vivos e natimortos) foram
pesados (balança digital Toledo modelo Prix 3;
precisão de
A partir deste procedimento foi calculado o peso médio das leitegadas que
apresentaram histórico de natimortos. Conhecendo o peso dos leitões natimortos,
foram utilizados somente aqueles que apresentavam um peso correspondente ao
peso médio de sua leitegada. Com esta identificação, procedeu-se a escolha para
o sacrifício de um leitão que apresentasse um peso semelhante ao do leitão
natimorto, a fim de garantir uma comparação mais apropriada das categorias. Ao
total foram abatidos 28 leitões. Para eutanásia, os animais foram
insensibilizados durante
De ambas as classes (natimortos e nascidos vivos sacrificados) foram coletados e pesados, o músculo semitendinosus,
o coração, o cérebro e o fígado. Os órgãos foram descartados após a pesagem e
os músculos armazenados por 24 horas em solução de Bouin
para fixação, e posteriormente, conservados em álcool 70%.
Posteriormente, as amostras dos músculos foram submetidas à desidratação em
soluções de concentração crescente de álcool, à diafanização
em xilol e à inclusão em parafina, seguida da
montagem da lâmina histológica. Cortes transversais da porção média do músculo,
de 5 μm de espessura foram corados pelo método
de Hematoxilina e Eosina (HE) para avaliação
histológica (BRIDI; SILVA, 2009).
A área total do músculo foi medida utilizando a imagem obtida no Software Motic Images Plus
2.0, o qual também foi utilizado para realização das contagens de fibras
musculares, por meio de um microscópio Olympus BX 50. Para estimar o número de
fibras musculares foi feita a contagem, aleatoriamente, de 10 campos de cada
lâmina. Assim, conhecida à área total do músculo e as áreas dos campos, foi
possível estimar o número de total de fibras musculares de cada músculo.
O delineamento estatístico utilizado foi o inteiramente casualizado
com frequências desiguais, distribuídos do 1º ao 7º
parto. Os dados obtidos foram submetidos à análise de variância, correlação e
regressão utilizando-se o programa SAEG (UFV, 2007).
Resultados e Discussão
Dos 82 partos acompanhados nasceram 1.330 leitões, sendo 1144 nascidos vivos
(587 machos e 557 fêmeas), 135 natimortos e 51 mumificados. Foi observado que
leitões nascidos vivos possuíam peso relativo do músculo semitendinosus
mais elevado, maior área muscular e mais fibras musculares que os leitões
natimortos (Tabela 2).
Verificou-se que 29,26% dos partos apresentaram leitões natimortos,
sugerindo uma distribuição não normal. Lucia et al. (2002) e Schneider (2002) também relataram
variações no numero de partos que apresentavam natimortos (24,7% e 53,3%
respectivamente).
Segundo Borges et al.
(2005), diversos fatores podem influenciar na ocorrência da mortalidade, como
intervalo entre nascimentos, ordem de nascimento, peso corporal dos leitões,
idade gestacional da fêmea, anóxia, subnutrição
uterina, entre outros.
Tabela 2. Comparação
do peso inicial (PI), peso relativo do músculo semitendinosus
(Prel Musc), área muscular
(AM) e número de fibras (NF).
Quanto à ordem de parto, o maior número de leitões natimortos ocorreu entre
a quinta e a sexta gestação (5,75), indicando correspondência com as ordens de
parto que apresentaram maior número de nascidos totais (NT=11,2174
+ 2,35727 X- 0,204887 X2; R2=0,66).
Neste contexto, sob igual condição de peso ao nascer, os leitões natimortos
apresentaram um menor número de fibras musculares. A causa desta variação é
principalmente devido à diferenciada condição nutricional no útero durante a
gestação (WIGMORE; STICKLAND, 1983; HANDEL; STICKLAND, 1987). Foi observada uma
maior área muscular nos leitões nascidos vivos. Este parâmetro apresentou
correlação (P<0,05; r= 0,63) com o número de fibras musculares, ou seja,
quanto maior a área muscular, maior o número de fibras musculares, Esta
observação se identifica com os resultados obtidos por Hoshi
et al. (2005).
O peso relativo do músculo semitendinosus
também diferiu estatísticamente entre leitões que
nasceram vivos e natimortos, de modo que os natimortos apresentaram menor peso.
A correlação de (P<0,05; R=0,39) entre o número de fibras musculares e o
peso do músculo, explica este resultado.
Pode se predizer que leitões natimortos comparados
com irmãos nascidos vivos de mesmo peso ao nascer apresentariam um desempenho
menor, caso sobrevivessem, devido ao fato de possuirem
um menor número de fibras musculares.
Para os pesos relativos do cérebro e do coração de leitões nascidos vivos em
comparação aos natimortos, não foi observado diferença significativa entre os
grupos. Entretanto, para o peso relativo do fígado foi encontrada diferença
significativa, onde leitões natimortos apresentaram um maior peso, comparado a
leitões nascidos vivos (Tabela 3).
Tabela 3. Comparação
dos pesos relativos do cérebro (Prel Cer), fígado (Prel Fíg) e coração (Prel Cor) entre
leitões nascidos vivos e natimortos.
Constatou-se que 13% dos natimortos apresentavam relação do peso do cérebro
sobre o peso do fígado maior que 1 (um). De acordo com Town
et al. (2004), estes leitões
podem ser caracterizados como animais que tiveram crescimento intra- uterino
retardado (CIUR), pois em animais normais o valor desta divisão deve ser menor
que 1 (um).
Animais que passam por deficiências nutricionais ainda no útero se adaptam a
esta privação por meio de alterações fisiológicas e metabólicas com o intuito
de aumentar as chances de sobrevivência após o nascimento (WU et al., 2004). Caso a subnutrição
seja prolongada, haverá mudança na taxa metabólica do feto com alteração na
produção hormonal, bem como armazenamento de nutrientes em forma de gordura e a
redistribuição de fluxo sanguíneo para proteger órgãos chaves (FOXCROFT et al., 2006).
Isso explica o maior peso relativo do fígado encontrado nos leitões
natimortos, sugerindo que esse resultado se deve ao fato destes animais terem
sido acometidos por uma subnutrição intrauterina. O
CIUR, que é uma ocorrência esperada na espécie suína, pela distribuição
diferenciada do aporte sanguíneo no útero e pelo elevado número de leitões
nascidos (principalmente pelos números que se têm obtido atualmente), tem
impactos negativos permanentes, afetando os parâmetros zootécnicos como
sobrevivência pré-desmame, conversão alimentar, composição corporal, desempenho
reprodutivo (WU et al.,
2006).
Quanto ao efeito do sexo dos leitões, independentemente da classe
(natimortos e nascidos vivos), o peso inicial, a área muscular, o número de
fibras musculares do músculo semitendinosus, não
diferiram entre leitões machos e fêmeas (Tabela 4).
Tabela 4. Comparação
do peso inicial (PI), área muscular (AM) e número de fibras musculares (NF) do
músculo semitendinosus entre leitões machos
e fêmeas.
Estes resultados discordam dos encontrados por Miller, Garwood
e Judge (1975) e Hoshi et al. (2005) que verificaram que
os machos possuíam 3,33 e 7,46% mais fibras, respectivamente, em relação às
fêmeas. Rehfeldt, Adamovic
e Kunh (2007) observaram forte influência do sexo
sobre o número de fibras musculares e Bee (2004)
sugeriu que o sexo influencia a área da fibra muscular. Entretanto, estão de
acordo com os resultados encontrados por Dwyer, Fletcher e Stickland (1994) e Borosky et
al. (2010), que em outra situação também verificaram que o sexo não influencia
o número de fibras musculares. Vale ressaltar que as diferenças relacionadas
com o número de fibras para estes animais têm relação com a genética avaliada.
Também não houve influência do sexo nos pesos relativos do músculo semitendinosus, cérebro, fígado e coração (Tabela 5),
indicando que a influência deste fator está mais relacionada ao desenvolvimento
pós-natal do leitão.
Tabela 5. Comparação
dos pesos relativos do músculo semitendinosu (Prel Musc), cérebro (Prel Cer), fígado (Prel Fig) e coração.
Desta forma, conclui-se que leitões natimortos possuem menor número de
fibras musculares, portanto, não podem substituir os leitões nascidos vivos em
pesquisas voltadas ao estudo da miogênese e do
desenvolvimento de órgãos vitais, bem como o sexo não é uma variável importante
para estudos com esta finalidade.