Autor/s. : Jean Vilas Boas, Armando Lopes do Amaral, Nelson Morés, Sandro Luiz Treméa, Marcelo Miele eJonas Irineu dos Santos Filho, Embrapa Suínos e Aves, SC.
A suinocultura brasileira
A
carne suína é a fonte de proteína animal mais consumida
do mundo. A produção de 2011 chegou a 100,07 milhões de toneladas e se
concentrou na China (51,5 t), União Europeia (22,1 t)
e Estados Unidos (10,2 t) (EMBRAPA SUÍNOS E AVES, 2011). O Brasil é o quarto
maior produtor e exportador, com 3,3% da produção, 12,5% das exportações e
crescente inserção internacional. Nas últimas três décadas, a suinocultura
brasileira passou por mudanças organizacionais que permitiram um contínuo
incremento tecnológico. Esse movimento conjuntural fez com que o Brasil
ganhasse no período a condição de um dos principais players do mercado
internacional.
O Brasil e a concorrência internacional
O
mercado internacional de carne suína movimentou em 2010 US$
13 bilhões e 5,6 milhões de toneladas, tendo quase triplicado de tamanho
desde 1975 (FAO, 2010; USDA, 2010). O comércio mundial concentra-se em seis
importadores, com aproximadamente dois terços das importações mundiais, e cinco
exportadores, com a quase totalidade das exportações mundiais (Figuras 1 e 2).
Merecem destaque neste cenário as seguintes mudanças:
•
Redução contínua da participação da União Europeia
(UE) nas importações e nas exportações mundiais, tendo em vista o incremento do
comércio intrabloco a partir da incorporação de
países produtores de carne suína, com destaque para os do Leste Europeu.
•
A configuração de grandes importadores líquidos, como Japão, Rússia, México,
Coréia do Sul e Hong Kong, bem como o aumento de
inúmeros médios e pequenos importadores, apontando para um maior dinamismo e a
existência de nichos a serem explorados.
•
A configuração de grandes exportadores líquidos, como EUA, UE, Canadá e Brasil,
que são os principais players globais.
•
Os principais fluxos concentram-se nas exportações da UE e do NAFTA para o
Leste Asiático, no comércio intrabloco e nas
importações da Federação Russa nas quais o Brasil tem destacada participação.
Figura 1. Principais países importadores de carne
suína e participação de mercado 12 Sistema de produção de leitões baseado em
planejamento, gestão e padrões.
Figura 2. Principais países exportadores de carne
suína e participação de mercado.
Neste
cenário, o desempenho brasileiro é positivo, passando de uma posição
inexpressiva nas exportações mundiais, nas décadas de 1970 e 1980, para uma
participação média de 2% na década de 1990 e 13% no período de 2001 a 2010
(Figura 2), com aproximadamente 530 a 600 mil toneladas exportadas em 2010,
atingindo o faturamento recorde de US$ 1,5 bilhão em 2008 (ABIPECS, 2010).
Neste período, as exportações brasileiras cresceram acima da média dos demais
competidores, apesar do acirramento da concorrência, do aumento do
protecionismo e da incerteza sanitária relacionada ao rebanho bovino, que
tiveram impacto restritivo nos volumes exportados em alguns anos.
O mercado brasileiro para a carne suína
O
consumo per capita de carne suína no Brasil é inferior ao das carnes de frango
e boi. É inferior também ao consumo de carne suína nos principais países
produtores e consumidores (Figuras 3 e 4). Nas últimas décadas ocorreu um
enorme crescimento no consumo per capita de carne de frango, que ultrapassou o
de carne bovina, enquanto que o de carne suína apresentou crescimento moderado.
Apesar
disso, o mercado interno é dinâmico e atrativo, tendo em vista o tamanho da
população brasileira (5º país mais populoso) e, mais recentemente, o aumento do
poder aquisitivo das classes C e D. Isso serviu de base para a expansão das
agroindústrias líderes e também abriu espaços diferenciados
para micro, pequenas e médias empresas que atuam em nichos.
Figura 3. Consumo per capita de carnes bovina, de
frango e suína no Brasil.
Figura 4. Consumo per capita de carne suína em
países selecionados em 2009.
O
consumo de carne suína no Brasil ocorre preferencialmente através de produtos
processados, em detrimento da carne suína in natura (Figura 5). Em termos de
locais de consumo, 69% das despesas com alimentação do brasileiro ocorrem no
domicílio e 31% fora dele, em bares, restaurantes, lanchonetes e cozinhas
industriais. Estima-se que o mercado interno de carne suína e seus derivados
(produtos processados) tenha sido de US$ 8,4 bilhões em 2008. Além disso,
ressalta-se que ainda há uma significativa participação do consumo de carne
suína in natura suprido através da produção própria, que não está contabilizada
neste valor. Fonte:
Figura 5. Aquisição domiciliar por tipo de
produto derivado da suinocultura.
O
mercado interno com mais de 191 milhões de habitantes e o seu dinamismo (em
grande parte devido ao aumento dos salários) têm garantido uma sólida base de
expansão da cadeia produtiva, sobretudo nos anos de retração da demanda
externa. O consumo doméstico tem potencial de crescimento, não
apenas em função do aumento populacional ou do poder aquisitivo, mas também
devido às ações de promoção da carne suína junto a consumidores e redes de
varejo, busca de padrões de qualidade, desenvolvimento de cortes especiais e
investimentos em linhas de corte e em logística de frio. Outro fator que
pode contribuir para o crescimento do mercado interno é a incorporação pela
cadeia produtiva de parcelas do consumo supridas através da produção própria,
sobretudo na carne in natura.
Abates, produção, exportações e disponibilidade interna
Os
abates acompanharam a demanda interna e a crescente participação do Brasil no
mercado internacional, puxados pela produção sob inspeção federal (SIF), que
atingiu a marca de 29 milhões de cabeças em 2010 (MAPA, 2010). Os abates
totais, que abrangem também os sistemas de inspeção estaduais e municipais,
somaram 32 milhões de cabeças em 2010 (IBGE, 2010). O crescimento dos abates
acelerou nos anos 90 e se intensificou a partir da abertura do mercado russo
para as exportações brasileiras. O suprimento de animais para esta expansão
ocorreu a partir do avanço da suinocultura industrial, baseada em criações
intensivas e tecnificadas. Enquanto que o rebanho
encontra-se atualmente em níveis semelhantes aos de 1975, com 38 milhões de
cabeças (IBGE), os abates quadruplicaram e a produção de carne cresceu seis
vezes em 35 anos, o que se evidencia na elevação da taxa de desfrute e do peso
médio de abate (Figura 6).
Figura 6. Peso médio de abate e taxa de desfrute
na suinocultura brasileira.
Considerando
os abates inspecionados e a produção própria (autoconsumo
na propriedade e subsistência), estima-se que a oferta de carne suína atingiu 3,2
milhões de toneladas em 2010 (Abipecs e Embrapa
Suínos e Aves). As exportações absorveram em média 18% da produção nos últimos
cinco anos, chegando a 29% quando se considera apenas as empresas com inspeção
federal aptas a exportar. A disponibilidade interna de carne suína tem sido
determinada em grande parte pelas condições do mercado externo, oscilando entre
11 e 14 quilos consumidos anualmente por habitante no Brasil (Figuras 4 e 7).
Figura 7. Produção, exportações e disponibilidade
interna de carne suína no Brasil.
Estratégias empresariais
Existem
dois grupos distintos de empresas e cooperativas que abatem suínos e processam
carne suína no Brasil: as líderes de mercado e as organizações que atuam em
mercados regionais e locais. Estima-se que o segmento de abate e processamento
gerou um valor bruto de US$ 7,1 bilhões em 2008.
Entre
as líderes de mercado predomina a busca por ganhos de escala, a promoção da
marca em produtos processados e a integração da produção. São organizações de
grande porte, com mais de uma unidade industrial (multiplantas)
e abrangência internacional. Esta ocorre não apenas através das exportações,
mas a partir de investimentos produtivos e centros de distribuição em países
importadores. A maioria é diversificada, também atuando no segmento de carne de
frango (geralmente seu principal produto), laticínios, carne bovina e alimentos
processados. Entre os produtos destas organizações predominam os processados em
detrimento da carne fresca e congelada.
Do
ponto de vista da extensão vertical das estratégias, verifica-se o controle da
produção de insumos (fábricas de ração e genética) e a integração dos
estabelecimentos suinícolas através de contratos, com
a coordenação da cadeia produtiva. Essa forma de inserção da atividade pecuária
é denominada no Brasil de integração, sistema no qual as agroindústrias
fornecem ração, genética, logística e assistência técnica. A integração
predomina na região Sul do país, mas está crescendo nas regiões Sudeste e
Centro-Oeste.
Um outro
traço deste segmento é a sua expansão através de fusões e aquisições, que
marcaram o desenvolvimento da cadeia produtiva. As duas empresas líderes de
mercado formaram uma nova empresa, que passou a representar 28% dos abates e
39% das exportações, se consolidando em uma das líderes mundiais em alimentos.
Além disso, a quinta empresa em volume de abates foi adquirida por uma empresa
do segmento de carne bovina em expansão para suínos e aves.
As
organizações de menor escala, voltadas a nichos de mercado, apresentam grande
diversidade de formas e estratégias. São micro, pequenas e médias empresas e
cooperativas, agroindústrias familiares e outras experiências associativas.
Essas organizações têm uma abrangência local (dentro do município e seu
entorno) ou regional (dentro do estado ou seu entorno).
Há
grande heterogeneidade em termos de diversificação para outros segmentos da
produção animal e na extensão da gama de produtos. Entretanto, destaca-se que
têm importante papel na oferta de carne suína in natura, sobretudo porque se
constituem em canais de comercialização mais curtos, próximos dos pontos de
venda e consumo (CARNE..., 2009). Do ponto de vista da verticalização, também
há grande diversidade, envolvendo desde suinocultores de grande porte que
passaram a abater seus animais, passando por iniciativas
associativas de coordenação da cadeia de suprimento (assimilando práticas da
integração), até a compra de animais no mercado spot envolvendo desde
suinocultores de grande porte que passaram a abater seus animais, passando por
iniciativas associativas de coordenação da cadeia de suprimento (assimilando
práticas da integração), até a compra de animais no mercado spot.
Perfil da suinocultura industrial
A
suinocultura brasileira pode ser subdividida entre industrial (tecnificada) e
de subsistência, com a presença de produtores familiares, patronais e
empresariais. O rebanho da suinocultura industrial e a sua produtividade têm
crescido de forma constante nos últimos anos. Este crescimento ocorreu nas
principais regiões produtoras e se concentrou nos alojamentos ligados às
integrações ou às cooperativas. Por outro lado, estima-se que o rebanho de
subsistência venha decrescendo anualmente, perdendo espaço na suinocultura
brasileira. Estima-se que em 2010 o alojamento de matrizes foi de 2,5 milhões
de cabeças, das quais 65% compuseram o rebanho industrial (ABIPECS e Embrapa
Suínos e Aves).
Em
2008, o Valor Bruto da Produção (VBP) da suinocultura foi de US$ 5 bilhões
(INDICADORES..., 2009). A suinocultura industrial engloba uma grande
diversidade de produtores (familiares, patronais e empresariais) e está
localizada em diferentes regiões. Um traço comum a toda esta diversidade são as
profundas transformações organizacionais e tecnológicas da última década. Até
meados dos anos 1990, predominava a produção em ciclo completo (CC), onde o
mesmo estabelecimento desenvolve todas as etapas de produção do animal.
Verifica-se desde então um processo de mudança, com a segregação da produção em
múltiplos sítios, em unidades produtoras de leitões (UPL) e unidades de
crescimento e terminação (UT). Essa tendência à especialização nas etapas do
processo produtivo ocorreu em todo o país, mas se dá de forma mais intensa
entre as integrações na região Sul.
Concomitante
ao processo de especialização, ocorreu o aumento de
escala, com o aumento da produção e a redução no número de estabelecimentos suinícolas (HEIDEN, 2006). Em Santa Catarina, um
estabelecimento suinícola característico dos anos 80
alojava cerca de nove matrizes, passando a mais de 20 matrizes no final dos
anos 90. Atualmente, este sistema não é o mais utilizado no Estado e as escalas
de produção passaram a variar de 50 a 500 matrizes em ciclo completo (CC),
dependendo da região. Nos sistemas segregados (UPL e UT), apesar de mais
recentes, também se verifica aumentos de escala significativos ao longo da
última década (Figura 8).
Figura 8. Escala de produção predominante, por
tipo de sistema, nas diferentes regiões brasileiras.
Associados
a essas mudanças organizacionais, ocorreram avanços tecnológicos em genética,
sanidade, nutrição, instalações, manejo e bem-estar animal, com aumento da
eficiência técnica em conversão alimentar e produtividade das matrizes, bem
como da qualidade dos animais entregues ao abate via melhor rendimento de carne
magra na carcaça e gordura (Figura 9).
Figura 9. Indicadores selecionados de eficiência
técnica na suinocultura de Santa Catarina.
Em
termos de diferenças regionais, destaca-se que a escala de produção na região
Sul é inferior às demais regiões, com grande participação de agricultores
familiares integrados à empresas e cooperativas
agroindustriais.
Predomina
a produção segregada em múltiplos sítios e especialização na atividade, com
pouca produção de grãos. Mais recentemente, verifica-se uma diversificação para
a bovinocultura de leite. Na região Sudeste predomina o sistema em CC não
integrado (mercado spot), mas com aumento da participação de granjas
integradas, com produção segregada com produção segregada, ligadas à expansão
das agroindústrias líderes. Por fim, o Centro-Oeste é uma das principais
regiões de expansão da fronteira agrícola no mundo. A suinocultura é uma
atividade geralmente desenvolvida por produtores de grãos patronais ou empresariais
que passaram a diversificar suas atividades e explorar ganhos de escala.
Predomina o mercado spot e contratos de compra e venda (supply
contracts), mas avançam as integrações a partir da
instalação das agroindústrias líderes.
Importância para o país da cadeia produtiva da carne suína
Uma
infinidade de atores e atividades se desenvolvem em
torno da suinocultura, desde o produtor de grãos e fábricas de rações, passando
pelas agroindústrias de abate e processamento, até o segmento de equipamentos,
medicamentos, distribuição (atacado e varejo) e o consumidor final. Estas
atividades e seus respectivos encadeamentos produtivos contribuíram
decisivamente para o crescimento das regiões onde estão situados os principais
pólos suinícolas no Brasil (Figura 10).
Figura 10. Distribuição geográfica da
suinocultura.
Estima-se
que o valor da cadeia produtiva da carne suína tenha sido de US$ 9,8 bilhões em
2008, equivalente a 3% do agronegócio brasileiro. Em relação ao mercado de
trabalho, a cadeia suinícola também apresenta números
significativos. A estimativa é que ela seja responsável por 173 mil empregos
diretos e 462 mil indiretos, totalizando 635 mil postos de trabalho (MIELE;
MACHADO, 2010).
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