Autor/s. : Jose
Sidney Flemming, Dr. em Ciências Veterinárias.
1. Introdução :
Os suínos apresentam uma rede complexa com capacidade de
reconhecer, repelir e destruir invasores externos, constituído por células,
tecidos e moléculas responsáveis por uma reação coordenada: a
resposta imune. O sistema imune interage com o estranho (non-self) e
preservar o próprio (self). Tem a capacidade de reconhecer
estruturas potencialmente agressoras. Esta habilidade é necessária para
proteger o organismo contra invasores e agressores como, por exemplo, vírus,
bactérias, fungos, toxinas, corpos estranhos, protozoários e células
modificadas ou alteradas (ex: células malignas).
Este sistema é formado por uma primeira linha de defesa
denominada mecanismo inato ou inespecífico no qual os mecanismos de defesa em
sua maior parte estão presentes e prontos para serem mobilizados em uma
infecção. Contudo, não é específico para um antígeno e reage da mesma maneira
para uma variedade de organismos. Ele é complementado por uma segunda
linha de defesa que protege contra a re-exposição que é o sistema imune adaptativo
ou específico. Este requer algum tempo para reagir contra um organismo invasor,
é específico para um antígeno e reage somente contra microorganismos que
induzem a resposta. Tem memória imunológica. Cada uma dessas linhas de defesa
tem componentes celulares e humorais, que exercem a proteção. Existe
interconexão entre eles: o sistema imune inato influencia o sistema imune
adaptativo e vice-versa.
2. Desenvolvimento da imunidade inata dos leitões
Na fase de gestação, são encontrados nos fetos células
linfóides na região do timo, no fígado e sangue periférico bem como algumas
manifestações imunológicas após as 4 semanas de gestação. Entretanto,
apresentam uma baixa capacidade de produzir anticorpos, face aos fetos estarem
bem protegidos de agressores externos pela placenta materna. A
placenta, com múltiplas camadas de epitélio coriônico ao mesmo tempo em que
protege, representa uma barreira física que dificulta a transferência de
imunoglobulinas maternas, assim os fetos nascem imunologicamente
despreparados e dependem em grande parte da imunidade transferida via colostro
(passiva). A proteção inicial do recém nato é feita por um complexo sistema de defesas naturais
inato, representado por barreiras anatômicas e mecânicas, moléculas de secreção
e componentes celulares tais como barreiras
da pele, dos epitélios, das mucosas, substâncias de secreção, movimento
dos intestinos e cílios bronco-pulmonares (proteínas surfactantes da superfície
pulmonar); células de fagocitose como neutrófilos e macrófagos que têm a sua
ação complementada pelas imunoglobulinas e constituintes do colostro
transferidos pela mãe.
Os desafios da morbidade ambiental a que os leitões estão
expostos os tornam altamente susceptíveis a microorganismos presentes na
maternidade com os quais nunca tiveram contato, gerando desafios com grande
dependência das imunoglobulinas maternas oriundas do colostro. Esta
importante barreira passiva do colostro permanece alta até certa idade. Leitões
com 3 a 4 semanas começam a produzir anticorpos como resposta aos desafios do
meio e também dos excretas
e contaminação via
porca.
O Colostro é constituído por proteínas, imunoglobulinas, como
a IgG (70-80%) ,
10-15% de IgM, e 10-15% de IgA.
Apresenta ainda, linfócitos dos quais 60 a 80 % são linfócitos T. A
IgA secretada é de
importância fundamental na proteção da mucosa pulmonar e intestinal. Durante
toda a lactação Imunoglobulinas são secretadas em quantidades pequenas
propiciando proteção contra as infecções intestinais. Leitões são predispostos
a infecções intestinais tendo dependência da imunidade lacto gênica. As maioria Imunoglobulinas Inatas, (IgG) passam do plasma materno para a glândula mamária sem
transformações, são absorvidas por um mecanismo de micropinocitose na forma de pequenos glóbulos de
tamanhos variados via sítios receptores presentes nas membranas basais das
células epiteliais glandulares. O número de sítios de recepção aumenta
próximo do parto, atinge seu máximo 3 dias antes do parto, e a
absorção é maior nas ultimas porções do intestino delgado. As IgM e IgA do colostro pré e
ou no parto são multiplicadas
por 3 a 5 vezes em relação ao sangue, o epitélio mamário ÍNTEGRO é
fundamental e desempenha um papel vital neste processo de captação.
O colostro apresenta ainda outros importantes constituintes de
ação específica tais como as lisozimas, lactoferrina,
fosfatase alcalina, gamaglutamil-transferase
e outros fatores de crescimento, incluindo o fator de crescimento epidermal-EGF, (Fontes et al., 2007). A lactoferrina
faz parte do sistema lactoperoxidase do colostro,
contribui acentuadamente como preventivo nas infecções intestinais dos leitões,
tem presente um fator anti-tripsínico, que é importante para os
recém-natos evitando a destruição das imunoglobulinas. As imunoglobulinas
aparecem na circulação sangüínea 3 a 4 horas após a ingestão do colostro e
a IgG predominante no
início passa para cerca de 11% aos 21 dias de lactação.
A manutenção da imunidade passiva, saúde intestinal, integridade
do trato digestório e higidez dos leitões no
período compreendido entre a primeira semana
(decréscimo das imunoglobulinas do colostro) e o início de
funcionamento do seu sistema imune com 3 a 4 semanas é dependente de vários
fatores entre eles:
a) barreiras físicas representadas pelas superfícies epiteliais
que formam uma camada impermeável à maioria dos agentes infecciosos, têm a sua ação facilitada pela descamação dos epitélios,
facilitam a remoção de bactérias e outros agentes infecciosos. Estes processos
são complementados pelos movimentos dos cílios e peristálticos ajudam a manter
as vias aéreas e o trato gastrintestinal livres de microorganismos.
b) Substancias de secreção como
a saliva previnem infecções da boca, o HCl
gástrico tem ação anti-séptica, e ainda pela adesividade
do muco que cobre o trato respiratório e gastrintestinal ajuda a proteger os pulmões
e o sistema digestivo contra as infecções. Os ácidos graxos da pele inibem o
crescimento de bactérias. Lisozimas e fosfolipases
encontrados na saliva, secreções nasais e lágrimas, podem destruir a parede
celular da bactéria e desestabilizar as membranas bacterianas. Proteínas
de baixo peso molecular (defensinas) e agentes
surfactantes encontrados nos pulmões e no trato gastrintestinal têm importante
atividade antimicrobiana.
c) Fatores biológicos, representados pela flora
normal da pele e trato gastrintestinal, que pode prevenir a colonização de
estruturas e epitélio por bactérias patogênicas. Leitões devem
estabelecer uma eubiose nas fases iniciais de
vida com ocupação da mucosa, competição por nutrientes com patógenos, com produção de substâncias
antimicrobiana pelas bactérias benéficas (bacteriocinas).
3. Tecido linfóide associado ao intestino ( GALT)
O intestino tem importante ação imunológica e funciona como a
principal barreira natural contra invasões microbianas via dieta.
Aproximadamente 25% da mucosa intestinal é
composta por tecido e células linfóides. O tecido linfóide associado ao
intestino (GALT) é formado por nódulos linfáticos, placas de Peyer, macrófagos e linfócitos individuais encontrados nas
paredes intestinais. Para lidar com a constante inundação de toxinas e
antígenos em potencial, a parede intestinal apresenta um mecanismo
altamente organizado e eficiente para o processamento antigênico, imunidade
humoral e imunidade celular. Assim, as placas de Peyer
e o tecido linfóide associado ao intestino (GALT) reconhecem antígenos através
de um mecanismo especializado de amostragem via células (M) das
micro-vilosidades contidas no epitélio. As células M recobrem os folículos
linfóides no trato gastrintestinal e fornecem um sítio para a amostragem
seletiva dos antígenos intra-luminais que ativam e estimulam as células B e T.
Os linfócitos ativados a partir dos folículos linfóides deixam o trato
intestinal e migram para a lâmina própria e linfáticos
aferentes dos linfonodos mesentéricos. Os
linfócitos B tornam-se linfoblastos carreadores da
imunoglobulina de superfície (Ig A), desempenhando
importante função de proteção e imunidade da mucosa. Este é um dos principais
mecanismos de proteção imune do trato intestinal onde os plasmócitos
da lâmina própria sintetizam e secretam a IgA.
O intestino contém mais de 70% das células produtoras de IgA produzida pelos plasmócitos a qual pode ligar-se a antígenos na
superfície da mucosa. A IgA
atravessa as células epiteliais para o lúmen por meio de um carreador protéico
que a transporta e a protege contra os lisossomos intracelulares. A IgA é resistente à proteólise intraluminal, não ativa à resposta inflamatória e o sistema
complemento neutraliza as toxinas bacterianas e a atividade viral da superfície
da mucosa, bloqueia a aderência da bactéria no epitélio, reduz a
penetração invasiva de antígenos via mucosa exercendo um potente ação
protetora. Nos leitões a IgA
desempenha importante função protetora para todo o organismo principalmente nas
primeiras semanas de vida (Thoreux et al., 2007).
4. Interação dos glucanos
e mananos (MOS) com a imunidade
A maioria dos prebióticos
afetam
beneficamente o hospedeiro por estimular o crescimento seletivo e à atividade
de baterias intestinais que constituem a da flora estrófica, reduzindo a
presença de microorganismos patogênicos. Dentre as classes de prebióticos mais utilizadas destacam-se os frutoligossacarídeos (FOS), mananoligossacarídeos
(MOS) e glucanos. Diversas pesquisas e
publicações referem às propriedades destes em modificar
a flora intestinal, reduzir a taxa de renovação da mucosa intestinal
e estimular o Sistema imune (Abbas, 2000; Guigoz, y. 2003; Wittig et al, 2003). O estímulo
imunológico da mucosa favorece a produção de anticorpos IgA, que bloqueiam os receptores e reduzem o
número de bactérias patogênicas na luz intestinal (Olah e Vervelde,
2008).
Os mananoligossacarídeos (MOS) parecem
ter uma ação efetiva na resposta imunológica, uma hipótese para este mecanismo
de ação sugere que moléculas tais como resíduos de manose
e lipopolissacarídeos, encontradas na superfície de
microorganismos, constituem Padrões Moleculares Associados a
Patógenos (PAMPs) que
ativam a resposta imune inata, por interação com diferentes receptores
conhecidos como Receptores de Reconhecimento de Padrões (RRP), dentre os quais
a família dos receptores Toll-like (TLRs)
presentes na membranas celulares. Os TLRs se
ligam a patógenos e iniciam uma resposta inflamatória
( fig 1). Esses receptores estão presentes nos
macrófagos, neutrófilos e células dendríticas.
As células dendríticas encontradas nos tecidos
epiteliais periféricos do GALT capturam antígenos e viabilizam a sensibilização
da resposta imune adaptativa apresentando antígenos aos linfócitos. Estas
células constituem uma ponte entre a imunidade inata e a
adaptativa, migrando para os linfonodos regionais,
nos quais processam e apresentam os antígenos. Este processo promove a
liberação de citosinas, ativando a resposta imune adquirida (Collet ,200;
Cruvinel,2010). Estes prebióticos
também favorecem o crescimento de bactérias eutróficas
produtoras de ácido lático, as quais produzem substâncias imunomoduladoras
que reagem com o sistema imune em diferentes níveis, incluindo a produção de
citosinas, células mononucleares e a fagocitose dos macrófagos, bem como a
indução de grandes quantidades de imunoglobulinas, especialmente IgA (Cummings e MacFarlane, 2002 ).
5. Imungologulinas na
dieta de leitões
No Brasil, é prática comum o uso de Imunoglobulinas oriundas do
plasma suíno ou bovino nas rações pré-iniciais. Está pratica é considerada como
elemento chave na dieta por alguns nutricionistas, buscando-se a melhora de
ganho e desempenho. O uso tradicional de plasma em rações
pré-iniciais oscila entre 3 A 5 % como importante fonte de complementar Imunoglobulinas e aminoácidos (Mavromiclhalis, 2009). Acredita-se que os mecanismos pelos
quais o plasma sangüíneo promove esta melhoria no desempenho estejam relacionados
a palatabilidade e a sua
composição, uma vez que contém 22,5% de imunoglobulinas, 28,0% de albumina e
0,5% de proteínas de baixo peso molecular. A presença de imunoglobulinas pode
aumentar a imunocompetência dos animais, prevenirem
os danos causados por patógenos na parede intestinal
e manter as propriedades digestivas e absortivas do intestino (Pierce et al., 1995; Gattas
et al 2008). Contudo,
estudos de Gteneu (1996) revistos por Mavromiclhalis (2009) demonstram claramente que apenas
frações de plasma de alto peso molecular têm a capacidade de realmente influir
no ganho de peso e melhora de desempenho. Variações de 8 a 15% no teor de
imunoglobulinas do plasma são decorrentes da sua origem, isto é, plasma de
diferentes abatedouros e frigoríficos com diferentes conteúdos e padronizações,
que podem levar a variações de qualidade e desempenho dos leitões. Estes
fatores associados à proibição de uso de plasma bovino em alguns países pelo
risco da BSE, bem como o carreamento de
antígenos, levou pesquisadores a uma procura de fontes
alternativas de imunoglobulinas (quadro 1) .
6. Imunoglobulinas hiperimunizadas
do ovo ( IgY) em dietas de
leitões
Uma das principais alternativas de imunoglobulinas avaliadas nos
últimos 10 anos é a utilização de imunoglobulinas de
ovos que apresentam
benefícios e efeitos iguais ou superiores àqueles do plasma animal. Ovos de
poedeiras podem ser hiperinunizados contra patógenos específicos de leitões tais como cepas de E.
coli enterotoxigenica
(ETEC) , produzindo
imunoglobulinas (IgY) que reduzem significativamente
o escore de diarréias e aumentam a viabilidade e peso dos leitões,
aparentemente por inibirem a adesão destes microorganismos nos enterócitos do intestino delgado de leitões recém-natos (Sugita-Konishi, 1996).
Estudos com leitões sadios utilizando imunoglobulinas de ovo (IgY) por pesquisadores no Japão
constaram um aumento significativo de ganho de peso e redução do escore de
diarréias. Duas horas após sua administração as imunoglobulinas (IgY) são identificadas no soro de
leitões recém-natos e seu pico de concentração ocorre 24 horas após a ingestão.
As IgY agem efetivamente na
terapia e profilaxia de leitões recém-nascidos infectados com ETEC, podendo ser
usadas como fonte de anticorpos de baixo custo contra doenças infecciosas (Yokoyama et al., 1993 Mavromiclhalis, 2009).
Ribeiro et al (2005) em estudo com leitões recém-natos verificaram que
as IgY de gema de ovos de aves hiperimunizadas contra E. coli suína fornecidas via oral
foram absorvidas eficientemente já nas primeiras horas após o nascimento,
constando um efeito benéfico no controle da diarréia, embora não houvesse
mais absorção intestinal.
7. Considerações IgY
:
Embora os resultados com imunoglobulinas de ovo de aves hiperimunizados tenham mostrado resultados positivos,
alguns inconvenientes podem ocorrer, pois, nem todos os produtos são
conservados da mesma forma, podendo apresentar oscilações na sua
qualidade. Outro fator importante é a forma como as imunoglobulinas são
produzidas, variando desde o uso de coquetéis de microorganismos patógenos que podem gerar produtos onde não se conhece o
valor e especificidade exata das imunoglobulinas resultando em efeitos não
esperados. È importante a utilização de processos específicos que envolvam a
inoculação do ovo com um patogeno
específico, identificado e titulado levando à produção de imunoglobulinas
específicas e conhecidas, estabelecendo-se padrões de uso com os efeitos
desejados.