O impacto da manqueira no
desempenho dos animais
Autor/s. : Ton Kramer, Médico Veterinário, Swine Business Manager, Brasil.
INTRODUÇÃO
Os problemas
locomotores e reprodutivos têm sido relatados como as causas mais comuns no
descarte de porcas. Porcas com claudicação têm menor número de partos ao longo
de sua vida quando comparadas a porcas sem claudicação (menos de 3,0 leitegadas
e 4,5 leitegadas, respectivamente). Além disso, o número de nascidos totais e
nascidos vivos destas porcas é menor (ANIL et al.,
2009), assim como há maior mortalidade de leitões nas matrizes com manqueira, quando comparadas com fêmeas sadias (27% e
12,4%, respectivamente) (GRANDJOT et al., 2007).
Desta forma, a
atenção à saúde do aparelho locomotor das porcas é fundamental para garantir a
melhor produtividade e rentabilidade da produção.
QUAL O
TAMANHO DO PROBLEMA?
É comum quando se
visita uma granja produtora de leitões que o proprietário ou gerente da granja
relate não ter problemas de manqueira em suas porcas.
No entanto, quando se faz a avaliação dos animais, a realidade é bem diferente
(Figura 1).
Levantamentos feitos
no Brasil em 2013 com cerca de 35.000 porcas, de 21 granjas, mostraram que 64%
das porcas tem algum grau de claudicação e que 99% das porcas apresentam alguma
lesão de casco (KRAMER et al., 2013).
Figura
1 Porca apresentando claudicação.
CAUSAS DA
CLAUDICAÇÃO
Dentre as principais
causas que levam os animais à manqueira, quatro são
os que merecem destaque (ROWLES, 2001):
- Infecções bacterianas;
- Hereditárias ou genéticas;
- Ambientais ou de manejo; e
- Nutricionais ou metabólicas.
Vários
microrganismos, como Streptococcus suis, Haemophilus parasuis, Mycoplasma hyorhinis e Erysipelothrix rhusiopathiae,
podem estar associados às claudicações, assim como com poliartrite
infecciosas, laminite e septicemia.
No entanto, a
principal causa de artrite em suínos é a osteocondrose
(ALBERTON et al., 2013), uma doença que acomete as
cartilagens de crescimento e articulares (Figura 2), em animais em crescimento,
responsável por provocar muita dor naqueles que apresentam manifestação clínica
(como nos casos de Epifisiólise - Figura 3). A osteocondrose é também considerada a principal causa da
síndrome das pernas fracas nos suínos (KIRK et al.,
2008). Como consequência da osteocondrose,
os animais apresentam um menor desempenho ao crescimento e de produtividade,
resultando em descarte ou perda precoce dos animais de reprodução e, assim,
perdas econômicas.
Figura
2 Lesão de osteocondrose no úmero
de uma porca descartada.
Figura
3 Porca apresentando quadro de Epifisiolise,
decorrente de lesao de Osteocondrose.
Aspectos ambientais e
de manejo também exercem um papel importante no que diz respeito à ocorrência
de manqueiras. A qualidade do piso e dos ripados,
assim como a largura do ripado e o espaço vazado, a presença de umidade e dejetos
na baia ou gaiola, lâmina d’água, superlotação e práticas de manejo podem
resultar em trauma e/ou em lesões dos cascos (Figuras 4 e 5).
Figura
4 Gaiola de gestacao com ripado
danificado, favorecendo que a porca se machuque.
Figura
5 Baia com excesso de dejetos, favorecendo a ocorrência de
lesões de casco e infecções.
Finalmente, situações
que levam os animais à ativação do sistema imune ou ao estresse - mesmo que
sejam práticas de manejo rotineiras (como a vacinação) ou processos
inflamatórios - levam os animais a um redirecionamento nutricional, de tal forma
a garantir sua melhor condição fisiológica. Esta alteração na demanda e no
destino dos nutrientes pode resultar na perda da qualidade dos cascos, levando
à ocorrência de lesões.
Ambientes com
temperatura e/ou umidade elevadas, por exemplo, fazem com que os animais sofram
uma condição de estresse térmico. Nestes casos, para garantir a melhor condição
para o Ton Kramer animal, o organismo reorganiza seus
processos metabólicos e de partição dos nutrientes (destino dos nutrientes ao
longo dos processos fisiológicos) (RHOADS et al.,
2013), resultando em uma redução no desempenho produtivo e/ou reprodutivo e na
maior possibilidade do animal ficar doente ou apresentar lesões, como as de
casco, que podem levar os animais à claudicação.
A RELAÇÃO DA
MANQUEIRA COM OS PROBLEMAS REPRODUTIVOS?
A claudicação é uma
resposta do animal ao incômodo ou à dor.
Normalmente isto se
deve à ocorrência de um processo inflamatório, condição comum quando ocorrem
lesões nos cascos moderadas ou severas (Figura 6). Quando há inflamação, todos
os sistemas corporais são afetados.
Figura
6 Cascos apresentando inflamação, lesão de linha branca
severa, erosão de sola, sobrecrescimento de unhas e
sobre-unhas moderados.
Além da dor, as
inflamações resultam na redução do consumo de alimentos e na liberação de
mediadores inflamatórios pelo organismo. São estes mediadores inflamatórios,
denominados citoquinas, que promovem as alterações em
como e com qual prioridade os nutrientes serão utilizados pelo corpo. Em função
da inflamação, o animal irá alterar o destino dos nutrientes, priorizando
órgãos do sistema imune, fígado, pulmões e cérebro, enquanto sistemas não
prioritários para a sobrevivência, como o reprodutivo, receberão uma quantidade
menor de nutrientes (SPURLOCK, 1997).
As lesões nos cascos
promovem reações inflamatórias crônicas e agudas, causando uma dramática
alteração no sistema reprodutivo. As citoquinas
liberadas levam, por fim, a complicações na reprodução, que incluem aumento nos
abortos, absorções embrionárias, diminuição do tamanho das leitegadas e aumento
das fêmeas retornando ao cio.
É importante
compreender que a inflamação devido às manqueiras
manifesta-se da mesma forma que respostas inflamatórias consequentes
à desnutrição, à mastite ou outras disfunções que ativem o sistema imune.
Assim, a prevenção e
o tratamento precoce das manqueiras e lesões de casco
ajudarão a manter o consumo de ração e o apetite, diminuindo as complicações
reprodutivas devido às claudicações.
PREVENÇÃO DA
CLAUDICAÇÃO
Para a prevenção da
claudicação, devem ser considerados os fatores que levam à ocorrência e à
severidade das lesões de casco, do aparelho locomotor e das infecções. Assim,
deve-se dar atenção à seleção dos animais destinados à reprodução, ao ambiente
onde estes animais são criados, à nutrição e ao manejo.
A seleção genética
deve ser parte importante da estratégia de prevenção da claudicação. Devem ser
destinados à reprodução animais com boa conformação e qualidade de aprumos e,
preferencialmente, de linhagens sabidamente com baixa prevalência de
manifestação clínica de Osteocondrose. Animais com
pernas dianteiras e traseiras “duras”, pernas dianteiras voltadas
para fora, com balanço exagerado do quadril ao caminhar, metacarpos ou
metatarsos fracos ou com “achinelamento”
ou crescimento de unhas dianteiras têm grande possibilidade de apresentarem
lesões de osteocondrose (KIRK et
al., 2008; KONING et al., 2012).
Com relação ao
ambiente, boas práticas de limpeza e desinfecção das instalações são
indispensáveis para evitar infecções e a fragilização dos cascos devido à
presença de umidade e dejetos.
Deve-se, ainda,
atentar para a qualidade do piso e ripados. O piso não deve ser excessivamente
abrasivo, que resulte em excessiva desgaste dos cascos, tampouco liso, que
possa resultar em escorregões por parte dos animais. A presença de degraus e
saliências deve ser evitado, já que podem levar os animais a alguma lesão.
Quanto aos ripados,
além da qualidade do material utilizado para sua construção, deve-se tomar
cuidado com a integridade dos mesmos, a qualidade de suas bordas e da área
sólida e do espaçamento dos mesmos. As regras de bem-estar animal determinam
que para leitoas e porcas o espaçamento do ripado (vão) deve ser de no máximo
20 mm e a área sólida deve ter, no mínimo, 80 mm de largura (Code of Recommendations
for the Welfare of Livestock, 2003). O uso de
piso plástico em substituição ao de concreto não mostrou diferença no que diz
respeito às lesões de casco (GJEIN e LARSSEN, 1995; OLSSON e SVENDSEN, 2002).
O manejo adotado com
os animais deve ser tranquilo, evitando que os
animais tenham movimentos bruscos que possam levá-los a se machucarem. Da mesma
forma, medidas que evitem brigas entre animais devem ser adotadas.
Finalmente, boas
práticas nutricionais devem ser adotadas para garantir o fornecimento adequado
de nutrientes aos animais, garantindo assim que tenham suas necessidades
atendidas para que possam expressar seu máximo potencial.
A IMPORTÂNCIA
DA NUTRIÇÃO
Os principais
nutrientes que interferem na saúde dos cascos incluem ácidos graxos, os
aminoácidos cistina e metionina, os minerais cálcio,
cobre, cromo, manganês, selênio e zinco, além das vitaminas A, D, E e biotina (PLUYM et al., 2013).
A adição de
aminoácidos especialmente combinados com microminerais
como cobre e silício reduzem a ocorrência e a severidade da osteocondrose.
Os microminerais zinco, manganês e ferro também estão
envolvidos neste processo (VAN RIET et al., 2013). Porcas
suplementadas com cobre durante a gestação tiveram leitegadas com lesões menos
severas de leitegadas, assim como animais em crescimento suplementados com
cobre e manganês. Altos níveis de metionina-treonina
também diminuíram a severidade das lesões (FRANTZ et
al., 2008).
Vitaminas e microminerais, além dos aminoácidos sulfurados, têm uma
importância significativa na produção e manutenção da integridade dos tecidos queratinizados, como os cascos. Pesquisas desenvolvidas na
década de 80 evidenciaram a importância da biotina na saúde dos cascos,
especialmente por participar do processo de produção da substância cementante intercelular (MÜLLING et
al., 1999). No entanto, estes mesmos estudos são contraditórios quanto ao
benefício da suplementação de biotina para leitoas em crescimento ou porcas
adultas (PLUYM et al., 2013).
Os microminerais são fundamentais para a produção do tecido
córneo, não somente em termos da quantidade ingerida, mas também pela biodisponibilidade dos mesmos (VAN RIET et
al., 2013). Sua participação está relacionada com a qualidade da queratina
produzida pelos queratinócitos (TOMLINSON et al., 2004). A suplementação de zinco, cobre e manganês
complexados com aminoácidos reduziu a incidência das lesões de casco (ANIL et al., 2009; DUTRA e KRAMER, 2013) e a severidade das
mesmas (SURIYASOMBOON et al., 2010; ANIL et al., 2011; DUTRA e KRAMER, 2013). Assim, aumentar a biodisponibilidade dos nutrientes, especialmente dos microminerais, melhora seu aproveitamento e, por consequência, a integridade dos tecidos queratinizados
(BALLANTINE et al., 2002). Desta forma, garante-se a
saúde dos cascos, pré-requisito para garantir o bem-estar animal e a expressão
do máximo potencial de produção dos animais.
CONCLUSÃO
A claudicação é uma
manifestação de origem multifatorial. De um ponto de vista clínico, identificar
o problema e entender suas causas são fundamentais para sua correção e
prevenção.
A saúde dos cascos é
indispensável para o bem estar geral das matrizes e para se obter bons
desempenhos produtivos e reprodutivos.
Se não tratadas
adequadamente, as condições negativas às quais os animais são submetidos podem leva-los a claudicação e outras complicações, que incluem
perdas na performance reprodutiva e da longevidade.
Com o entendimento e
intervenção sobre os fatores que contribuem para a ocorrência de manqueira e dos processos inflamatórios espera-se melhorar
os desempenhos produtivos, reprodutivos e financeiros da produção suína.